Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No meu trabalho utilizamos formulários que possuem a palavra avozeiro (nesta grafia) para designar o galpão onde são criadas as aves que darão origem a outras aves, denominadas matrizes. Estas últimas são as mães dos frangos destinados à engorda e abate.

Do mesmo modo, a palavra bisavoseiro (com esta grafia) para designar os galpões das mães das avós citadas acima.

Não me parece correto utilizar o z em avozeiro e o s em bisavoseiro. Para mim, visto que as palavras originalmente são avó e bisavó, o correto seria escrever avozeiro e bisavozeiro.

Pergunto: qual a forma correta destes verbetes?

Agradeço a atenção.

Resposta:

A palavra avozeiro não se encontra registada em nenhuma das fontes que consultámos. No entanto, uma pesquisa na Internet revela que este termo é de uso corrente na área da avicultura. De acordo com um documento disponibilizado pela Faculdade de Administração e Gestão da Universidade de São Paulo, o avozeiro é «o primeiro elo da cadeia produtiva [numa exploração de aves] onde ficam as galinhas avós, que são originadas a partir da importação de ovos das linhagens avós, as quais são cruzadas para produzir as matrizes que, por sua vez, vão gerar os pintos comerciais criados para o abate». Assim, concluímos que a palavra avozeiro deriva da palavra de base avó, e não de ave.

Em relação a "bisavoseiro", que de resto também não se encontra dicionarizada, a pesquisa na Internet mostra que ambas as palavras se encontram em uso para designar a mesma noção. A nosso ver, a forma correta será bisavozeiro. Nesta palavra temos o prefixo bi(s)- (do advérbio latino bis, que significa «duas vezes») ligado à forma de base avozeiro. Na formação da palavra avozeiro, derivada como já indicámos de avó, encontramos a consoante de ligação -z-, elemento morfológico que, de acordo com o Dicionário Houaiss, é utilizado entre as formas de base terminadas em ditongo (oral ou nasal) e vogal (como é o caso de avó, a par de cafezeiro e maracujazeiro),¹ seguida de sufixo iniciado por vogal (neste caso -eiro).

 

¹ Estes derivados que exibem o infixo -z- têm também variantes sem ele: cafezeiro/cafeeiro (de café); bambuzal/ba...

Pergunta:

Sei perfeitamente que extinto tem também a acepção de «morto», mas dizer que «... o extinto tinha 67 anos...» não me parece de bom-tom atendendo a que existem outros vocábulos mais indicados.

A minha pergunta é simples, é indicado utilizar o vocábulo extinto quando se fala de uma pessoa que faleceu?

Muito obrigado.

Resposta:

De facto, o substantivo extinto/a (do do latim exstinctus) pode ser utilizado como sinónimo de falecido, defunto e/ou morto, como nos indica o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa. No entanto, verifica-se que não é muito frequente encontrar o termo utilizado com esta aceção na linguagem corrente, pese embora a sua legitimidade num registo formal.

Pergunta:

«Mais de 60 por cento dos homens começou a fumar antes dos 18 anos. Nas mulheres, esse valor atinge os 42 por cento.»

Porque é que na 1.ª frase «60» não tem o artigo definido, e na 2.ª frase «42» tem?

Obrigada.

Resposta:

Na tentativa de respondermos à pergunta que a consultente apresenta, iremos proceder à análise de cada uma das frases que constituem a sequência em apreço.

Na primeira frase estamos perante a expressão cerca de, que, segundo Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramá¡tica do Português Contemporâneo (1986: 497-497), denota uma quantidade aproximada, tal como as expressões «menos de», «cerca de» e outras desta sorte. Quando recorremos a estas expressões não podemos utilizar nem o artigo definido («*mais de os cem homens») nem fazer a contração da preposição de com o artigo definido («*mais dos cem homens»). Nesta frase, encontramos ainda uma segunda estrutura com a expressão 60 por cento. João Andrade Peres e Telmo Móia (Áreas Críticas da Língua Portuguesa: 484-488) denominam este tipo de estruturas n por cento de. Visto que à estrutura «60 por cento de» se segue um nome encaixado, «dos homens», no plural, o verbo da frase, começar, terá de concordar em número com este nome, ou seja: «mais de 60 por cento dos homens começaram a fumar antes dos 18 anos».

Na segunda frase, importa considerar o predicador verbal atingir. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, apresenta, entre outras, as seguintes aceções, com as respetivas abonações, deste verbo: 1 – chegar a um dado ponto no espaço; alcançar um alvo, uma meta, um objetivo («o automóvel atingiu o seu destino», «a bala não atingiu o alvo»); 2 – estender-se até determinado ponto ou nível («a cheia atinge já o primeiro andar dos edifícios ribeirinhos»). Assim, na frase que a consulente apresenta, a ideia veiculada pela mesma é a de que o valor, sujeito da oração, da percentagem de mulheres está sit...

Pergunta:

Qual é a origem da palavra marinar? Esta palavra pode ser considerada da família de mar?

Resposta:

Trata-se de um empréstimo italiano, derivado de marina, «marinha». Pode-se considerar da mesma família de palavras que mar, porque marina deriva de mare, palavra italiana que, por sua vez, evoluiu do latim mare, como o seu cognato português. Contudo, deve-se encarar o verbo marinar, que significa «deixar ou ficar, durante algum tempo, um alimento mergulhado numa mistura de vinho, vinagre, sal e especiarias» (dicionário Academia das Ciências de Lisboa), como um vocábulo de estatuto especial no contexto dessa família de palavras, porque, apesar da sua origem estrangeira, surgiu da mesma palavra latina donde provém o português mar.

Sobre a etimologia de marinar, saliente-se a seguinte nota do Dicionário Houaiss (desenvolveram-se as abreviaturas): «Do francês mariner (1552), proveniente do italiano marinare (atestado em 1535) (...) do latim (aqua) marina, "salmoura" [...]».

Pergunta:

Segundo o acordo ortográfico (explicação que me deram hoje), as palavras pedreiro, infeliz e outras derivadas são palavras complexas. Não foi assim que aprendi e que confirmei na gramática de Celso Cunha. Palavras com afixos seriam simples, e palavras compostas seriam, por exemplo, aguardente e as que têm hífen?

Será que podemos considerar netão grau aumentativo de neto

Agradeço informação.

Resposta:

Pelo que pudemos compreender, a consulente refere-se a conceitos propostos pelo Dicionário Terminológico (DT) e não pelo novo Acordo Ortográfico. É partindo deste pressuposto, incorrendo voluntariamente no risco de estarmos equivocados, que a nossa resposta será orientada.

De facto, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (p. 82), encontramos a referência a palavras simples e palavras compostas (e não complexas). Os autores referem que as palavras simples «possuem apenas um radical, sejam primitivas, sejam derivadas» e apresentam o exemplo que a consulente indica: pedreiro (palavra de base pedr- + sufixo derivacional - eiro). Quanto às palavras compostas, estas são, como sabemos, aquelas que «contêm mais de um radical» (como quebra-mar, guarda-marinha, aguardente ou pontapé). A proposta de Cunha e Cintra é diferente da aceção de palavra simples e de palavra complexa formulada no âmbito do DT. Segundo os supracitados autores, todas as palavras derivadas, como já indicámos, são consideradas palavras simples, ao passo que o DT apresenta uma categorização distinta, tendo por base as noções de afixos derivacionais e de afixos flexionais.

No DT encontramos as seguintes definições de palavra simples e de palavra complexa ...