Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
28K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Muito agradecia o favor de me explicarem se se deve dizer «podemos combinar encontrar-nos», ou «podemos combinar encontrarmo-nos».

Muito grata pela atenção que se dignarem dispensar.

Resposta:

No enunciado proposto, verificamos a existência de um caso de subordinação completiva.

De facto, a frase proposta inclui uma oração subordinada completiva não finita, sendo que o verbo se encontra, no primeiro caso — «podemos combinar encontrar-nos», — no infinitivo não flexionado e, no segundo enquadramento — podemos combinar encontrarmo-nos —, no infinitivo flexionado (= infinitivo pessoal).

Apesar de parecer — e de, efetivamente, ser — algo redundante repetir, por assim dizer, a marca do sujeito na segunda formulação sugerida pela estimada consulente, a verdade é que este é um tipo de estrutura bastante vulgarizado. Maria Helena Mira Mateus e outros (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, pp. 633-643), por exemplo, chamam a atenção para a existência, neste tipo de construções completivas não finitas, daquilo a que elas chamam «variação livre» entre o infinitivo flexionado e o infinitivo não flexionado. Ex.: «Eu vi os meninos a devorar(em) o gelado»; «Ouvimos os pais a chamar(em) os miúdos»; «Os professores pensam poder(em) concluir a avaliação na próxima semana».

Deste modo, direi que ambas as formulações serão admitidas, ainda que, na verdade, o segundo enunciado proposto — «podemos combinar encontrarmo-nos» — padeça de uma redundância que eu diria desnecessária.

Pergunta:

Estou lendo o livro Aula, de Roland Barthes, e uma palavra me travou, nem Google ajudou: reição.

O contexto é: «assim, por sua própria estrutura, a língua implica uma relação fatal de alienação. Falar, e com maior razão discorrer, não é comunicar, como se repete com demasiada frequência, é sujeitar: toda língua é uma reição generalizada» (p. 13).

Muitíssimo obrigado!

Resposta:

Julgo que a edição do referido livro de Roland Barthes utilizada pelo caro consulente será a da Editora Cultrix.

De facto, não encontro qualquer referência ao termo reição em nenhum dos instrumentos linguísticos de referência (portugueses ou brasileiros) consultados.

O excerto, no original francês, é:

«[...] Parler, et à plus forte raison discourir, ce nʼest pas communiquer, comme on le répète trop souvent, cʼest assujettir: toute la langue est une rection généralisée.»

De acordo com o dicionário francês Petit Robert, a definição da palavra rection é:

«Propriété quʼa le verbe dʼêtre accompagné dʼun complément direct ou introduit par une préposition.»1

Deste modo, creio que a melhor forma de traduzir o referido vocábulo é recorrer ao termo português regência.

Foi, aliás, desta forma que a professora Ana Mafalda Leite traduziu este excerto na edição portuguesa da obra em apreço (Roland Barthes, Lição, Edições 70, Colecção Signos, Lisboa, 1988):

«[...] Falar, e com mais razão discorrer, não é comunicar, como muitas vezes se diz, mas, sim, subjugar: toda a língua é uma regência generalizada.»

No que diz respeito à interpretação deste excerto específico da citada lição de Barthes, proferida no Collège de France, em 7 de janeir...

Pergunta:

Com relação à resposta 31 196, posso dizer que pequei ao não citar alguns exemplos. De qualquer maneira, poderei mencioná-los agora para confirmar que tenho razão nas ponderações que escrevi.

A) «Não, senhorita, Dile respondeu.» (O certo é: «respondeu Dile.»)

B) «Professora, ele disse aqui está o celular de Dile.» (O certo é: «disse ele.»)

C) «Professora, Dile falou com voz trêmula.» (O certo é: «falou Dile com voz trêmula.»)

O pior é que esse modismo já se está espalhando...

Muito grato!

Resposta:

Tal como já foi referido na resposta citada, de facto, os contextos aqui elencados pelo estimado consulente são compatíveis com as reflexões de Cintra e Cunha (Nova Gramática do Português Contemporâneo, p.164), que passo novamente a citar:

«A inversão VERBO + SUJEITO verifica-se em geral [...] nas orações construídas com verbos do tipo dizer, sugerir, perguntar, responder e sinónimos que arrematam enunciados em DISCURSO DIRETO ou neles se inserem: — Isso não se faz, moço, protestou Fabiano.[...]; — Traz-se-lhe as duas coisas — disse o Barão aflorando a cabeça no ombro da consorte, de mão na porta escura. [...]»

Assim sendo, tem razão o consulente na reflexão que tece, devendo-se efetivamente optar pela referida inversão nos enquadramentos transcritos.

Pergunta:

Sou um amante de música clássica e gostaria que me esclarecessem qual o seu respetivo adjetivo. Poderei dizer: «Sou musicófilo classicense» ou sou «melómano classicista»? Estará correto? Se não está, qual seria a alternativa correta?

Muito obrigado pela vossa resposta.

Resposta:

Os vocábulos musicófilo e melómano mantêm entre si uma relação de sinonímia:

«Musicófilo — que ou quem demonstra apreço, predileção ou propensão pela música; melófilo» (Dicionário Houaiss); «Melómano — Que ou quem tem paixão pela música» (Dicionário Priberam) = «melomaníaco», «musicomaníaco», «musicómano».

Não encontro, porém, em nenhum instrumento linguístico de referência (português ou brasileiro), o termo "classicense".

classicista significa «Que é seguidor ou admirador do classicismo» (Aulete Digital); «pessoa que segue o classicismo» (Infopédia), definição que me parece ser compatível com a aceção proposta pelo estimado consulente.

Deste modo, sugiro a opção pela formulação «melómano/musicófilo classicista».

Não devo, contudo, deixar de partilhar aqui a comunicação pessoal de um especialista na área, Carlos Passos, pianista e professor de Música do Conservatório Nacional: na sua opinião, o vocábulo melómano é normalmente usado em contextos eruditos, sendo que, deste modo, o referido termo conterá já em si a ideia do gosto pela chamada música clássica. Neste sentido, a palavra melómano, por si só, poderá desde logo significar «amante da música clássica», não sendo necessário acrescentar qualquer adjetivo para especificar esta ideia.

Pergunta:

A oração «quantas pessoas vêm» na frase «Não consigo imaginar quantas pessoas vêm» é relativa sem antecedente, ou é completiva?

Resposta:

O constituinte «quantas pessoas vêm» é uma oração subordinada completiva, que surge como argumento de um dos núcleos lexicais da frase superior. Assim, neste caso, o núcleo da oração superior que seleciona a completiva é o verbo imaginar, sendo que a supressão do constituinte (oração subordinada completiva) «quantas pessoas vêm» determina necessariamente a agramaticalidade da frase:

«*Não consigo imaginar» (o asterisco significa agramaticalidade)

Aliás, a aplicação de testes de constituência mostra justamente que a oração em análise se constitui como uma unidade sintática da frase superior, já que, independentemente da função sintática que desempenha na oração subordinante, ela pode ser sempre substituída, por exemplo, por um pronome demonstrativo invariável:1

«Não consigo imaginar isso [isto é, quantas pessoas vêm/o número de pessoas que vêm].»

Refira-se igualmente que, neste caso concreto, se trata de uma oração subordinada completiva com relação gramatical de objeto direto, como o comprova a sua substituição pelo pronome demonstrativo átono invariável o:

«Não o consigo imaginar», sendo que o substitui, naturalmente, «quantas pessoas vêm».

Provavelmente, se a estrutura proposta fosse, por exemplo, «Não consigo saber quantas pessoas vêm»/«Não sei quantas pessoas vêm»/«Não sei o número de pessoas que vem» (=«Não o sei»/«Não sei isso»), talvez mais facilmente vislumbrássemos a natureza completiva desta oração.

Finalmente, tendo em conta que, na frase em discussão, detetamos a presença do determinante interrogativo quantas (