Pedro Mateus - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Pedro Mateus
Pedro Mateus
28K

Pedro Mateus, licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa; mestrado em Literaturas Românicas, na área de especialização Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea pela mesma Faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Alerta | EPM-CELP interrompe atividades letivas em 16 e 17 de fevereiro.»

Gostaria de saber se a frase está correta. Não seria mais correto dizer: «EPM-CELP interrompe atividades letivas a 16 e 17 de fevereiro»?

Resposta:

Ambas as preposições enunciadas — a e em — podem exprimir relações de tempo (Infopédia, Dicionário Houaiss, Aulete Digital).

Julgamos que, no contexto em apreço e numa primeira abordagem, do ponto de vista formal, as duas opções poderão ser aceites. «[...] interrompe atividades letivas em 16 e 17 de fevereiro» equivale a dizer «[...] interrompe atividades letivas durante os dias 16 e 17 de fevereiro». Repare-se que se a formulação fosse apenas «[...] interrompe atividades letivas em fevereiro», nenhum tipo de dúvida se apresentava.

Porém, se levarmos a cabo uma análise comparativa com outros enunciados, podemos concluir que existem, apesar de tudo, ligeiras diferenças ao nível da utilização contextual das referidas preposições, que serão eventualmente de valorizar. Veja-se, por exemplo, as seguintes ocorrências:

a) «O jornal sai às sextas.» = «O jornal sai todas as sextas.»

b) «Ao sábado, vou passear.» = «Todos os sábados, vou passear.»

c) «No sábado, vou passear.» = «No próximo sábado, vou passear.»

d) «Ela faz anos a 30 de agosto» (acontecimento que se repete todos os anos).

e) «Ela nasceu em 30 de agosto de 1980» (acontecimento que teve lugar apenas nesta data específica).

Deste modo, verificamos que, aparentemente, neste tipo de aceção temporal, a preposição

Pergunta:

Por que razão é paradoxal a definição de inércia?

inércia

s. f.

1. Falta de movimento ou de atividade.

2. Preguiça, indolência.

3. Propriedade dos corpos que não podem, de per si, alterar o seu repouso ou o seu movimento.

i.nér.ci:a Ajuda, feminino

(Física) propriedade inata de um corpo que o faz responder a ação de forças; resistência da matéria ao movimento acelerado; propriedade intrínseca da matéria responsável por conservar, na ausência da ação de forças, um corpo em seu estado de movimento.

(Química) propriedade química característica dos elementos ou compostos químicos cuja propensão a reação química é muito pequena ou nula; qualidade de elementos ou compostos químicos não-reativos; não-inclinação a reação química.

Os gases nobres, por exemplo, apresentam elevada inércia.

(Figurado) estado de paralisia; condição de estagnação; falta de atitude; ausência de ação e reação; inação, inatividade.

(Figurado) abatimento caracterizado pela falta de vigor físico ou psicológico; apatia; desânimo, preguiça.

(Figurado) falta de aptidão; incapacidade.

Resposta:

Não vejo, sinceramente, onde possa residir o paradoxo referido pela consulente. Parece-me até existir um elevado grau de compatibilidade entre as aceções propostas pelas áreas da física e da química e os sentidos figurados: «Falta de movimento ou de atividade [...] Propriedade dos corpos que não podem, de per si, alterar o seu repouso ou o seu movimento [...] resistência da matéria ao movimento acelerado; propriedade intrínseca da matéria responsável por conservar, na ausência da ação de forças, um corpo em seu estado de movimento; propriedade química característica dos elementos ou compostos químicos cuja propensão a reação química é muito pequena ou nula; qualidade de elementos ou compostos químicos não-reativos; não-inclinação a reação química [...] estado de paralisia; condição de estagnação; falta de atitude; ausência de ação e reação; inação, inatividade [...].»

Repare-se que a não suspensão de um qualquer movimento por ausência da ação de forças é também uma forma de inércia: «Existem numerosos exemplos do nosso dia a dia que podem ser explicados com base na lei da inércia: Quando um veículo trava bruscamente, os passageiros são projetados para a frente por terem tendência a continuar o seu movimento. Do mesmo modo, quando um veículo arranca de modo brusco, os passageiros são atirados para trás, sem acompanhar o movimento do veículo, por terem tendência a permanecer em repouso. É também devido à inércia que as naves espaciais continuam a mover-se no espaço em linha reta, mesmo quando se desligam os motores, e os petroleiros continuam a mover-se no oceano, cerca de 3 km, após os motores terem sido desligados» (Infopédia).

Pergunta:

Outro dia, lendo um texto, vi duas frases: «Minha mãe tem os cabelos longos e é muito bonita»; já a outra frase era: «Desejo muita saúde e paz.»

A minha duvida é a seguinte: na primeira frase, o advérbio muito está diante de um adjetivo feminino, mas não há concordância («minha mãe é muito bonita»), e na segunda frase ele concorda com a palavra saúde (feminina). Porque isso ocorre?

Resposta:

No primeiro caso, muito é efetivamente um advérbio — e, como tal, invariável em género e número — de intensidade (Lindley Cintra, Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 539), que funciona como determinante do adjetivo (neste caso, bonita) e que significa «surpreendentemente; excepcionalmente; extremamente; exageradamente» (Dicionário Houaiss), ex.: «muito rico; muito pobre; não parece, mas é pessoa muito forte».

Ainda segundo o Dicionário Houaiss, o advérbio muito, «antes do adjetivo, participa da construção do superlativo analítico (de intensidade), p. ex.: muito forte, que equivale ao superlativo absoluto fortíssimo» (neste caso, «muito bonita» = «bonitíssima»).

Já no segundo enunciado proposto, muito assume-se como um pronome indefinido variável (Lindley Cintra, Celso Cunha, Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 356), que antecede o substantivo, expressando quantidade e/ou qualidade indefinidas (Dicionário Houaiss, Priberam), ex.: «muito medo; muita gordura; muita sorte; constatamos sem muita surpresa que ele não viria» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

É comum ouvir ou ler que «alguma coisa é x vezes maior que outra», mas, examinando matérias que contêm expressão do gênero, sou levado a pensar que pode haver alguma incorreção em seu uso. Outro dia li que o orçamento para a saúde em 2012 (R$ 711,5 milhões) seria «duas vezes maior» que o do ano passado (R$ 377,6 milhões).

Desprezando-se a aproximação numérica (a quantia de 2012 não é exatamente o dobro da do ano passado), não se pode dizer que a expressão foi usada de forma imprópria? Pois, para que o orçamento de 2012 fosse realmente duas vezes maior, deveria ser então de R$ 1,132 bilhão (R$ 377,6 milhões mais duas vezes a mesma quantia — medida em que ele seria realmente superior ao anterior). Da mesma forma, penso que um edifício de 60 m de altura não deveria ser considerado «três vezes mais alto» que outro de 20 m, mas, sim, «duas vezes mais alto» ou «com o triplo da altura» do segundo.

Peço-lhes seu comentário e agradeço-lhes antecipadamente a atenção.

Cordiais saudações deste admirador de seu brilhante sítio.

Resposta:

A resposta para a questão apresentada pelo consulente terá por base simples operações binárias de multiplicação matemática. Vejamos os dois exemplos sugeridos:

R$ 377,6 milhões × 2 (isto é, 377,6 + 377,6) = R$ 755,2 milhões;

20 m × 3 (isto é, 20 + 20 + 20) = 60 m

Assim, «duas vezes maior» (= «duas vezes mais», «o dobro»), por exemplo, será o equivalente a somar duas vezes o valor de referência ou de partida.

Repare-se que qualquer valor que seja multiplicado apenas por 1 tem como resultado inevitável o mesmo valor de partida ou de referência:

R$ 377,6 milhões × 1 = R$ 377,6 milhões

20 m × 3 = 20 m

O próprio consulente, quando diz «R$ 377,6 milhões mais duas vezes a mesma quantia», está a assumir que é necessário somar três vezes o mesmo valor para poder atingir o resultado final de R$ 1,132 (= 377,6 + 377,6 + 377,6).

Eu percebo o raciocínio sugerido. O problema é que, na verdade, esta é uma operação matemática e não linguística.

Pergunta:

Por favor me esclareçam se a expressão «paralelamente juntos» na frase «estamos construindo paralelamente juntos neste estádio» está correta.

Pois paralelo não significa «lado a lado»?

Resposta:

Paralelamente significa «ao lado; a par» (Infopédia); «Diz-se de duas ou mais coisas que caminham a par ou progridem na mesma proporção» (Priberam).

Deste modo, e em teoria, pode aceitar-se a ideia de que é possível construir em conjunto, sem se estar lado a lado, ao mesmo tempo, na mesma proporção, sem se caminhar a par. Assim, duas pessoas, dois grupos de pessoas, ou dois grupos empresariais, podem estar juntos numa mesma construção ou projeto, mas não desenvolverem o seu trabalho, nessa construção ou nesse projeto, em simultâneo, na mesma altura, nem progredirem na mesma proporção; podem, por exemplo, trabalhar em fases ou momentos diferentes. Neste caso, poder-se-ia dizer, portanto, que trabalhavam juntos, mas não de forma paralela.

Posto isto, apesar da estranheza da frase, e ainda que não tenhamos acesso ao contexto exato do enunciado em análise, julgo que será viável aceitar a sua pertinência semântica. Como nota final, diria apenas que uma formulação do tipo «estamos construindo juntos, e paralelamente, neste estádio» fosse talvez mais compatível com o objetivo semântico aparentemente pretendido.