Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra IKEA é grave, ou aguda?

Resposta:

Antes de mais, relembramos à consulente que a colocação do acento nas palavras estrangeiras ou em aportuguesamentos é matéria volátil, como se pode verificar neste tópico sobre a acentuação de topónimos estrangeiros ou neste tópico sobre o acento de palavras de origem grega.

Por outro lado, não é determinante conhecer a pronúncia da palavra em sueco (a forma como é pronunciada por alguns falantes nativos é percepcionada por um falante de português como sendo uma palavra aguda e pode ser ouvida aqui). Muitos termos estrangeiros, sobretudo marcas de produtos, sofrem alterações ao serem integradas no léxico quotidiano dos países lusófonos (e, em cada país, as adaptações podem ou não ser iguais: por exemplo, Palmolive lê-se como se escreve, tanto no Brasil como em Portugal, mas Colgate é lido "à inglesa" em Portugal, enquanto que no Brasil se lê tal como se escreve ).

Para determinar a acentuação da palavra em português, poderemos fazer um simples processo de analogia com outras palavras semelhantes do português terminadas em a, seguindo as regras fonéticas usadas com a estrutura morfológica das palavras em português: vamos considerar que o a é um índice temático realizado foneticamente, como as vogais finais de mesa, leite ou lindo; e vamos considerar que a palavra em causa se comporta como a maioria dos nomes e adjetivos do português, cujas sílabas acentuadas incidem sobre a última vogal do radical. Assim, obtemos o "radical"...

Pergunta:

Será correto dizer:

a) «Ele come peixe bastante frequentemente»?

Ou tem de se dizer:

b) «Ele come peixe com bastante frequência»?

 

Resposta:

A sequência dos advérbios bastante e frequentemente soa agramatical1, mas os dois termos podem ocorrer na mesma frase, ainda que noutras posições e assumindo outros valores gramaticais.

Podemos dizer, por exemplo, «Ele come bastante peixe frequentemente» – o que é uma alternativa à frase b) proposta pela consulente – mas neste caso bastante deixa de ser um advérbio e passa a ser adjetivo do nome peixe, indicando tratar-se de «peixe abundante, numeroso».

Por outro lado, a sequência «bastante frequentemente» é possível numa frase como «Ele come bastante frequentemente» –, havendo a opção por colocar, ou não, uma vírgula a separar o advérbio frequentemente do resto da frase – mas aqui bastante é um pronome indefinido e refere-se a uma quantidade indefinida que o sujeito da frase consome, não se sabendo se é peixe ou não.

1 É de notar que não soa agramatical a sequência de outros advérbios, como na frase «Ele come muito frequentemente».

Pergunta:

Na frase que a seguir transcrevo, a vírgula é absolutamente necessária? Altera o sentido da frase se a omitirmos? «E a passagem da monarquia para a república não melhorou a vida da população, que se sentiu defraudada.»

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, a vírgula é necessária para separar a frase principal (oração subordinante) da frase secundária (oração subordinada relativa explicativa), de modo a clarificar o sentido enunciado.

Caso não se coloque a vírgula, poderemos ser levados a interpretar «que se sentiu defraudada» como acrescentando informação apenas sobre o antecedente, ou seja, que «a população que já se sentia defraudada (por razões anteriores não especificadas) não viu a sua vida ser melhorada pela passagem da monarquia para a república». No caso de usarmos a vírgula, a interpretação é: «a população sentiu-se defraudada porque a passagem da monarquia para a república não melhorou a sua vida», o que parece ser o sentido pretendido pela consulente.

Pergunta:

Como ontem consultei toda a grande lista de respostas com esta palavra-chave e não encontrei a palavra que satisfizesse o meu pedido, volto hoje a repetir a mesma pergunta. A pergunta é a seguinte: A palavra pastor é, ou não, da família da palavra pasto?

Resposta:

Seguindo a definição de família de palavras do Dicionário Terminológico como o «conjunto das palavras formadas por derivação ou composição a partir de um radical comum», poderemos dizer que pasto e pastor pertencem à mesma família, visto que ambas partilham o radical past.

Realce-se, contudo, que o processo de formação destas palavras ocorreu no latim. De acordo com o dicionário etimológico Nova Fronteira, de Antônio Geraldo da Cunha, a palavra pastor provém do termo latino pastor (com o mesmo significado do português atual), enquanto a etimologia da palavra pasto reside na palavra latina pastus (também com o mesmo significado). Igual distinção é apresentada no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

De acordo com o Dicionário de Latim de Dos Santos Saraiva, tanto pastus como pastor procedem do verbo pascere, o qual tinha um significado ligeiramente diferente do atual verbo pastar: na voz ativa significava «apascentar» (levar ao pasto), tendo o pastor como sujeito; na voz passiva significava «pastar», tendo o animal herbívoro como sujeito.

Pergunta:

Tenho dúvidas relativamente à palavra nuvem, se é um nome contável ou não contável. Gostaria que alguém me pudesse esclarecer.

Resposta:

Para classificarmos nuvem* como nome contável ou como não contável, vamos seguir, passo a passo, a definição de nome não contável apresentada pelo Dicionário Terminológico:

«Nomes comuns que se aplicam a conjuntos de objetos ou entidades em que não é possível distinguir partes singulares de partes plurais (1). […] Por esta razão, estes nomes não ocorrem, tipicamente, em construções de enumeração(2), nem coocorrem com alguns quantificadores (3) e determinantes (4). As construções de plural dos nomes não contáveis não designam uma oposição quantitativa (5), mas sim qualitativa (6), excepto quando se faz uma contagem relativa a contadores não explícitos (7).»

Assim:

1) Parece ser possível individualizar as partes, distinguindo o singular do plural, e dizer «Ontem, estive deitado na relva a contar nuvens no céu» ou «Olha aquela nuvem [de entre aquelas] com a forma de avião».

2) A palavra nuvem pode ocorrer em construções de enumeração, como em «Uma nuvem, duas nuvens, três nuvens…».

3) Pode coocorrer com quantificadores como todas ou poucas em «Todas as nuvens são formadas de gotículas de água condensada» ou «Poucas nuvens chegam ao deserto».

4) Pode coocorrer com determinantes como certas ou estas em «Certas nuvens parecem ser de espuma» ou «Estas nuvens são assustadoras».

5) A construção de plural pode...