Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra semi-selvagem?

Resposta:

Em primeiro lugar, lembramos que, segundo o novo acordo ortográfico, não se usa hífen na palavra apresentada pela consulente.

Quanto à dúvida apresentada, a palavra semisselvagem deriva por prefixação, uma vez que o prefixo semi- se associa à palavra selvagem. Como o termo selvagem faz parte do léxico do português, não se pode considerar que haja um caso de derivação parassintética, em que temos a agregação simultânea de prefixo e de sufixo a um radical.

Pergunta:

Já ouvi uma pessoa dizer «Esmifrei para comprar aquele vestido». Está correta a frase?

Resposta:

Se aquilo que a consulente questiona é se o verbo esmifrar faz parte do léxico português, a resposta é sim. De acordo com o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (coord. Margarida Faria da Costa), esmifrar pode significar «pagar de má vontade», «explorar o dinheiro de outrem abusivamente», «sugar dinheiro habilidosamente a alguém» ou ainda, sobretudo no norte de Portugal, «desfazer em bocadinhos, esforricar». O Portal da Língua Portuguesa adianta que esmifrar é um verbo regular que se conjuga como amar.

Quanto aos contextos de uso do verbo, nada parece opor à forma verbal esmifrei na frase apresentada pela consulente, significando que «explorei o dinheiro de alguém abusivamente» ou que «suguei dinheiro habilidosamente a alguém» para comprar o vestido.

Contudo, parece-me que é mais habitual escutar a forma esmifrei-me com o sentido de «desfiz-me em bocadinhos» — que é como quem diz «esfarrapei-me» — significando que tive de fazer grandes esforços [financeiros] para comprar o referido objeto. Neste caso, a frase deverá ser «Esmifrei-me para comprar aquele vestido».

Pergunta:

Venho tentar esclarecer uma dúvida acerca de uma palavra que faz parte de termos técnicos marítimos.

A palavra em questão vem do inglês lashing, que nos termos marítimos se traduz por «peamento».

Ao procurar por várias fontes, não consigo encontrar a palavra peamento em nenhum dicionário da língua portuguesa, encontrando ao invés, a palavra apeamento.

Gostaria de alguns esclarecimentos, qual das duas palavaras é a correcta, se possível, é claro.

Resposta:

Como refere o consulente, o termo náutico lashing significa o «uso de cordas para amarrar a carga ou outros objetos a bordo para que não se desloquem com o movimento do mar»; esta é também a definição do Dicionário Houaiss para o verbo pear. Contudo, o termo peamento como forma nominal para indicar o ato de pear parece não existir: não surge no Portal da Língua Portuguesa, não está atestado no Vocabulário da Academia Brasileira de Letras e não é também referido no Dicionário Ilustrado de Marinha, de António Marques Esparteiro.

A utilização de apeamento, ao invés de peamento, não é uma opção, pelo menos para significar «o ato de pear», visto ser a forma nominal do verbo apear, e o seu significado, derivado do verbo, é «descer de montaria ou de veículo», «pôr-se a pé».

O Dicionário de Nomes Deverbais do Portal da Língua Portuguesa indica que a forma nominal do verbo pear é peagem, o que também não oferece qualquer auxílio ao consulente, visto tratar-se de um arcaísmo atestado apenas por alguns dicionários significando uma «portagem para peões» (um sinónimo de pedágio, indica o Dicionário Houaiss).

Pergunta:

A palavra inacedível existe como contrário ao adjectivo acedível?

Resposta:

O termo inacedível não surge em nenhuma das fontes consultadas (Portal da Língua Portuguesa, Vocabulário Ortográfico da Academia Brasileira de Letras e diferentes dicionários e vocabulários de referência). Já a palavra acedível é atestada nas fontes acima referidas, como também indica Carlos Rocha nesta resposta, mas parece tratar-se de um termo utilizado, sobretudo, na área da informática como equivalente a acessible, como refere a Infopédia.

Sendo já reconhecido o uso de acedível – particularmente na área da informática, pois tem um significado mais restrito do que o adjetivo acessível, este com uma semântica muito rica (pode significar afável, alcançável, baixo, barato, compreensível, possível) –, não causa estranheza que usemos o prefixo in-, o qual tem um sentido de privação ou negação, para formarmos inacedível, em lugar de uma forma analítica como não acedível (por analogia, já temos inacessível como antónimo geral de acessível).

Pergunta:

Agradecia que confirmassem a seguinte classificação:

Em «artigo 11», 11 é um quantificador numeral cardinal;

Em «artigo 11.º», 11.º é um adjetivo numeral ordinal.

Causa-me confusão considerar 11 como um adjetivo...

Resposta:

De acordo com o Dicionário Terminológico, em «artigo 11.º» temos um adjetivo que pertence à classe tradicional dos numerais ordinais. Por sua vez, em «artigo 11», temos um quantificador numeral cardinal, visto expressar uma quantidade numérica inteira precisa. Os comportamentos na frase parecem ser idênticos – como explicitaremos mais adiante –, pelo que a classificação dos numerais ordinais como adjetivos no Dicionário Terminológico parece prender-se, acima de tudo, com o facto de serem flexionados (tal como os nomes e os adjetivos).

A classificação de 11.º como adjetivo já surgia nas denominadas gramáticas tradicionais (ou normativas) como, por exemplo, a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra. Dado que a consulente não especifica as razões da “confusão” provocada por se considerar o numeral ordinal como adjetivo, somos levados a supor que essas dificuldades terão que ver com o facto de que, como referem os autores citados, os numerais ordinais «substantivam facilmente». O exemplo de Cunha e Cintra é «Foi aí que se tornou a primeira de sua classe».

Apesar das dificuldades em estabelecer a distinção entre certos nomes e adjetivos (remeto, a este propósito, para o tópico de Inês Duarte sobre esta matéria em Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras autoras), aquilo que acontece no caso dos numerais ordinais, como aquele que é apresentado na frase de Cunha e Cintra, é uma elipse nominal. Inês Duarte, na obra acima citada, refere que os quantificadores podem surgir com elipse nominal, isolados ou combinados com outros elementos» (ver p. 360):

«Todos [os doentes] saíram, mas a...