Miguel Moiteiro Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Miguel Moiteiro Marques
Miguel Moiteiro Marques
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Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) pela Faculdade Letras da Universidade de Lisboa e mestrando em Língua e Cultura Portuguesa na mesma faculdade.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de uma definição técnica ou científica dos termos RPG e MMORPG.

Resposta:

O significado destas siglas inglesas é, provavelmente, do conhecimento do consulente: Role-Playing Game (RPG) e Massive Multiplayer Online Role-Playing Game (MMORPG). As siglas são usadas pelos falantes de língua portuguesa sem tradução ou adaptação (p. ex.: «Ela gosta daquele RPG» ou «Saiu um novo MMORPG»).

A definição dos termos está contida nas próprias siglas, existindo, depois, variações ao nível de subtipos de RPG e de MMORPG:

RPG – designa um jogo em que um ou vários jogadores assumem uma personagem com base num universo virtual fictício. O jogo pode ser de tabuleiro, de cartas, de encenação, de computador, entre outros;

MMORPG – designa um jogo em que uma grande quantidade de jogadores partilham experiências numa plataforma de rede (por agora, a Internet), sendo esse jogo um RPG. Usualmente, estes jogos pressupõem o pagamento de uma assinatura de acesso às plataformas. Exemplos deste tipo de jogo, que se tornou o mais rentável negócio da Internet, são World of Warcraft ou EVE, cada um deles reunindo quase 10 milhões de jogadores distribuídos por diferentes servidores.

Para uma definição mais técnica ou científica, há vários trabalhos académicos nos quais o consulente poderá encontrar análises de RPG e de MMORPG, entre os quais:

A economia virtual de um MMORPG

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem se o termo wiki, em português, deve ser considerado masculino, por exemplo, «o wiki», ou feminino, «a wiki».

Resposta:

A palavra wiki  é um termo recente, introduzido no meio informático em 1995 para designar uma coleção de documentos em hipertexto, criado a partir de software colaborativo, em que vários participantes podem contribuir de um modo relativamente autónomo. A palavra, que não está contemplada em nenhum recurso linguístico da língua portuguesa, provém provém do havaiano wiki-wiki, que significa «rápido, célere» (cf. Online Etymology Dictionary).

O exemplo mais conhecido deste tipo de documentos é a Wikipédia, mas o termo tem sido utilizado profusamente como um afixo para indicar uma coletânea com caráter enciclopédico de uma determinada área com a participação livre de colaboradores (ver, por exemplo, Cookbookwiki, Lingwiki, Wowwiki ou Simswikia). Inclusivamente, é possível criar uma página wiki como quem cria um blogue.

Considerando wiki como afixo para este tipo de páginas da Internet, o género em português poderá depender do termo composto (a par de uma wikipédia, já há um wikcionário, wikilivros e uma

Pergunta:

«E a passagem da monarquia para a república não melhorou a vida da população, que se sentiu defraudada.»

Na frase acima, apresentada pela consulente Maria Pereira em 10/11/2011, permito-me discordar da resposta dada pelo consultor Miguel Moiteiro Marques.

Com a vírgula, a oração «que se sentiu defraudada» poderia também ser interpretada, e muito mais, como adjetiva explicativa. Portanto, a meu ver, a melhor solução, caso se queira considerá-la oração consecutiva, seria utilizar uma das locuções conjuntivas apontadas: «de modo que», «de forma que», após a competente vírgula, é claro. Penso, aliás, que a conjunção que consecutiva seria mais bem usada em construções tais como: «Correu tanto, que se cansou»; «Seu olhar era tão incisivo, que a moça ficou encabulada»

(Fernando Bueno, Brasil).

Na frase: «E a passagem da monarquia para a república não melhorou a vida da população, que se sentiu defraudada.»

– a oração que se sentiu defraudada não é consecutiva, mas relativa.

Verifiquei hoje que o Ciber modificou o texto da resposta inicial, que estava errada. Mas, em vez de corrigir o erro, acentuou-o. Aquele que é um pronome tão relativo (!) que até é sujeito da oração.

Se não acreditam no que eu digo, perguntem a qualquer professor de latim. Nenhum pode admitir a hipótese de aquele que ser consecutivo; nenhum ali poria um ut (conjunção consecutiva). E repito, sem receio de errar: nenhum!

E nem precisarão de ir fora da equipa do Ciber! Há nela quem possa confirmar a minha análise....

Resposta:

A observação feita por Fernando Bueno e por Virgílio Dias relativamente à oração que foi classificada como consecutiva é não só pertinente, como acertada. A classificação da oração foi agora alterada, restando-me, desde já, apresentar as minhas desculpas pela insistência no erro, facto que explica a demora na retificação da resposta dada.

A frase em questão exprime um estado resultante da ação expressa na oração anterior, interpretando-se esse estado como consequência da causa referida anteriormente. Por essa razão, fui levado a classificar a oração como consecutiva, considerando que na oração «que se sentiu defraudada» estava subjacente um valor semântico idêntico a «de modo que se sentiu defraudada». Embora reconhecesse os obstáculos para tal classificação, dada a estrutura sintática da oração, considerei que haveria uma explicação (eventualmente estrutural) para o valor semântico da frase.

A linguista Ana Maria Brito, na Gramática da Língua Portuguesa, refere-se sucintamente a «orações explicativas com valor consecutivo», mas o caso em análise não se assemelha ao exemplo dado por aquela autora («Tenho uma casa [tal] que abriga muita gente»). Por outro lado, parece não se enquadrar também na noção de consecutivas de intensidade apresentada por Ana Maria Brito (Gramática da Língua Portuguesa, p. 755) para classificar «as orações iniciadas por que na dependência de palavras que exprimem a intensidade/a quantidade e que, por vezes, coincidem com as que exprimem o grau: tal, tão, tanto, tamanho». Isto é o que encontramos nas frases que Fernando Bueno apresenta – «correu tanto» e «era tão...

Pergunta:

Uma dúvida sobre mesóclise: como fazer quando há dois pronomes átonos? Por exemplo, quero dizer que nós poderíamos declarar tal fato uma calamidade. Devo dizer «poder-se-a-ia declarar», «podê-la-se-ia» talvez?

Resposta:

A proposta que o consulente apresenta não é possível, pelo que terá de reformular a frase: «poder-se-ia declará-lo calamidade» mantém o pronome clítico se do sujeito indeterminado. Outra possibilidade é «podê-lo-ia declarar calamidade», mas o consulente teria de usar outros recursos para exprimir a noção de sujeito indeterminado.

Aproveitamos para sugerir também a leitura desta resposta sobre mesóclise e a contração do complemento direto e do complemento indireto.

Pergunta:

Por favor, pergunto: Se a palavra Jeep é uma marca registrada, porque nosso dicionário registra jipe?

Parece mais uma incoerência de uma língua extremamente desordenada e que muda com o vento. Porque não dizemos Codack, ou picapi (pick-up), ou blequetai (blacktie), ou blequeaut (blackout), ou mesmo Ronda (Honda) ou Quia (Kia), Riundai (Hyundai), aiceberg (iceberg), Boeingui (Boeing) e por aí vai. Me parece lógico que marcas registradas não deveriam ser aportuguesadas e muito menos ensinado desta forma aportuguesada aos alunos. Afinal, é uma marca registrada. Que tal Kaipirhinha, paras os de língua inglesa?

Resposta:

Jipe — veículo motorizado versátil de tração às quatro rodas (Dicionário Houaiss) — faz parte do grupo de palavras com origem numa marca registada de um produto e que, por um processo metonímico, passaram a designar uma categoria de produto, independentemente de o mesmo ser produzido por outras firmas e de ostentar um nome diferente.

A entrada destas palavras no léxico varia de país para país, mas poderemos dar o exemplo de gilete para designar uma lâmina de barbear, de cotonete para haste flexível, de bic para designar uma esferográfica (já em desuso), de xerox para referir uma fotocópia (apenas no Brasil) ou de polaroide para referir uma fotografia com revelação instantânea na própria máquina fotográfica (veja o título Polaróides Urbanas, filme de Miguel Falabella).

Quando usadas para referir uma categoria de produto, as palavras são adaptadas à grafia da língua portuguesa, daí gilete (e não gillette), jipe (e não jeep) e polaroide (e não polaroid). Não há incoerência se pensarmos que estamos a designar não a marca, mas o produto. Certos produtos, cujos nomes são estrangeirismos, sofrem adaptações ainda mais profundas, como em sanduíche (sandes em Portugal) a partir de sandwich.

Como refere o consulente, a grafia das marcas (e serão Blackout e Blacktie marcas ou nomes de grupos musicais?) que o consulente apresenta está registada e não deve ser alterada, havendo leis que protegem a imagem e o nome das marcas.

Quanto às palavras sobre as quais não temos a ...