Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Há discordância entre os dicionários Aurélio e Houaiss quanto à grafia da palavra. A justificativa de Houaiss para defender a forma 'beringela' é sua origem francesa. O que acham?

Resposta:

O Houaiss apresenta a forma beringela como preferível a “berinjela”, não excluindo, no entanto, esta última, única registada no Aurélio. Nos dicionários portugueses não há controvérsia: beringela escreve-se com g. É esta também a nossa opinião, dado o facto de, segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, os primeiros registos desta palavra em português serem já com g: berengensa (séc. XIV), bringella (séc. XV), berengelas (séc. XVI).

Esse dicionário apresenta as seguintes abonações:

– “De color de berengensa”, João de Gaia, no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, composição n.º 1864 (séc. XIV);
– “Toma hũa bringella e abre a en quartos e deita lhe hũ pouco de sal e espreme a duas vezes”, Livros de Falcoaria (séc. XV);
– “Berengelas e pepinos / e cabra curada oo ar”, Gil Vicente, Auto da Lusitânia (1532).

 

N.E. O autor escreve segundo a Norma de 1945.

Pergunta:

Sobre o plural de substantivos terminados em -ão, objeto de recentes consultas, gostaria de propor uma fórmula para uso daqueles que alguma intimidade têm com a língua espanhola.

Quando a tradução da palavra portuguesa para o castelhano resultar em vocábulo terminado em -ón (canção-canción; coração-corazón; nação-nación), é quase certo que o plural seja -ões.

Nos casos em que a tradução for uma palavra terminado em -án ou –na (alemão-alemán; capitão-capitán; pão-pan), boa possibilidade haverá de que o plural do vocábulo português termine em -ães.

Finalmente, quando a terminação espanhola for -ano (cidadão-ciudadanos; cristão-cristiano; irmão-hermano; mão-mano), a palavra portuguesa terá seu plural com -ãos.

Exceções haverá (verão-verano, plural "verões", muito embora se admita "verãos"), mas suponho que a analogia com o castelhano, na forma acima proposta, funcionará como regra em mais de 99% dos casos.

Obrigado.

Resposta:

É uma boa sugestão, prezado consulente. Obrigada pelo contributo.

O castelhano e o português são línguas românicas, portanto com a mesma origem: o latim. Na evolução do latim para estas línguas, uma das marcas de distinção entre o castelhano e o português consiste precisamente na ditongação das terminações nasais das palavras em português a partir do século XV, enquanto no castelhano se mantém o n intervocálico ou as terminações -na e -on.

No período galaico-português da nossa língua (sécs. XII a XIV), podemos observar as terminações nasais em -om e -am ainda não ditongadas: “razom” (razão), “multidom” (multidão), “pam” (pão). A partir do século XV verifica-se a uniformização destas terminações no singular (no ditongo -ão), havendo no plural três ditongos (-ãos, -ães e -ões), reveladores da diferente etimologia: mãos (< manus), pães (< panes), leões (< leones). Costumamos ensinar precisamente que os diferentes ditongos no plural decorrem da etimologia.

Pergunta:

A professora da minha filha, que frequenta o 1.º ano do 1.º ciclo, comentou comigo que tinha tido dúvidas na divisão silábica da palavra 'teia'. 'eia', defendia ela, é ditongo (tritongo talvez?) e não se deveria separar. Eu teria separado, segundo os meus latos conhecimentos na matéria, intactos desde a Primária, por mais nenhum estabelecimento de ensino me ter ensinado mais nada nesse domínio e, ano após ano, do 5.º ao 9.º, me entreterem sucessivamente com as funções da linguagem... Depois veio a literatura e nada mais de gramática, cuja atenção dos programas é claramente insuficiente. Eu até tive 19 valores no 11.º ano e venho aqui pôr estas questões! Bom, a sua dúvida não tinha a ver com translineação mas com separação silábica, que são coisas diferentes; o que já aprendi (recordei?) hoje na consulta ao vosso sítio. Mas as dúvidas dobraram. Então 'ri o' separa-se, como li numa resposta vossa e 'his-tó-ria' mantém numa só sílaba 'ria'? Pareceu-me que há uma divisão tradicional e uma mais actualizada...? E 'teia', 'cheia', 'meia', 'aia', 'ia', quantas sílabas têm? Peço muita desculpa pela minha ignorância, mas não pertenço a este domínio. Muito obrigada.

Resposta:

Gostei muito de ler os seus comentários, cara consulente: oportunos e válidos.

Respondendo à sua dúvida, dir-lhe-ei que a palavra teia tem duas sílabas: tei-a.

As suas dúvidas ao consultar o Ciberdúvidas talvez tenham ocorrido porque nós respondemos segundo a Gramática Portuguesa e também, quando os consulentes são brasileiros ou pretendem resposta nessa variante do Português, segundo o que dizem os gramáticos brasileiros.

Mas, vamos às dúvidas que apresenta. Em Portugal, as palavras que refere fazem a seguinte divisão silábica: ri-o, his-tó-ri-a, tei-a, chei-a, mei-a, ai-a, i-a.

Na translineação, como não se deve deixar uma vogal sozinha no início ou no final de linha, a única dessas palavras que pode ser translineada é história (his-tó-ria).

Quanto ao conceito de sílaba, tradicionalmente, considerava-se como podendo constituir sílaba: uma vogal, um ditongo (decrescente), uma vogal precedida e/ou seguida de consoante ou grupo consonântico, um ditongo precedido de consoante ou grupo consonântico e/ou seguido de consoante.

Quanto aos ditongos, eles são constituídos por uma vogal e uma semivogal (i ou u). A semivogal é uma vogal doce que faz parte de um ditongo; é uma vogal tão pouco pronunciada que se situa entre o som de uma vogal e o de uma consoante. As semivogais são, pois, o i e o u quando fazem parte de um ditongo. Os ditongos podem ser decrescentes ou crescentes, consoante essa semivogal se situa no final ou no início do ditongo. Um ditongo é um encontro de duas vogais que se pronunciam numa só emissão de voz. São ditongos decrescentes orais os seguint...

Pergunta:

Uma vez, um professor me disse que o som do segundo "s" da palavra "subsídio" tinha o som de "ç" porque "não era um s entre duas vogais para ter o som de z". Bom, o "s" das palavras "obséquio", "transação" e "trânsito" também não está entre duas vogais e tem o som de "z" (pelo menos no Brasil). Enfim, qual é o som do segundo "s" de "subsídio"? (No Brasil, é comum ouvir a pronúncia /subzídio/)

Resposta:

A palavra subsídio pronuncia-se em Portugal com s e, segundo os dicionários brasileiros que consultei, também no Brasil.

A fixação da pronúncia das palavras é determinada por diversos factores, pelo que nem sempre há regras sem excepções. O seu professor ensinou servindo-se de uma regra geral: como o s intervocálico se pronuncia sempre /z/, este, que não está nessa posição, pronuncia-se /s/. É um raciocínio simples para uma criança que está a aprender; e assim deve ser. Mais tarde, o professor explicar-lhe-ia que, na maior parte dos casos, a pronúncia tem uma justificação de natureza etimológica e histórica e que, por vezes, nos faltam documentos que nos elucidem por completo sobre as diversas fases por que sucessivamente foram passando os sons das palavras até hoje.

No caso de subsídio, este é um exemplo de palavra começada por sub-. Em todas as palavras que tinham este prefixo já no latim ou que se formaram posteriormente, o s seguido de vogal após o prefixo tem o som de /s/, sentido como uma consoante inicial de palavra, a palavra primitiva à qual se teria juntado o prefixo sub-.

Quanto às palavras transacção e trânsito, as palavras formadas já no latim ou posteriormente com esse prefixo trans- seguido de vogal pronunciam-se hoje com /z/ (transabdominal, transalpino, transamazónico, transatlântico, transoceânico, transumância, por exemplo). O s de

Pergunta:

O substantivo esmero deve ser pronunciado como "êsméro", "êsmêro" ou "ésméro"? Suspeito que a primeira pronúncia seja a correta, porém, tenho dúvida, dúvida que me persegue já faz um bom tempo.

Quanto ao verbo esmerar, creio que os seus dois fonemas devem ter timbre fechado. Equivoco-me?

Também gostaria de ser esclarecido se as duas palavras em apreço são pronunciadas de forma diferente pelos brasileiros e pelos portugueses.

Aproveito o ensejo para desejar um feliz Natal e um próspero ano novo para toda a valorosa, sábia e prestativa equipa do nosso estimado Ciberdúvidas. Neste ano, vocês brilharam mais do que o Sol, façam o mesmo no ano porvindouro de 2.004.

Um abraço do Amigo e admirador,

Resposta:

A palavra esmero pronuncia-se com a sílaba tónica semifechada (//), quer em Portugal quer no Brasil. Quanto à sílaba inicial (es), no Brasil ela pronuncia-se também semifechada (/ês/), mas em Portugal esse e torna-se totalmente fechado, aproximando-se do i e quase não se ouvindo.

No que diz respeito à palavra esmerar, os dois e são pronunciados semifechados no Brasil (/ê/) e fechados em Portugal (quase sem som).

Agradecendo as gentis palavras que dirigiu ao Ciberdúvidas e os votos formulados, desejamos-lhe também um bom ano.