Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é, afinal, o plural de decreto-lei?

Gostava de saber o que o Ciberdúvidas recomenda para o plural de decreto-lei. Decretos-leis, decretos-lei, ou ambos, como tenho lido?

Resposta:

O plural dos substantivos compostos é matéria muito interessante, pois leva à reflexão sobre a formação da palavra, a relação que os elementos que a constituem estabelecem entre si e o contributo de cada um para o significado da palavra.

Assiste-se, hoje em dia, a uma prática de aceitação acrítica das ocorrências, havendo, inclusivamente, dicionários de renome que optaram por, em caso de alguma frequência de utilização pelos falantes comuns da língua, registar dois plurais para a mesma palavra.

Ora, não sendo esse o nosso entendimento – consideramos que quem nos consulta quer saber qual a perspectiva que consideramos dever ser seguida, e porquê  –, defendo que o plural de decreto-lei é decretos-leis.

Esta é uma daquelas palavras que suscita dúvidas, pois é formada por dois substantivos (ou nomes).

No caso de palavras compostas formadas por dois substantivos, há duas situações a referir.

1.ª Há palavras cujo primeiro substantivo se constitui como o núcleo, pois contém a essência do significado da palavra, exprimindo o segundo uma relação de fim, de semelhança ou de limitação da significação do primeiro. Nestes casos, apenas o primeiro substantivo leva a marca do plural.

Exemplos:

a) navio-escola (navio utilizado para se ensinar a arte da navegação)

    navios-escola

b) bomba-relógio (bomba cujo detonador é accionado através de um dispositivo de relógio) )

    bombas-relógio

c) governo-sombra (conjunto de dirigentes da oposição que seguem a actividade do  governo, cada um documentando-se sobre uma determinada pasta)

    governos-sombra

d) homem-rã (mergulhador; homem com um dispositivo nos pés que faz lembrar as patas das rãs) )

    homens-rã

e) filho-família (filho de família rica, de estrato social elevado, que geralmente ...

Pergunta:

Assinale a alternativa em que haja uma oração subordinada completiva nominal:

a) «O livro de que lhe falei está à venda na livraria da escola.»

b) «Alguém o convencera de que ganhara na loteria.»

c) «Paulo estava convencido de que ganhara na loteria.»

d) «Nossa esperança era que ele se salvasse.»

e) «Daremos o troféu a quem merece.»

Tenho dificuldade com complemento nominal! Nesse caso marquei a alternativa a).

Resposta:

A opção correta não é a a), mas a c), caro consulente. Vou explicar-lhe porquê.

O complemento nominal (no Brasil) é um termo por meio do qual se faz a expansão de um substantivo (ou nome) abstrato, de um adjetivo ou de um advérbio, completando-lhe o sentido. Esse complemento pode ser constituído por uma expressão nominal ou por uma oração.

Exemplos:

1. «Ela sempre revelou um grande sentido de responsabilidade.»

Nesta frase, o termo «de responsabilidade» é um complemento do nome «sentido»: é um complemento nominal.

2. «Ele sempre mostrou vontade de que chegássemos a um acordo.»

Nesta frase, a oração «de que chegássemos a um acordo» é um complemento do nome «vontade». Trata-se de uma oração, e não de uma simples expressão, pelo que tem o nome de «oração subordinada substantiva completiva nominal».

3. «Ele está convicto da inocência do réu.»

Nesta frase, o termo «da inocência do réu» é um complemento do adjetivo «convicto»: é um complemento nominal.

4. «Ele está convicto de que o seu clube vai vencer.»

Nesta frase, o termo «de que o seu clube vai vencer» é um complemento do adjetivo «convicto», mas em forma de oração. É uma oração subordinada substantiva completiva nominal.

5. «Ela faz o que quer, independentemente da nossa opinião.»

Nesta frase, o termo «da nossa opinião» é um complemento do advérbio «independentemente»: é um complemento nominal.

6. «Ela faz o que quer, independentemente do que nós lhe dizemos.»

Nesta frase, o termo «do que nós lhe dizemos» é um complemento do advérbio «independentemente». É uma oração subordinada substantiva completiva nominal.

Assim, as orações completivas nominais são aquelas que fazem a expansão não...

Pergunta:

Sempre vejo a  RTP Internacional de Portugal, leio vários jornais de Portugal. Observei que os portugueses não usam a preposição em antes dos demonstrativos estes, estas, esse, essa, isso, já bem usadas no Brasil. Será que obedece à gramática normativa usar ou não usar a preposição em + pronome?

Exemplos:

Brasil: «O candidato vai dar entrevista nesta semana.»

Portugal: «O candidato vai dar entrevista esta semana.»

Resposta:

Apenas por um mero acaso terá acontecido que nas frases que o consulente leu ou que ouviu não houvesse a contracção da preposição em com o pronome ou o determinante este.

Este, pronome ou determinante, pode ser usado sem contracção de uma preposição em muitas situações, mas também pode ser usado com a contracção da preposição «de» ou da preposição «em».

 

1 Este pode ser usado sem contracção de uma preposição na generalidade das situações, por exemplo, integrando um sujeito ou um complemento ou com uma preposição com a qual não contrai.

Exemplos:

            «Este aluno é muito trabalhador.»

            «Não sei se este processo é o mais eficaz.»

            «Comprei este estojo na papelaria da escola.»

            «O professor deu uma nota excelente a este aluno.»

            «Vi ontem um carro igualzinho a este.» 

            2.  Mas a contracção da preposição em com o

Pergunta:

Não obstante as respostas e outros textos, aqui no Ciberdúvidas, continuo a ver utilizado  na televisão, em particular  o termo encarregue, como se encarregar fosse um verbo de duplo particípio. Por exemplo: «O detetive foi encarregue de seguir o suspeito», ou «O detetive foi encarregado de seguir o suspeito»?

Resposta:

O verbo encarregar não tem particípio passado irregular. Logo: «O detetive foi encarregado de seguir o suspeito.»

O termo «encarregue»1 surge incorretamente por analogia com o particípio passado «entregue», do verbo «entregar». Ora, o verbo entregar admite dois particípios passados, um regular (entregado) e o outro irregular (entregue), este criado nos primórdios da formação da língua portuguesa, mas tal não acontece com o verbo encarregar.

E porquê? Por que razão o verbo entregar tem dois particípios passados e o verbo encarregar não tem? Porque são dois verbos diferentes, cujos particípios passados tiveram uma história de formação diferente.

O normal é os verbos terem só um particípio passado, com a terminação em -ado ou em -ido (falarfalado; vendervendido; partirpartido), mas há alguns verbos (uma minoria) que apresentam dois particípios passados, um regular (terminado em -ado ou em -ido) e um irregular, normalmente derivado diretamente do latim como cultismo (salvarsalvado, salvo; eleger elegido, eleito). No caso dos verbos com dois particípios passados, o regular é usado com o auxiliar ter ou haver (ex.: ele tem prendido os opositores), enquanto o irregular é usado na voz passiva (auxiliar ser) e com o verbo estar (ex.: os opositores foram presos, os opositores estão presos).

Há ainda a referir o facto de muitos particípios passados irregulares se compor...

 

Não obstante as respostas e outros textos, aqui no Ciberdúvidas, continuo a ver utilizado — na televisão, em particular — o termo encarregue, como se encarregar fosse um verbo de duplo particípio. Por exemplo: «O detetive foi encarregue de seguir o suspeito», ou «O detetive foi encarregado de seguir o suspeito»? João Carlos Amorim (Reformado) Lisboa Portugal 

O verbo encarregar não tem particípio passado irregular. Logo: «O detecive foi encarregado de seguir o suspeito.»