Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nos regimentos que regulam o modo de funcionamento das assembleias municipais ou de freguesia, leio: «os membros que faltarem a duas sessões seguidas ou quatro reuniões alternadas perdem o mandato.»

Qual a diferença, neste caso, entre sessão e reunião?

Obrigado.

Resposta:

A palavra sessão designa o tempo durante o qual está reunido um corpo deliberativo ou uma corporação, enquanto a palavra reunião designa apenas o acto ou efeito de reunir.

Assim, no caso das assembleias municipais e de freguesia, uma sessão é uma reunião importante, aberta aos munícipes e na qual deverão estar presentes todos os membros. A reunião é um encontro de pessoas para tratamento de assuntos específicos, fechado, em que participam apenas os convocados, sem público.

Pergunta:

Confesso que hesito sempre no uso do se não e do senão. Ainda agora, lendo uma notícia no semanário Sol (de 5 de Janeiro 2008), tropeço na seguinte frase:

«O socialismo criou-se como alternativa, se não, não tem razão de ser.»

Neste caso não devia ser senão?

Muito obrigado.

Resposta:

Na frase apresentada, devia, sim, ter sido usada uma só palavra (senão), que significa «de outro modo», «de outra forma», «de contrário», «caso contrário».

Se não, duas palavras, consiste normalmente no emprego da conjunção se seguida do advérbio de negação não. Neste caso em que o se é uma conjunção condicional que introduz uma oração na negativa, o verbo pode vir expresso ou estar subentendido.

Exemplos:

1. Com o verbo expresso: «Se não leres duas vezes o texto, não descobrirás a solução.»

«Só te acompanho se não fumares.»

2. Com o verbo subentendido:

«Ele leu dezenas de artigos, se não centenas!» Subentende-se aqui a mesma forma verbal da primeira oração («leu»).

Uma regra simples: se se tratar da segunda situação, é possível introduzir a expressão «é que» entre o se e o não: «Ele leu dezenas de artigos, se é que não leu centenas!»

Pergunta:

O que significa a expressão «e aos costumes disse nada»?

Resposta:

A expressão «e aos costumes disse nada» utiliza-se nos tribunais. As testemunhas prestam juramento legal de que vão dizer a verdade e informam o tribunal se têm algum grau de parentesco ou afinidade especial com alguma das partes envolvidas no processo ou, ainda, se têm algum litígio (judicial, por exemplo) contra uma dessas partes.

Assim, a frase completa é «Prestou o juramento legal e aos costumes disse nada», o que significa que jurou dizer a verdade e declarou ao tribunal que não tinha qualquer parentesco, afinidade especial ou conflito em relação a nenhuma das partes. Se o tiver, então isso terá de ficar registado nos autos, e já não se escreverá a expressão «disse nada», mas, por exemplo, «disse ser tio do réu».

  

N.E. – Os «costumes» – num esclarecimento suplementar de um outro nosso consultor, o advogado Miguel Faria de Bastos – são as perguntas costumeiras, feitas no início do depoimento, logo após a indicação dos dados de identificação pessoal e o juramento, sobre se o depoente é familiar, amigo ou inimigo de alguma das partes litigantes ou se tem algum interesse no litígio. A expressão abreviada «Aos costumes disse nada» é muito antiga nas actas de audiências dos tribunais portugueses.

Pergunta:

Sou de uma família do Douro Litoral, embora viva há alguns anos em Lisboa. Numa visita à minha mãe, ouvi-a usar a expressão «Outra venha que rabo tenha». Esta expressão, como outras, infundem uma grande riqueza na língua. Pessoalmente, já a tinha esquecido da minha infância. Procurei-a na Internet, mas apenas encontrei uma breve referência ao seu uso n´O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro. Gostaria de saber qual a sua origem e qual o seu sentido, ao certo. Grato desde já pela vossa atenção.

Resposta:

A expressão «Outra venha que rabo tenha» surge numa passagem do primeiro capítulo da novela O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, que não resisto a transcrever.

O protagonista, António, o Malhadinhas, pretende casar com a prima (como era costume na época), que também lhe quer bem, mas começa a desconfiar de que ela se interesse pelo abade de Britiande, «homem novo, muito bem afigurado, pregador de fama e grande batedor de montanhas, provido numa das freguesias mais rendosas da diocese», «que a vira na festa do Mártir e ficara a morrer por ela», passando a fazer montarias naquela zona e a hospedar-se em casa do pai da rapariga «com muito alarde e folgança».

Trava-se, então, o seguinte diálogo entre os dois:

«— Que mal te fez o senhor abade, primo? Então já não é senhor de estar onde lhe apeteça?

— É; mas eu também sou senhor de lhe fazer a barba à coroa, cá a meu modo, para lhe lembrar que é casado com a Igreja.

— Credo!

— Credo, digo eu. O padre é o vosso santantoninho por quem sois. Cuidas que sou cego? Mais do que uma vez te apanhei a espenujares-te diante dele, que nem parecias donzela de assento.

— Anjo custódio! Outra venha que rabo tenha... Rio-me para ele; que mal tem?

— Tem muito. Alguém acredita que o coroado vem para aqui caçar por caçar? Lebres e perdizes tem-nas a dois passos, a dar com um pau, na serra de Tarouca.

Ela fitou-me muito séria no fundo das meninas a escrutinar, e tornou:

— Vem então pelos meus bonitos olhos?»

Com este contexto, compreende-se que a frase ...

Pergunta:

Por favor, gostava que me elucidassem sobre a origem da expressão «Ora, bolas!».

Muito obrigado.

Resposta:

«Ora bolas!» é uma exclamação que designa enfado, desaprovação, desagrado, protesto. Precedida normalmente de ora (interjeição que exprime impaciência, menosprezo, espanto), bolas é uma interjeição formada a partir do substantivo bolas, que significa «indivíduo sem préstimo, sem acção», documentada na obra Volfrâmio, de Aquilino Ribeiro: «Pode muito bem ser... meu bolas (que) haja tanta riqueza, tanta que não fosses capaz de a gastar.»