Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Se compararmos a gramática tradicional com a gramática escolar é possível perceber alguma diferença em relação às definições das classes de palavras? Mais especificamente, a definição do advérbio e das conjunções? E em que critério se baseiam as definições dessas classes?

Resposta:

Não compreendi muito bem o que pretende saber.

Com o termo "gramática tradicional", sei que pretende referir-se aos estudos sistemáticos da língua realizados em fase pré-teórica. Mas, com o termo "gramática escolar", não sei a que realidade específica se quer referir. Actualmente, há compêndios de gramática que seguem diversas perspectivas linguísticas.

Nos programas escolares a nível do ensino básico e do secundário (Portugal) e do ensino fundamental e médio (Brasil), não se notam diferenças significativas em relação à gramática tradicional a nível da morfologia e da classificação, definição e indicação das propriedades das palavras.

Quanto à definição dos advérbios e das conjunções, ela assenta na sua caracterização formal e na função que desempenham em relação aos outros elementos da cadeia linguística.

Assim Francisco Torrinha (1.ª metade do século XX) ou José Nunes de Figueiredo e António Gomes Ferreira (3.º quartel do mesmo século), representantes da gramática tradicional e autores de compêndios de gramática escolar da época, apresentam definições dos advérbios e das conjunções, no essencial utilizadas em contexto escolar actual.

F.T.: Os advérbios são palavras inflexivas que afectam a acção expressa pelo verbo ou a significação dos adjectivos. Os advérbios são para o verbo o que os adjectivos são para o substantivo. Os advérbios dizem-se simples, se constam de um só vocábulo; compostos ou locuções adverbiais, se constam de mais de um vocábulo.

J.N.F. e A.G.F.: As palavras que se juntam a adjectivos e verbos para lhes modificar a significação e exprimir circunstâncias de uma acção, qualidade ou estado, chamam-se advérbios. Há ainda locuções adverbiais, isto é, expressões compostas que têm o valor de advérbios.<...

Pergunta:

A frase "Pais, isto lhes interessa" está correta?

Resposta:

São usuais as duas frases:

   a) "Pais, isto interessa-vos."
   b) "Pais, isto interessa-lhes."

Na primeira, ao vocativo "pais" corresponde a forma de tratamento "vós": "a vós, isto interessa" = "isto interessa-vos". É a forma considerada mais elegante, visto tratar os pais com o respeito de um "vós".

Na segunda, ao vocativo "pais" corresponde a forma de tratamento "vocês": "a vocês isto interessa" = "isto interessa-lhes".

A utilização de uma ou outra frase depende do contexto e dos hábitos de tratamento.

Pergunta:

Referindo-me à resposta de Maria Regina Rocha datada de 30/4/01, apresento o seguinte exemplo:

"Vejo a imagem de Marina embaçada".

A mim, me parece ser um caso de predicativo do objeto direto ("Vejo embaçada a imagem de Marina"). A imagem não está, realmente, "embaçada", mas é apenas minha percepção que a faz assim. É diferente de se dizer "Vejo a imagem embaçada de Marina". Entretanto, o verbo "ver" não está na lista de verbos que admitem predicativo do objeto mencionada pela competente consultora. Como se explica?

Obrigado.

Resposta:

Tem toda a razão, caro consulente. Na frase que apresenta, também considero que "embaçada" se trata do predicativo do complemento directo.

O verbo "ver" não consta, efectivamente, da lista que eu apresentara na resposta que refere, mas, na acepção que lhe deu, não crê que ele possa ser sinónimo de "considerar"? Esclareço, no entanto, que essa lista pretendia ser exemplificativa e não exaustiva. Talvez eu não me tenha explicado bem.

Há verbos que normalmente exigem o predicativo do complemento directo para completar o seu sentido: apelidar, cognominar, considerar (como), denominar, eleger, nomear, proclamar, reputar, sagrar, aceitar por, dar por, ter por, haver por, tomar por.

Ex.: Cognominaram D. Afonso Henriques o Conquistador.

Eles têm-no por pessoa entendida na matéria.

Outros verbos há que pedem esse complemento apenas em determinados contextos e com certos significados: achar, aclamar, chamar, constituir, coroar, crer, declarar, descrever, encontrar, estimar, fazer, instituir, julgar (por, como), jurar, pintar, representar, supor, tornar, ungir.

Ex.: Achei uma moeda no passeio. / Achei o filme interessante.

Declarei todos os rendimentos que tinha. / Declaro-vos marido e mulher.

As listas que faço continuam a não ser exaustivas, porque, como se está a ver, por vezes, um verbo pode assumir uma significação que permita ou exija um predicativo do complemento directo.

Agradeço as suas amáveis palavras.

Pergunta:

Pode haver um termo na oração que reja dois complementos nominais?

Na frase "A invasão da França pela Alemanha foi um evento importante na Segunda Guerra Mundial", há dois complementos nominais regidos pelo termo "invasão"?

Obrigado.

Resposta:

Pode haver, sim, dois complementos nominais de um só substantivo adjectivo ou advérbio. Ex.: "A dedicação da Júlia ao trabalho é admirável." O substantivo "dedicação" tem como complementos nominais "da Júlia" e "ao trabalho".

O complemento nominal integra, limita ou completa o sentido de um termo e liga-se-lhe por preposição.

No caso que apresenta, o substantivo "invasão" tem como complementos nominais "da França" e "pela Alemanha".

Pergunta:

Qual a forma de ensinar, para alunos de segundo grau, o que é "maior de grande" dentro da poesia? É se a frase "..eu nasci há dez mil anos atrás..".

Resposta:

Não compreendi a sua pergunta. Certamente faltam palavras ou expressões.

Pensando que pretende perguntar como deve ensinar a hipérbole a alunos muito jovens, sugiro-lhe o seguinte:

1) Apresentar vários exemplos de hipérboles e perguntar aos alunos se é possível a existência, na realidade, da situação apresentada nessas expressões.
Ex.: "Nasci há dez mil anos atrás."
"Ela chorou tanto que as suas lágrimas formaram um rio."
2) Depois de os alunos verificarem que tal não é possível, que se trata de um exagero, reflectir com eles sobre o que é que se pretendia em cada frase, com esse exagero.
3) Dizer então o nome da figura de estilo (hipérbole), dar uma definição e propor a identificação da mesma figura noutras frases.
4) Finalmente, pedir aos alunos a invenção de expressões em que esteja presente a hipérbole, e explicação da sua utilização.