Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na resposta a um consulente sobre a palavra proxémia, apontou-se o significado geral de proxémica.
A razão de só se encontrar referências ao significado do primeiro termo no âmbito da sociologia deve-se provavelmente ao facto de o mesmo ter a sua origem nesse ramo particular das ciências humanas.
Embora tenha sido recentemente adoptada por outras áreas profissionais (como a arquitectura) para designar: em geral o problema da espacialidade enquanto fenómeno cultural e, em particular, o conjunto de necessidades espaciais que decorrem da especificidade cultural da pessoa humana, proxémia encontra o seu significado moderno em Edward T. Hall, que aliás escreveu obra bem conhecida sobre o assunto. (V. Hall, E.T.; "The hidden dimension", Londres, 1969. Pub. em português com o título "A Dimensão Oculta".)
Hall reflecte sobre a continuidade do conceito de espacialidade que une em si noções tão diversas como espaço cultural, espaço auditivo, visual, etc. De modo simplista, é a esse conjunto de fenómenos que Hall chama proxémia.

Resposta:

Muito obrigada, caro consulente, pelo seu esclarecedor contributo.

Pergunta:

Gostaria de saber o que é um clítico: se é diferente de enclítico e de proclítico e quais são, normalmente, as funções de cada um. E, se possível, exemplos de clíticos e a explicação da sua função sintática em Português.
Obrigada pela ajuda. O vosso 'site' tem-me ajudado a esclarecer dúvidas que não aparecem nem nas gramáticas nem noutros manuais.

Resposta:

1. Clítico designa a palavra que depende fonologicamente de outra. Utiliza-se para classificar os pronomes átonos, pois estão ligados a formas verbais. Ex.: me, te, se, lhe, nos, vos, lhes, o, a, os, as.
2. Proclítico, mesoclítico e encenc são termos que se referem à posição em que um pronome se encontra em relação à forma verbal.
a) Assim, se o pronome estiver antes do verbo, diz-se que está em posição proclítica.
Ex.: Não me digas isso! ("me" antes de "digas")
Queria que o acompanhasses. ("o" antes de "acompanhasses")
O que ele te deu é assim tão importante? ("te" antes de "deu")
b) Se o pronome estiver no meio da forma verbal, diz-se que está em posição mesoclítica.
Ex.: Amanhã, comprar-lhe-ei o brinquedo. ("lhe" no meio de "comprarei")
Nós encontrar-nos-emos no aeroporto. ("nos" no meio de "encontraremos")
Este jantar agradar-lhes-á, vais ver... ("lhes" no meio de "agradará")
c) Se o pronome estiver após a forma verbal, diz-se que está em posição enclítica.
Ex.: Eu vejo-vos todos os dias. ("vos" após "vejo")
Tu encontraste-o no jardim? ("o" após "encontraste")
Ela foi-se embora. ("se" após "foi")
3. Os pronomes átonos não variam de função consoante a posição. Eles desempenham a função de complemento directo ou indirecto. Vou indicar as funções mais frequentes.
a) Me, te, se, nos, vos tanto podem desempenhar a função de complemento directo como de indirecto, dependendo da forma como a oração está construída, dos elementos que a compõem.
Ex.: Ele vê-te todos os dias. (compl. directo)
Ele deu-te uma flor? (compl. indirecto)
Ela convocou-nos para a reunião. (...

Pergunta:

Gostaria de saber tudo sobre agente da passiva, pois vou apresentar um seminário sobre o tema. Me diz o que é agente da passiva? Dê exemplos etc... Obrigada.

Resposta:

O agente da passiva é o complemento que, quando a oração está na voz passiva, designa o ser que pratica a acção sofrida pelo sujeito. Designa o ser que "age" = "agente".

   Esse complemento é sempre introduzido por uma preposição, a preposição "por" (na maior parte das vezes) ou a preposição "de" (raramente). Quando a estas preposições se segue um artigo ou um determinante, pode ser necessária a aglutinação: pelo (por + o), pela (por + a), pelos (por + os), pelas (por + as), do, da, dos , das, dum, duma , duns, dumas, deste, desta, destes, destas.

   Ex.: Este livro foi comprado por mim.

   Por causa da sua inteligência, o Abel é admirado pelos colegas.

   O almoço de domingo será feito pelo pai.

   Isto é ignorado de todos.

   Para se compreender bem a função deste "agente", deste elemento que só aparece na voz passiva (é um agente da passiva), apresento-lhe algumas frases na voz activa e respectiva passagem para a voz passiva.

   Voz activa e voz passiva são duas formas diferentes de exprimir a mesma realidade.

   a) A Mariana estuda a lição. = A lição é estudada pela Mariana.
   b) Ambos comeram febras com batatas fritas. = Febras com batatas fritas foram comidas por ambos.
   c) O Paulo e o Alfredo compraram os livros. = Os livros foram comprados pelo Paulo e pelo Alfredo.
   d) Todos escutavam o professor. = O professor...

Pergunta:

Encontrei num livro que a palavra impedimento é formada por prefixação e sufixação. Como isso pode ser correto se pedimento não existe?

Resposta:

A palavra "impedimento" é proveniente da latina impedimentu-. Não foi uma palavra formada na língua portuguesa.

Em latim, também havia processos de formação de palavras por prefixação e sufixação.

Essa palavra latina impedimentum é formada a partir do verbo impedio (que significava entravar, impedir de andar, embaraçar, prender, estorvar), verbo este formado a partir da palavra pes, pedis (pé), à qual se acrescentou o prefixo in- (negação) cuja última letra sofre alteração para -m por causa da consoante p. De impedio, por meio do sufixo mentum (meio, instrumento), se forma, então impedimentum, com o significado de dificuldade, embaraço, impedimento, entrave, obstáculo. O significado inicial de negar o andamento dos pés perdeu-se, subsistindo a ideia geral de dificuldade, entrave, estorvo e, em certos contextos, até, de impossibilidade.

Pergunta:

Os verbos "empalidecera" e "envergonhava" são formados por parassíntese?
   Se a resposta for positiva, pergunto:
   A parassíntese não é a união simultânea de prefixo e sufixo? Esses verbos não possuem sufixo. Como pode ser?

Resposta:

A parassíntese é, como disse, e muito bem, um dos processos de formação de palavras por derivação com a utilização simultânea de prefixo e sufixo.

As palavras que apresenta são formas verbais. Para analisarmos o seu processo de formação, deveremos observar o infinitivo de cada verbo:

   1. empalidecer = em- + pálido + -ecer. À palavra pálido acrescentou-se o prefixo em-, com o significado de interioridade, mudança de estado, e o sufixo verbal -ecer (proveniente de -escere), que indica começo de acção ou entrada num estado.
   2. envergonhar = en- + vergonha + -ar. À palavra vergonha acrescentou-se o prefixo en-, com o significado de interioridade, mudança de estado, e o sufixo verbal -ar, com o qual se formam os verbos denominativos (verbos que se formam com a junção de características verbais a temas nominais).

Refiro ainda que as formas que apresentou têm desinências, ou seja, elementos reveladores da flexão verbal: a desinência -ra (do pretérito mais-que-perfeito do indicativo) e a desinência -va (do pretérito imperfeito do indicativo). As desinências não têm que ver com a formação da palavra, mas, sim, com a sua flexão.