Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber o significado correcto de "Docente", ou seja, para se poder considerar docente é necessário estar no activo, isto é, estar a exercer determinada profissão de modo efectivo ou se basta apenas ter formação académica e inclusive já ter dado aulas?

O que pretendo é simplesmente fazer a destrinça da forma como se deve fazer esta interpretação.

Agradeço a vossa atenção e colaboração.

Resposta:

A palavra docente provém do latim docente-, significando "que ensina".

Trata-se de um adjectivo substantivado que provém de uma forma verbal latina, o particípio do presente.

Etimologicamente, essa palavra designa, pois, alguém que, no momento, está a desempenhar a profissão de professor, está a ensinar.

No entanto, não podemos dizer que é apenas este "o significado correcto de docente". É que docente é sinónimo de professor. E, neste sentido, se não deve ser considerado docente aquele que apenas tem formação académica sem nunca ter ensinado, permanece, no entanto, docente aquele que ensinou durante algum tempo e deixou de exercer ou se reformou.

Finalmente, refiro que o significado de um vocábulo é definido não só pela relação com as outras palavras que o acompanham no enunciado como pelo contexto situacional.

Pergunta:

Mal ou bem, costumo utilizar o verbo "baiar" como sinónimo de delimitar, definir fronteira. Chamaram-me a atenção para o facto de, nos principais dicionários, o termo estar registado como sinónimo de "bailar", com origem no brasileiro.

Agradecia o favor de me esclarecerem sobre esta questão.

Resposta:

Efectivamente, nos dicionários só aparece registado o vocábulo "baiar" com o significado de "bailar", "dançar". É termo brasileiro pouco usado. Não encontrei qualquer registo dessa formação do verbo a partir do substantivo "baia" (compartimento ou espaço ao qual se recolhe o animal nas cavalariças e estábulos, boxe; área demarcada para estacionamento de autocarros e embarque e desembarque de passageiros).

Pergunta:

Gostaria de saber qual a melhor forma de nos referirmos a uma instituição cujo nome oficial começa por "A" sempre que, numa frase, seja necessário anteceder o nome da contracção "à".
Vejamos algumas variantes possíveis:
1. "O IAPMEI atribuiu à A Reguladora uma classificação de…"
2. "O IAPMEI atribuiu à Reguladora uma classificação de…"
3. "O IAPMEI atribuiu À Reguladora uma classificação de…"
4. "O IAPMEI atribuiu a A Reguladora uma classificação de…"
Em discurso oral usamos geralmente a segunda hipótese. No entanto, por escrito, tanto a segunda como a terceira parecem constituir uma "ingerência" no nome da instituição.
Tendo em conta o tom "monolítico" deste "A", que parece contrariar qualquer tentativa de contracção, talvez a hipótese 4 seja a mais correcta, mas…
Obrigado.

Resposta:

O nome de uma instituição ou o título de uma obra, quando incorporam o artigo, constituem um conjunto vocabular que deve ser mantido inalterado.

Assim, conquanto oralmente se faça a combinação fonética entre uma preposição que aglutine o artigo (a + A = à; a + Os = aos), na realização gráfica essa contracção não deve existir.

Das frases que apresenta, deverá ser então utilizada apenas a quarta.

Outros exemplos: "refiro-me a A Relíquia, de Eça de Queirós"; "as personagens d' A Relíquia..." ou "de A Relíquia"; "ao passar os olhos pel' A Relíquia..." ou "por A Relíquia"; "Vemos n' A Relíquia que..." ou "em A Relíquia".

Esta norma vem expressa na base XXXV do Acordo Ortográfico de 1945, que é o que está vigor.

Como vê, caro consulente, a sua análise estava perfeitamente correcta.

Pergunta:

Às interessantes considerações sobre o tema em epígrafe, tratado por Ciberdúvidas em 11/5, gostaria de acrescentar que no começo do século XX o carnaval carioca não era habitualmente referido como "carnaval", e sim como "entrudo". Era, esse entrudo, uma manifestação muito estigmatizada por seu vandalismo. Não havia tanta música, não havia tanta dança.

Assemelhava-se a um campo de batalha, e seus participantes mais exaltados jogavam-se água, algumas vezes urina, e até... fezes. Não é por outra razão que o então Prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, aboliu o entrudo e reprimiu seus adeptos com força policial.

Confesso nunca ter ouvido falar da expressão «enfezar o carnaval». Não obstante, ouso especular que o vandalismo praticado nos tempos do entrudo – particularmente quando de fezes se trata – alguma relação poderá guardar com o verbo enfezar, no contexto específico.

Resposta:

Muito obrigada pelo seu pertinente e interessante contributo. Aqui em Portugal, também era usado o termo Entrudo.

Carnaval, Entrudo e o Gordo são termos que aparecem como sinónimos em autores do século XIX. Entrudo provém do latim introitu- (acto de entrar, entrada, acesso, introdução, começo). Na festa do Entrudo associavam-se a gula à ira e à luxúria. Os dias de Carnaval também são chamados de dias gordos, dias de carne, por oposição aos dias magros ou de peixe. Domingo gordo é o domingo da carne, o domingo da quinquagésima.

Na obra O Presbitério da MontanhaAntónio Feliciano de Castilho faz esta descrição do Carnaval português:

«O Carnaval é, como ainda nós por aqui o conhecemos nos seus dias áureos, tríduo de folia desatada, guerra porfiada e bem rida de todos contra cada um, e de cada um contra todos.

São as pulhas, as peças, os esguichos, os pós, a laranja ...que derruba o chapéu, de que o bom Filinto com tanta saudade se lembrava lá em Paris, o rabo-leva de tripas entufadas, a mão de ferrugem da chaminé com azeite pelos focinhos, as estopas apegadas às costas e incendidas, o vinho com sal, as filhós com trapos, e todos os mais adminículos, que no ritual clássico se contêm.»

As referências que o consulente faz aos desmandos do Entrudo parecem em consonância com esta descrição.

A informação aqui referida teve como fonte o

Pergunta:

"A tia Benedita fez um pudim de maracujá que é de tentar um santo".
   Alice Vieira, Caderno de Agosto.
   Que recurso estilístico foi aqui utilizado pela autora?

Resposta:

Podemos considerar aqui a existência de dois recursos estilísticos:
   a) uma personificação, pois o sujeito de "tentar" (acto praticado por pessoas ou pelo diabo) é algo inanimado, "um pudim de maracujá";
   b) uma hipérbole, na afirmação de que o pudim é tão bom que até faria um santo incorrer no pecado da gula.