Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Trabalho na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul com redação oficial, emitindo as resoluções de um Conselho, e tenho usado o seguinte cabeçalho "O Conselho de Centro do Centro de Ciências Exatas ..., resolve:"

   Gostaria de saber se existe pleonasmo na frase "O Conselho de Centro do Centro de Ciências Exatas....", pois surgiram algumas dúvidas a respeito. Sei que o pleonasmo é a repetição de uma idéia que já está contida em termo anterior e traz informações desnecessárias, reduntantes.

   Porém, neste caso, além de ser regimental, pois temos aqui vários Conselhos (que são os órgãos deliberativos) de vários Centros (que são os órgãos de administração setorial) conforme nosso Estatuto, o fato de constar apenas "Conselho de Centro" não se entende a que Centro estamos nos referindo. E então? Existe o pleonasmo ou não? Ficarei imensamente grata em ser atendida.

Resposta:

Se bem entendi, esse cabeçalho tem duas partes, uma respeitante a um tipo de conselho, o "Conselho de Centro", e outra respeitante a uma entidade ou departamento, o "Centro de Ciências Exatas" (grafia do Brasil).

Se existem nessa Universidade conselhos com várias denominações ("de Centro" e outras) e se a omissão da palavra "Centro" poderá levar a confusão porque o "Centro de Ciências Exatas" tem outro ou outros conselhos além do de centro, então deverá utilizar o cabeçalho como o apresentou.

O pleonasmo consiste, como bem referiu, numa repetição, numa redundância. No entanto, segundo a explicação que deu, fiquei com a noção de que a palavra "Centro" respeitante a "Centro de Ciências..." teria um significado diferente do da palavra "Centro" de "Conselho de Centro". Assim, não há pleonasmo.

Pergunta:

Li com interesse a pergunta de um consulente sobre o porquê de uma pessoa erudita dizer "a igreja onde é que estamos", etc.
Este é um fenómeno com que eu própria deparei há mais de 20 anos, quando tinha muitos amigos/amigas transmontanos. Sem falha, todos diziam "onde é que" quando não se tratava de uma interrogação. Nunca ouvi falantes de outras regiões de Portugal usar esta "expressão". Será de facto um regionalismo?
Obrigada.

Resposta:

A intervenção desta consulente foi muito pertinente. Efectivamente, a utilização de "é que" em frases afirmativas como as referidas é um regionalismo que se ouve em Trás-os-Montes.

Pergunta:

O que é vilancete?

Sei que foi um tipo de poesia lírica, mas gostaria de receber mais detalhes.

Resposta:

Em Portugal, o termo vilancete aparece pela primeira vez no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende (1516). Designa uma forma poético-musical composta por um mote curto (dois ou três versos) e uma ou mais coplas (estrofes) de sete versos. A métrica utilizada era a redondilha, maior (7 sílabas métricas) ou menor (5 sílabas métricas).

De início, o mote do vilancete era tirado de uma canção popular vilã, e daí a designação de vilancete que, referindo-se inicialmente ao mote, pouco depois passou a designar todo o poema.

Transcrevo um dos vilancetes mais conhecidos do Cancioneiro Geral:

   Meu bem, sem vos ver,
   se vivo um dia,
   viver não queria.

   Calando e sofrendo
   meu mal sem medida,
   mil mortes na vida
   sinto, não vos vendo.
   E pois que, vivendo,
   morro toda via,
   viver não queria.

         Conde de Vimioso (II, 318)

   Poderá encontrar informação mais desenvolvida no Dicionário de Literatura, de Jacinto do Prado Coelho, ou outro congénere.

Pergunta:

Tenho dúvidas sobre se se escreve sempre "bem-sucedido" com hífen ou não.

Caso nem sempre se escreva, agradecia que me indicassem alguns exemplos de frases onde tal acontece.

Resposta:

Tem dúvidas totalmente justificáveis.

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva (1949-1958) já regista como vulgarizadas as expressões "bem ou mal sucedido", "ser bem ou mal sucedido" (sem hífen).

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, da Sociedade de Língua Portuguesa (ed. de 1989), não regista o termo hifenizado.

O dicionário Novo Aurélio Século XXI e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (ambos de 1999) registam o termo, hifenizado e como adjectivo.

Já o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa (2001), apresenta as duas grafias: "bem-sucedido", adjectivo com o significado de "que tem êxito, sucesso", e a expressão "ser bem sucedido", com o significado de "ter sorte", "cumprir os resultados pretendidos", "levar as coisas a bom termo". Poder-se-á concluir que, segundo este dicionário, em função atributiva, o termo ganha unidade, aparecendo hifenizado, não acontecendo tal quando está em função predicativa? Não sei qual o critério seguido, se é que houve critério.

Na base XXIX, ponto 12.º, do Acordo Ortográfico de 1945 (em vigor), refere-se que se emprega o hífen em palavras compostas formadas com o radical "bem", «quando o segundo elemento começa por vogal ou h, ou então quando começa por consoante, mas está em perfeita evidência de sentido». E, entre outros exemplos, surgem: bem-criado, bem-fadado.

Assim, visto a expressão «está em perfeita evidência de sentido» possibilitar qualquer opção, em minha opinião, a consulente deverá optar por uma das grafias.

Pergunta:

A pergunta talvez cause estranheza, mas teve sua origem na distância existente entre o conceito que as gramáticas apresentam para 'verbos irregulares' e a prática da sala de aula e de vários livros didáticos. Nem todos os verbos irregulares são, a exemplo do verbo reaver, defectivos. E quanto aos defectivos, são irregulares?

Se o são, por que as gramáticas e dicionários (Celso Cunha, Bechara, Matoso Câmara, etc.) não citam a ausência de formas como uma das possíveis características dos verbos irregulares, mas apenas a alteração do radical e a variação na flexão em relação ao modelo?

Se não são irregulares, a ausência ou inexistência de formas (e não pensemos aqui nos unipessoais e nos impessoais), em razão da falta de registro ou de uso (por questão de eufonia), já não constitui por si só um outro tipo de irregularidade?

Obrigada.

Resposta:

Verbos defectivos são aqueles a que faltam formas flexionais.

Verbos irregulares são, como disse, e muito bem, aqueles que têm alteração do radical ou variação nas desinências em relação ao modelo.

São, pois, dois termos que têm o seu significado específico nesta área (convencional, como é normal).

Ora, há verbos defectivos que são regulares, porque na sua flexão não têm alteração do radical e flexionam consoante o modelo (ex.: nevar, chover, banir), e há-os irregulares (ex.: haver, na acepção de "existir", convir). Por outro lado, há verbos irregulares que têm todas as formas e há aqueles a que faltam formas (defectivos).

Assim, parece-me ajustada a distinção feita nas gramáticas.