Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se é correto o nome do doce arroz-de-leite ( plural arrozes-de-leite), sinônimo de arroz-doce. Minha mulher insiste que está errado.

Esta grafia consta no dicionário Aurélio enquanto a que ela diz ser a correta, arroz com leite, não consta. Por favor esclareça-nos. Muito obrigado.

Ernesto Netto

Resposta:

É correcto, sim, designar o arroz-doce por arroz-de-leite. Este termo já aparece registado no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, 10.ª edição, de 1949-1958, com o significado de "o mesmo que arroz-doce", tendo este a seguinte acepção: "arroz cozido com açúcar, leite, canela, casca de limão, etc.".

Também está registado no dicionário Novo Aurélio Século XXI (1999).

Pergunta:

Na frase "Ele saiu cedo e portanto não teve tempo de ouvir a notícia.", como devemos analisar sintaticamente a segunda oração: aditiva ou alternativa?

E a palavra "portanto" pode/deve vir entre vírgulas?

Resposta:

Esta pergunta pode ter duas respostas, consoante a perspectiva gramatical que queira seguir.

Em Portugal, na perspectiva da gramática tradicional e na de Celso Cunha e Lindley Cintra (Moderna Gramática do Português Contemporâneo), a segunda oração é coordenada conclusiva, pois, embora com a ajuda da conjunção coordenativa copulativa "e", o emprego simultâneo da conjunção coordenativa conclusiva "portanto" e o valor semântico da segunda oração (conclusão e consequência da primeira) levam a essa classificação.

No Brasil, segundo a orientação da 37.ª edição (1999) da Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, esta oração deverá ser classificada de aditiva (em Portugal, copulativa), introduzida pela conjunção coordenativa "e", que, neste caso, tem o valor de adição.

Seria coordenada alternativa (em Portugal, designamos de disjuntiva), se o seu sentido excluísse o da primeira oração, ou aparecesse como segunda hipótese, segunda situação (em alternativa), como nestes exemplos: "Ficas, ou vens comigo?", "Ela ora cantava, ora dançava".

A palavra "portanto" deve vir, obrigatoriamente, entre vírgulas, pois, quer numa perspectiva, quer noutra, essa conjunção coordenativa conclusiva, que alguns gramáticos consideram com um valor adverbial e não de conector, acrescenta uma informação diferente, e fundamental, à simples adição.

Pergunta:

Após ter pesquisado as inúmeras respostas que foram fornecidas pelo Ciberdúvidas sobre o uso de pronomes oblíquos, venho colocar uma pergunta que me parece não ter sido ainda abordada. Trata-se da possibilidade de combinar dois pronomes, como nos seguintes exemplos:

(1)
a) deu-mo
b) ofereceu-no-lo
Podemos combinar pronomes de complemento indirecto com pronomes de complemento directo (cf. exemplos (1)), e podemos ainda combinar pronomes reflexos com pronomes de complemento indirecto, conforme ilustram os exemplos em (2).

(2)
a) A Joana apresentou-se-lhe como aluna.
b) Ele queixou-se-me.
É sobre a ocorrência de pronomes reflexos com outros pronomes que gostaria de colocar as seguintes perguntas:
1 - Sendo possível associar o pronome reflexo da terceira pessoa a outros pronomes, tal como em (2), será também possível combinar os pronomes reflexos das primeiras ou segundas pessoas (singular ou plural) nos mesmos contextos? Nos exemplos em (3-5), tentei criar frases em que 'me', 'te' e 'nos' são pronomes reflexos, e gostaria de saber se essas frases podem ser todas produzidas ou se algumas serão mais aceitáveis do que outras.

(3)
a) Eu apresentei-me-lhe como aluna.
b) Eu queixei-me-lhe

(4)
a) Tu apresentas-te-lhe como aluna.
b) Tu queixas-te-lhe sempre que o vês.

(5)
a) Nós apresentamo-nos-lhe como alunas.
b) Nós queixamo-nos-lhe sempre que o vemos. (= Nós queixamo-nos a ele)

2 - Haverá alguma explicação para a maior frequência de exemplos com o pronome 'se'?
Fico-vos grata pelo esclarecimento.

Resposta:

Quanto à primeira questão que apresenta, direi que não é aceitável nenhum dos exemplos (3) a (5). A combinação do pronome reflexo (me, te, se, nos, vos, se) com o pronome pessoal forma de complemento indirecto (me, te, lhe, nos, vos, lhes) só é admissível no caso da 3.ª pessoa (se). Quanto às demais pessoas do pronome reflexo (me, te, nos e vos), elas só se combinam com a forma tónica do pronome pessoal, forma de complemento indirecto, regido pela preposição "a": a mim, a ti, a ele, a ela, a nós, a vós, a eles, a elas. Esta é uma característica do português moderno.

Quanto à segunda pergunta, a explicação que vejo é apenas a de, na generalidade da escrita, usarmos a 3.ª pessoa, muito mais do que a 1.ª ou a 2.ª. Falamos e escrevemos normalmente referindo-nos a situações, a factos, a informações. A função referencial da linguagem domina, de longe, as outras.

Pergunta:

Será que se pode confundir bulk com junk email?
Ambos tratam de envio de lixo, ou não?
Obrigada.

 

Resposta:

Lá que se pode confundir, pode, mas não são bem o mesmo. "Bulk email" é correio indiferenciado no que diz respeito à sua própria natureza e ao destinatário, enquanto que "junk email" é mesmo lixo. O primeiro termo é mais genérico: nesse "bulk email", embora não seja personalizado, pode haver algo que interesse e não seja lixo.

Pergunta:

Quais são os erros mais comuns de ortografia?

Resposta:

Não conheço nenhum estudo a partir do qual se possa afirmar com rigor quais os erros mais comuns de ortografia.

No entanto, poderei dizer-lhe que os erros de ortografia decorrem normalmente da tentativa de fazer corresponder o que se ouve e se diz ao que se escreve. Como o mesmo fonema pode ter várias realizações gráficas, e os falantes da língua muitas vezes não conhecem a etimologia, não sabem bem que palavra estão a utilizar (se é um verbo, um substantivo, uma contracção de preposição com artigo, etc.), não sabem a flexão das palavras, ou seja, não dominam o essencial da gramática da língua, não estão habituados a ver a palavra escrita e não consultam um dicionário quando têm dúvidas, os erros acontecem.

Destes erros de ortografia, poderei assinalar os decorrentes da confusão no emprego de:
a) s, ss, ç ou c;
b) s ou z;
c) z ou x;
d) x ou ch;
e) g ou j;
f) h;
g) e ou i;
h) o ou u;
i) ão e am (terminações verbais);
j) as consoantes não articuladas "c" e "p": cc, cç, ct, pc, pç, pt;
k) o hífen;
l) palavras e expressões homófonas: conserto e concerto; nós e noz; senão e se não; há, forma do verbo haver, e à, contracção da preposição com o artigo, etc.