Maria João Matos - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Maria João Matos
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Maria João Matos, professora de Português do ensino secundário, licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Queria perguntar quais são os conectores de discurso mais utilizados no discurso político? Quais as características e estrutura do discurso político? Estas perguntas relacionam-se com o programa escolar de 11.º ano – Português.

Resposta:

O discurso político é um texto argumentativo e, como tal, apresenta a estrutura e características desta tipologia textual. O texto pode ser estruturado da seguinte forma:

Introdução: Contém a tese inicial — o ponto de vista ao qual o autor do texto quer fazer aderir o leitor —, que deve ser formulada de forma clara e objectiva.

Desenvolvimento ou corpo da argumentação: Apresenta os argumentos, que se destinam a apoiar ou a refutar a tese inicial. Pode ser organizada em parágrafos, de tal forma, que cada um deles contenha uma ideia inicial. Os argumentos devem manter entre si uma ordem e uma coerência que permitam seguir com clareza o desenvolvimento do raciocínio do argumentador.

Conclusão: Retoma a tese que se procurou provar com a exposição de argumentos.

Os argumentos a apresentar podem ser de vária ordem:

Argumentos naturais — também chamados argumentos de autoridade, incluem, entre outros, os textos das leis e as opiniões emitidas por pessoas de prestígio e entendidas na matéria sobre a qual versa o argumento;

Verdades ou princípios universais — aceites, como tal, por todos;

Exemplos — apresentação de uma situação semelhante àquela de que se está a falar.

O uso adequado dos conectores permite marcar com clareza o desenvolvimento do raciocínio e dar coesão ao texto. Conforme a relação de ideias que se pretende estabelecer, eles podem ser de:

Adição: Não só… mas também;

Pergunta:

Como deve dizer-se: «nada há a opor», ou «nada a opor»?

Resposta:

A expressão corrente é «nada a opor», que é uma frase elíptica, ou seja, uma frase na qual o verbo está omisso. Subentende-se, ao usá-la, a expressão completa, «nada há a opor» ou «nada tenho a opor».

Pergunta:

Li em vários jornais portugueses a notícia com o seguinte título: «Chama Olímpica: Dalai-lama pede para que não passe pelo Tibete.» «Pedir para que» é correcto? Eu diria que as hipóteses são «pedir que» ou «pedir para», mas não «pedir para que».

Obrigada pelo esclarecimento!

Resposta:

Tem razão, essa construção, que resulta do cruzamento das outras duas, não está correcta.

Importa salientar que a construção «pedir que» é preferível a «pedir para», uma vez que quem pede — pede algo, logo, a sintaxe do verbo pedir exige um complemento directo, que, numa frase complexa, é a oração iniciada por que.

 

Logo: «Ele pediu que a chama não passasse no Tibete», equivalente a «Ele pediu algo» ou «Ele pediu isso».

Pergunta:

A palavra tomara usa-se como interjeição e é equivalente a oxalá, quem me dera. Como se classifica gramaticalmente?

Por outro lado, ao usarmos a estrutura tomara que (expressão de desejo), obriga-nos ao conjuntivo. Pode usar-se «Tomara que seja verdade» e «Tomara que fosse verdade», «Tomara que tivesse sido verdade» dependendo do sentido? Deve usar-se um ponto de exclamação, após este uso? Se sim, podemos classificá-la como interjeição ou locução interjectiva?

Resposta:

A expressão «Tomara!», usada com sentido equivalente a «Oxalá!», é um brasileirismo e está classificada, na nomenclatura brasileira, como uma interjeição que exprime desejo (cf. Dicionário Houaiss).

Em Portugal, a expressão equivalente é «Tomara eu!», locução interjectiva, dado ser constituída por mais do que uma palavra.

As outras frases que apresenta estão correctas e têm uma função interjectiva — que lhes é dada pelo verbo tomar — mas, pela sua estrutura de frase complexa, não cabem em nenhuma das classificações anteriores.

Uma locução equivale a uma interjeição, mas é constituída por duas ou mais palavras; é um «conjunto de palavras que equivalem a um só vocábulo, por terem significado conjunto próprio e função gramatical única» (in Dicionário Houaiss). Exemplos: «ora, bolas!» «raios te partam!» «valha-me Deus». 

Ora, tratando-se de frases complexas, tais condições já não se verificam, pois há duas frases distintas com sentido diferente, em que a primeira — «Tomara» — é subordinante da segunda (oração iniciada por que).

Em suma, a palavra tomara — forma do verbo tomar, na 1.ª pessoa do singular do pretérito mais-que-perfeito do indicativo — pode ser uma interjeição ou locução interjectiva ou pode ter uma função interjectiva mas fugir a essa classificação, dado integrar uma estrutura complexa e nela desempenhar uma função sintáctica.

De qualquer forma, pela sua função interjectiva, justifica-se o uso do ponto de exclamação, à semelhança do que acontece com as interjeições.

«…os documentos que encontram-se em anexo a esta acta»

«Alguém pode-se lembrar…»

«Junto enviamos-lhe o seu cartão…»

«Nada mais exprime-se…»

Começa a ser cada vez mais comum ouvir construções deste tipo, quer na oralidade quer na escrita. Os exemplos não acabam.