José Neves Henriques (1916-2008) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
José Neves Henriques (1916-2008)
José Neves Henriques (1916-2008)
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Professor de Português. Consultor e membro do Conselho Consultivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Antigo professor do Colégio Militar, de Lisboa; foi membro do Conselho Científico e diretor do boletim da Sociedade da Língua Portuguesa; licenciado, com tese, em Filologia Clássica pela Universidade de Coimbra; foi autor de várias obras de referência (alguns deles em parceria com a sua colega e amiga Cristina de Mello), tais como Gramática de hojeA Regra, a Língua e a Norma A Regra, Comunicação e Língua PortuguesaMinha Terra e Minha Gente e A Língua e a Norma, entre outrosFaleceu no dia 4 de março de 2008.

CfMorreu consultor do Ciberdúvidas

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço a interessante resposta dada, mas volto a insistir: embora menos perto da nossa língua, a forma Amsterdão parece-me ser mais feliz pelo seguinte motivo: certas formas aportuguesadas não se impõem sobretudo devido ao seu afastamento do original, que as torna aos olhos de quem lê pouco sensatas: Oxónia, Mompilher, Malinas, etc. No caso vertente, todas as línguas europeias usam «Amsterd...», até porque o nome holandês deriva do nome do rio (Amstel), ao qual, que eu saiba, ninguém quer chamar «Amestel».
Pergunto: para que efeito é necessário aquele «e»? Será para ler A-mes-ter-dão? Além disso, a resposta do Ciberdúvidas dá-me um argumento adicional: os brasileiros dizem Amsterdã, i.e., também dispensaram a bengala do «e» mudo. Concluindo, uma rima:
Que ames terdão ou ames não,
Abusar do mudo não é são.

Resposta:

A extensão desta resposta obriga-me a dividi-la em duas partes.

1 - Apresentaram-se como vernáculas ambas as grafias, Amsterdão e Amesterdão, porque estão dentro da ortografia vigente, que data de 1945.

2 - Não se preferiu nenhuma delas; apenas se afirmou que Amesterdão está mais de acordo com a nossa língua.

Vejamos porquê:

a) Na formação das nossas palavras, geralmente aparecem os fonemas consonânticos em alternância com os fonemas vocálicos: papel, lâmina, amigo, amigável.

b) Vulgarmente aparecem duas vogais juntas, fazendo uma unidade, funcionando como uma só vogal. É o caso dos ditongos: deleitar, autorizar, fugir.

c) Vulgarmente, aparecem duas consoantes unidas, constituindo uma unidade, e funcionando, por isso, como se fosse uma só consoante: pobre, prefazer, tribunal.

É claro que isto não é norma. Nem coisa que se pareça, mas é o mais vulgar.
Vejamos que nem todas as línguas se mostram assim. Vejamos, por exemplo, esta palavra da língua alemã: durchspringen, verbo que significa saltar por, passar saltando.

Note-se que em palavras como também, não há a consoante m, porque na primeira sílaba temos a vogal nasal ã, embora esteja escrita am; e na última, temos o ditongo ãe, embora nos apareça escrito

Pergunta:

Julgo que o nome próprio «Analívia» tem acentuação esdrúxula. Correcto?

Resposta:

Este nome próprio não se encontra nos dicionários onomásticos por nós consultados. Por isso, não podemos responder com segurança absoluta.

Parece-nos composto de Ana+Lívia, tal como Analídia de Ana+Lídia.

Se o nome em questão se pronuncia /A-na-lí-vi-a/, como parece, é claro que tem de ser acentuado na sílaba vi.

Pergunta:

«Benvindo» e «bem-vindo».

Resposta:

Já tínhamos respondido a esta questão (in Respostas Anteriores), ficando ainda por acrescentar o seguinte:

Nos compostos, o elemento bem é seguido de hífen nos seguintes casos:

1 - Quando o segundo elemento começa por vogal:

a) Substantivos: bem-aventurança, bem-estar.

b) Adjectivos: bem-afortunado, bem-aventurado, bem-educado.

c) Verbos: bem-aventurar.

2 - Quando o segundo elemento começa por h:

a) Substantivos: bem-haja.

b) Adjectivos: bem-humorado.

3 - Quando o segundo elemento começa por consoante, mas está em perfeita evidência de sentido:

a) Adjectivos: bem-vindo, bem-criado, bem-ditoso, bem-posto, bem-querente.

b) Verbos: bem-fazer, bem-merecer, bem-querer.

4 - Quando não há evidência de sentido do segundo elemento, os dois aglutinam-se. Por isso, em vez de m escreve-se n, como se compreende, excepto antes de p ou b: benfazejo, benquerença, Bemposta (localidade).

Cf. Bem-vindo ou bem vindo? Boas-vindas ou boas vindas?

Pergunta:

A pronúncia do Brasil, /seqüestrar/, vulgarizada pelas telenovelas, já assentou arraiais em Portugal? Ou devo continuar a dizer /sequestrar/ (com u mudo)?

Resposta:

Não podemos dizer que a pronúncia brasileira /se-ques-trar/ já assentou arraiais em Portugal. É necessário que passem muitos anos para se verificar isso. Sirva de exemplo o francês "chauffeur", aportuguesado até em chôfer (ortografia da época); esteve entre nós dezenas e dezenas de anos e não se chegou a radicar. Não assentou arraiais definitivamente. E houve razões para isso. O mesmo pode acontecer com o brasileiro /seqüestrar/. Além de não haver mal nesta pronúncia, porque reflecte a latina, contribuiria para a unificar a pronúncia dos dois países.

Pergunta:

É pertinente estabelecer uma diferença entre «Apesar de o pai dela querer ir à praia, foram à piscina» e «Apesar do nevão, foram passear»?

Resposta:

1. Escreve-se apesar do, da, das, dos, quando a preposição de está ligada ao artigo pelo sentido:

a) Ela gosta do marido, apesar dos defeitos dele.

b) Foi a casa dela a pé apesar da enorme distância.

2. Escreve-se de o, de a , de os, de as, quando a preposição de não está ligada pelo sentido ao artigo, mas a uma forma verbal infinita que venha à frente:

c) O facto de o meu amigo ser boa pessoa não quer dizer que…

d) O facto de as casas serem de tijolo torna-as de mais fácil construção.

Na frase c), a preposição de liga-se a ser (ser boa pessoa) e não a o (o meu amigo). Caso semelhante é o da frase d).

3. Este caso de sintaxe não se dá apenas com a expressão o facto de, mas com muitas outras. E não se dá apenas com de + artigo, mas também com de + pronome ou + determinantecomeçados por vogal:

e) Apesar de este director gostar de trabalhar…

f) Segundo a opinião deste director, as coisas não são assim.

g) Antes de algumas pessoas se terem retirado

h) Dalgumas pessoas que aqui estão nada tenho que dizer.