F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010) - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
F. V. Peixoto da Fonseca (1922-2010)
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Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca (Lisboa, 1922 – Lisboa, 2010) Dicionarista, foi colaborador da Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e da atualização do Dicionário de Morais, membro do Comité International Permanent des Linguistes e da Secção de História e Estudos Luso-Árabes da Sociedade de Geografia de Lisboa, sócio de Honra da Sociedade da Língua Portuguesa e da Academia Brasileira de Filologia. Antigo decano dos professores do Colégio Militar, era licenciado, com tese, em Filologia Românica, distinguido com a Ordre des Palmes Académiques. Autor de várias obras de referência sobre a língua portuguesa, entre as quais O Português entre as Línguas do Mundo, Noções de História da Língua Portuguesa, Glossário etimológico sobre o português arcaico, Cantigas de Escárnio e Maldizer dos Trovadores Galego-Portugueses, O Português Fundamental e O Ensino das Línguas pelos Métodos Audiovisuais e o Problema do Português Fundamental. Outros trabalhos: aqui.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O estado de semiconsciência entre o estado de vigília e o sono é denominado de estado hipnagógico, termo que encontrei bem documentado. Na língua inglesa, um psiquiatra/autor usa também o substantivo hypnagogy, com o mesmo sentido de «estado hipnagógico», mas, como não encontrei o equivalente directo mais provável ("hipnagogia") nos dicionários de que disponho, venho consultar-vos em relação ao uso desta palavra. Encontrei no dicionário Aurélio os termos hipnagoge e hipnagogismo, mas são descritos no sentido da indução do sono e não no sentido do estado hipnagógico em si.

Agradeço desde já uma resposta.

Resposta:

Em português europeu e no brasileiro, o vocábulo hipnagógico está registado, pelo que se justifica plenamente também o uso de hipnagogia ou de hipnagogismo.

Pergunta:

Como se pronunciam os verbos impugnar e designar nas situações abaixo?

«Ele impugna os cálculos.» ("Impugna", ou "impúgna"?)

«Peça para que ele designe uma data.» ("Designe", ou "desígne"?)

Qual a regra?

Resposta:

Impugna e designa (ou designe), com acento tónico no u e no i respectivamente, e sempre sem acento gráfico. É assim que estes verbos se conjugam, e não há qualquer regra particular ou especial.

Pergunta:

Gostava imenso de saber qual é a frequência de uso dos verbos aborrecer, enfadar, apoquentar, enfastiar e amofinar no português europeu. São verbos muito usados nos últimos 40 anos? Os portugueses preferem usar outros verbos que tenham os mesmos significados? Interessam-me mais exemplos de uso de um falante culto, estudioso da língua, basados na própria experência do que outros de grandes dicionários e enciclopédias.

Nunca poderão imaginar o tamanho da minha satisfação em receber a vossa resposta.

Muito obrigado.

Resposta:

Amofinar usa-se menos que os restantes verbos apontados, seguindo-se enfadar e enfastiar. Depois vem apoquentar e, por último, aborrecer, que é o mais empregado. Enfastiar é o que se adopta mais para alimentos, e com estes nunca aparecem apoquentar ou amofinar.

Pergunta:

Sou aluno de Anatomia na Faculdade de Medicina do Porto.

A nomenclatura anatómica faz uso muito frequentemente dos termos anterior, posterior, superior, inferior, medial e lateral. Acontece que, para fins descritivos, é também comum combinar os termos anteriores em pares para formar uma só palavra. Eu gostaria que me confirmassem a correcção linguística dos seguintes vocábulos: "ântero-inferior", "ântero-superior", "ânteroposterior", "ânteromedial", "ânterolateral", "póstero-inferior", "pósteromedial", "pósterolateral", "póstero-superior", "ínferomedial", "ínferolateral", "súperomedial", "súperolateral", "láteromedial"...

Em que situações aplicar o hífen? Em que situações o podemos descartar? Qual a acentuação que deve ser usada nestas palavras? Será possível combinar três palavras, como em "póstero-ínferomedial"?

Obrigado.

Resposta:

Com ântero-, elemento de formação de palavras, de origem grega, usa-se hífen quando se liga a elementos morfologicamente individualizados, como ântero-superior e os restantes que apresenta. Também com póstero-, ínfero- e látero- sucede o mesmo, sempre com o acento agudo nestes elementos, que são de origem latina e não grega. Compostos como o último citado são de evitar, não só porque ficariam dois hífenes no mesmo vocábulo, mas também porque repugnam à nossa língua termos muito longos, ao contrário, por exemplo, do que sucede em alemão.

Pergunta:

Estou fazendo uma investigação sobre uma palavra genovesa. Desejaria saber qual é a origem da expressão portuguesa «má sombra» e em que data se atesta pela primeira vez. Também se existe a expressão «boa sombra».

Agradeço-lhe muito.

Resposta:

De má sombra quer dizer «mal-encarado», «taciturno».1 Boa sombra não se diz (ou não há), e compreende-se, dado que a sombra é sempre escura, opõe-se às ideias de luz ou de luminosidade.

 

1 N.E.: No Corpus do Português, encontra-se uma ocorrência da locução má sombra, proveniente de da A Queda dum Anjo, obra de Camilo Castelo Branco publicada em 1866. Os dicionários consultados não esclarecem a origem desta expressão nem se a sua primeira atestação é anterior ao séc. XIX.