Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num jornal diário apareceu a seguinte frase: «Mineiros sul-africanos prometem greve generalizada.»

Sempre tive ideia de que a palavra promessa está associada a coisas boas e ao contrário deveria ser ameaça. É muito comum aqui que as pessoas digam, por exemplo. «O João prometeu porrada a Alberto.» Isto faz-me muita confusão e gostava de saber qual o termo apropriado.

Resposta:

Está correto o uso do verbo prometer nas duas frases, porque um dos seus valores/sentidos é, precisamente, «dar sinais de bom ou mau futuro, de boa ou má produção», o que implica a possibilidade de previsão de situações positivas ou negativas.

Repare-se que esse verbo é usado para designar «predizer, anunciar, asseverar, certificar», o que está associado a «oferecer probabilidades ou esperanças de», a «obrigar-se a fazer ou a dar», assim como a «fazer prometimento ou promessa».

Ora, se analisarmos os valores de prometer e de ameaçar, apercebemo-nos de que um e outro verbo implicam algo que se prevê, que se pretende fazer, entrando no domínio do previsível. É certo que ameaçar e ameaça transportam a ideia negativa de «prenúncio de mal», de «advertência», do que sobressai a imagem de «intimidar» ou «amedrontar», denunciando as marcas de agressividade de um discurso que pretende ser violento.

No entanto, os dois verbos têm em comum o valor de «anunciar um facto iminente». Ameaçar não deixa dúvidas de que pretende evidenciar a imagem de perigo iminente, ao passo que prometer pode indiciar algo agradável como desagradável. Se fizermos a análise da 1.ª frase — «Mineiros sul-africanos prometem greve generalizada» —, verificamos que o ato de greve pode ser encarado como algo positivo (associado à coragem pela decisão de reivindicação, à união dos trabalhadores em defesa de uma causa comum) ou negativo (como ato de rebelião, de subversão contra a ordem instituída).

Fontes: Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004 e 2010; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe uma regra diferente para a divisão silábica das palavras perspicácia, nostalgia e abstinência.

Tendo em vista que, em perspicácia, a última sílaba formada é cia e não se separa, certo?

Já em nostalgia e abstinência o ia deve ser separado.

Corrija-me se eu estiver errada.

Obrigada.

Resposta:

Relativamente à divisão silábica das últimas sílabas, as três palavras seguem a mesma regra, pois separam-se as duas vogais consecutivas [ci-a e gi-a] por não pertencerem a um ditongo decrescente (cf. a gramática tradicional e a Base XX do Acordo Ortográfico de 1990). Trata-se, portanto, de casos de hiato, em que se separam as vogais, por pertencerem a núcleos de sílabas diferentes.

Assim, perspicácia e abstinência têm 5 sílabas, e nostalgia, quatro sílabas (cf. Dicionário da divisão silábica, do Portal da Língua Portuguesa), nomes/substantivos cuja divisão se faz do seguinte modo:

perspicáciapers-pi--ci-a

abstinênciaabs-ti-nên-ci-a

nostalgianos-tal-gi-a

 

Nota: No entanto, em caso de translineação (ou mudança de linha), as duas últimas vogais de cada uma das palavras não se devem separar (apesar ...

Pergunta:

«Tão... quanto», ou «tão... como»?

«Ele tinha um sorriso tão amarelo quanto o dum [indivíduo] que nunca lava os dentes», ou

«Ele tinha um sorriso tão amarelo como o dum [indivíduo] que nunca lava os dentes»?

As duas construções «quanto»/«como» são equivalentes?

Resposta:

«Tão... como» e «tão... quanto» são estruturas sinónimas usadas na formação do comparativo de igualdade, em que se antepõe «o advérbio tão e se pospõe a conjunção1 como ou quanto ao adjetivo» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 257), tal como se pode verificar pelos exemplos apresentados:

«Carlos é tão jovem como Álvaro.»

«José é tão nervoso quanto desatento.»

Portanto, são corretas as duas formas para a mesma frase:

«Ele tinha um sorriso tão amarelo como/quanto o dum [indivíduo] que nunca lava os dentes.»

Nota: Importa lembrar que, nas construções comparativas prototípicas, tão e tanto(a/os/as) são os primeiros termos de comparação utilizados, em português, para o comparativo de igualdade: «a forma tão surge com adjetivos e advérbios, como atestado em a) e b), tanto co-ocorre com nomes e com verbos, como mostram c) e d)» (cf. Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 733; manteve-se a ortografia do original)2:

a) «O Pedro é tão alto como o pai.»

b) «A raposa corre tão depressa como o galgo.»

c) «Não tenho tantos dicionários como gostaria de ter.»

d) «A raposa corre tanto c...

Pergunta:

Qual é a abreviatura correta da palavra analista?

Resposta:

Só encontrámos o registo das abreviaturas/reduções da palavra análiseanál. (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009) — e das expressões análise(s) clínica(s) — anál. clín. — e análise matemáticaanál. mat. (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009).

No entanto, tal como já foi aqui dito, e apesar de não haver uma abreviatura consagrada para analista, cumpre-nos assinalar que qualquer palavra pode ser abreviada. Basta, para isso, seguir-se as regras das abreviaturas. Assim — e tendo como referência uma resposta sobre o tema —, é frequente usar-se as primeiras letras da palavra abreviada (exemplo = ex.; professor = Prof.), assim como as últimas letras, em expoente (ex.: professora = Prof.ª ou prof.ª).

Na sequência do que tem sido indicado, aconselha-se o uso do ponto1 nas abreviaturas e, quando há letras em expoente, coloca-se o ponto imediatamente antes dessas letras. Portanto, poder-se-á propor a forma anal.ª como uma abreviatura possível para analista, usando-se a última letra da palavra [analista] em expoente [anal.ª], de modo a tornar mais evidente a diferença da abreviatura em relação a análise.

Pergunta:

«Ele percebe tudo de futebol», ou «Ele percebe tudo sobre futebol»?

«Ele percebe tudo e mais alguma coisa de/sobre futebol.»

Devo usar de, ou sobre?

Muito obrigado.

Resposta:

«Ele percebe tudo de futebol» é a forma correta.

Com o sentido de «saber», o Dicionário Gramatical dos Verbos Portugueses (dir. de Malaca Casteleiro), da Texto Editores (2007), regista unicamente a preposição de como regência do verbo perceber, quer como transitivo direto e indireto quer como transitivo indireto, como se pode verificar pelos seguintes exemplos:

«Ninguém percebia alguma coisa de canalização.»

«Os médicos têm de perceber de anatomia.»

Nota: No entanto, não se usa preposição sempre que o verbo perceber (transitivo direto) tenha o valor de «percecionar», «ouvir», «compreender» e/ou «decifrar o sentido», tal como se pode observar através das frases comprovativas apresentadas pela obra citada:

«O cão consegue perceber sons que as pessoas não conseguem.»

«Ninguém percebia nada do que dizia.»

«Os alunos não percebem esta matéria.»

«O empregado perceberá rapidamente o funcionamento da máquina.»

«Os alunos estrangeiros tiveram dificuldade em perceber o texto.»