Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Diz-se «no Bombarral», «na Lourinhã», «no Fundão». É igualmente correcto dizer «em Bombarral», «em Lourinhã», «em Fundão»?

Resposta:

Tudo depende da especificidade do topónimo (nome da localidade). Se o nome próprio da cidade/vila/aldeia coincidir com um nome comum (por exemplo: Porto – nome próprio de uma cidade – e porto – nome comum), assume o determinante/artigo definido do nome comum («o Porto» e «o porto»), o que implica a ocorrência do determinante/artigo definido em expressões com as preposições de, em e a [nas contrações do (= de + o), no (= em + o) e ao (a + o)].

Aliás, esta é uma das situações mencionadas por Cunha e Cintra no tratamento dos casos de emprego do artigo definido com os nomes próprios, em que especificam que entre o «grande número de nomes próprios que exigem obrigatoriamente o acompanhamento do artigo definido1» se encontra o «de ser o nome próprio originariamente um substantivo comum, construído com o artigo» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2003, p. 225), assinalando como exemplos: a Guarda, o Porto, o Cairo (árabe El-Kahira = a vitoriosa), o Havre (Le Havre = o porto).

Por isso se diz «O Porto é uma grande cidade», «Ele trabalha no Porto», «A mensagem vem do Porto», «Eu vou ao Porto», ao passo que, relativamente a nomes de outras cidades como Lisboa, C...

Pergunta:

Gostaria de saber o significado de alguns provérbios:

1. «O amor não envelhece, morre criança»;

2. «O amor é um passarinho que não aceita gaiola»;

3. «Onde manda o amor, não há outro senhor.»

Resposta:

O primeiro provérbio – «O amor não envelhece, morre criança» – está intimamente relacionado com um outro – «o amor é eterno enquanto dura» –, significando que o sentimento do amor tem particularidades de tal forma fora do comum, que subverte a ordem lógica das realidades humanas, mantendo-se vivo (e mantendo vivos os que o experimentam) com a chama da euforia, do entusiasmo, da entrega total e incondicional, estados próprios de fases da vida dominados pelo sonho, pela ilusão, pela inocência, pela esperança. Por isso, não suporta os males de uma relação sem a força do entusiasmo, não suportando o desgaste da intensidade com que foi vivido, razão pela qual acaba, morre, mal a chama arrefece.

Por sua vez,  o segundo – «O amor é um passarinho que não aceita gaiola» – e o terceiro – «Onde manda o amor, não há outro senhor» – provérbios representam a mesma realidade deste sentimento: a incapacidade de se submeter a regras, a incompatibilidade com outros poderes, pois o amor subverte de tal modo o estabelecido pelas normas sociais, que não suporta nem sobrevive com convenções, uma outra forma de prisão, de perda de liberdade do ser que viva em sociedade.

Pergunta:

A expressão correta é «cor-de-carne», ou «cor-de-pele»? Ou estarão as duas certas?

Resposta:

Não encontrámos registo de «cor de pele» na grande maioria dos dicionários de referência1, o que não se passa com «cor de carne», que está atestada no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2010) para designar «cor bege rosada», assim como no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2010), no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, e no Vocabulário Ortográfico da Priberam.

No entanto, e apesar de não figurar nos restantes vocabulários ortográficos (Vocabulário Ortográfico do Português, da responsabilidade do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras), «cor de pele» está contemplada no Vocabulário Ortográfico da Priberam.

De qualquer modo, parece-nos que «cor de carne» e «cor de pele» não são sinónimos, pois não representam, exatamente, a mesma cor, o mesmo tom. Repare-se que «cor de carne» designa «cor bege rosada», ao passo que há muitos tons de pele (morena, clara, pálida, dourada...). Por isso, se se quiser verbalizar/designar a cor de um determinado tom de pele, não é, decerto, ilegítimo o uso de «cor de pele» (desde que haja referência, no discurso, a al...

Pergunta:

Como se classificam as orações introduzidas por contudo/todavia/porém, palavras que agora são advérbios conectivos?

Resposta:

De facto, não se colocava esse problema com a gramática tradicional, que classificava contudo, todavia, porém, no entanto e entretanto, a par de mas, como conjunções coordenativas adversativas (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002 , p. 576), a partir do argumento de «que ligam dois termos ou duas orações de igual função, acrescentando-lhes, porém, uma ideia de contraste» (idem).

Portanto, porque se partia do pressuposto de que as frases ligadas por coordenação (do mesmo modo da subordinação) eram orações, a presença de mas, porém, todavia, contudo, no entanto e entretanto numa frase correspondia à classificação de oração coordenada adversativa.

A questão começou a levantar-se com a aplicação da nova terminologia linguística, que é prevista pelo Dicionário Terminológico (DT), em que os conceitos de frase simples e de frase complexa estão intimamente ligados aos critérios de coordenação e de subordinação, distinguindo a coordenação por ocorrer em parataxe (ou seja, com frases independentes, que não dependem sintaticamente umas das outras, mas ao mesmo nível sintático) do processso de subordinação, em hipotaxe (em que as frases dependem uma das outras).

Para além disso, houve alterações na classificação dentro da classe de ...

Pergunta:

Como se classificam quanto ao processo de formação (de acordo com a anterior terminologia linguística) as palavras minissaia, girassol, madrepérola, passatempo, pontapé e malmequer? Pontapé e girassol estão sujeitas a um único acento, contrariamente às restantes?

Resposta:

Na terminologia da gramática tradicional, todas as palavras apresentadas pela consulente eram classificadas como compostas por justaposição, precisamente porque cada um dos elementos das palavra está justaposto, conservando cada qual a sua integridade (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 106), o que significa que não sofreram a perda do respetivo acento tónico nem da sua integridade silábica. Repare-se que podemos separar cada um dos elementos como palavras completas:

Minissaia = mini + saia

Girassol = gira + sol

Madrepérola = madre + pérola

Passatempo = passa + tempo

Pontapé = ponta +

Malmequer = mal + me + quer

Distintas destas, as palavras compostas por aglutinação são aquelas que perderam parte da sua estrutura interna, tendo perdido assim «a ideia de composição, caso em que se subordinam a um único acento tónico e sofrem perda da integridade silábica» (...