Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se nos períodos abaixo deve haver vírgula após as palavras enfim e portanto e qual a justificativa para o uso ou não da vírgula nesses contextos.

1) «Faz também parte da descrição a sensibilidade "interna" do universo do observador: alegria, tristeza, amor, ira, enfim estados emocionais.»

2) «Precisamos utilizar uma linguagem denotativa, portanto referencial.»

Grata pela atenção.

 

Resposta:

Eu colocaria vírgula nos dois casos. Para explicar esse uso, recorro às palavras de Evanildo Bechara. Ele diz, na Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2001, página 642, que a vírgula se utiliza «para separar partículas e expressões de explicação, correção, continuação, conclusão, concessão». Deste modo, reescrevem-se as frases, com vírgula depois de enfim e portanto:

1) «Faz também parte da descrição a sensibilidade "interna" do universo do observador: alegria, tristeza, amor, ira, enfim, estados emocionais.»

2) «Precisamos utilizar uma linguagem denotativa, portanto, referencial.»

No exemplo 1, creio que estamos perante um sentido de conclusão, ou síntese, constituindo-se a expressão «estados emocionais» como síntese global e integradora das emoções anteriormente enunciadas. No exemplo 2, estamos perante uma ideia de conclusão, ou de explicação, em que o termo «referencial» constitui, de certa forma, um equivalente de «denotativa».

Edite Prada

Pergunta:

Substantivo próprio tem ou precisa de um determinante?

 

Resposta:

Com os substantivos, ou nomes, próprios o determinante mais usual é o artigo definido. A sua utilização, porém, nem sempre obedece a uma regra única e generalizada. Acresce ainda o facto de, eventualmente, haver, aqui e ali, diferenças entre o uso do artigo em Portugal e no Brasil.
Referir-me-ei a alguns aspectos do uso do artigo com os nomes de pessoas e com os nomes geográficos.

Nomes de pessoas:

Usa-se o artigo, veiculando uma ideia de proximidade ou de efectividade, como em: «Viste o João?». Com personagens consagradas não se utiliza artigo: «Este livro é de Machado de Assis».

Nomes geográficos:

Usa-se artigo com nomes de países, regiões, continentes, montanhas, vulcões, desertos, constelações, rios, desertos, constelações, lagos, oceanos, mares e grupos de ilhas. No entanto, há muitos países que se usam sem artigo: Angola, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor, etc. Outros há, que aceitam as duas situações, como Espanha e França. No Brasil alguns estados não levam artigo: Alagoas, Mato Grosso, Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Pernambuco e Sergipe<...

Pergunta:

Com as palavras luta e lutar, sabemos que em luta ocorre derivação regressiva e, por indicar ação, é uma palavra derivada; assim, lutar é primitiva.

No entanto, em «Ele luta», luta é verbo. Em «A luta foi boa», luta é substantivo. Pergunto: ocorre, então, a derivação imprópria?

Pode ocorrer dois processos com a mesma palavra?

Grato.

Resposta:

A forma a partir da qual se caracteriza a derivação regressiva (aquela em que a partir de um verbo se obtém um nome, ou substantivo, como no exemplo que apresenta) é o infinitivo. Por isso parece-me um pouco forçada a existência de derivação imprópria (a palavra muda de classe sem alterar a sua forma — por exemplo, verbo-substantivo, como em «comer bem» vs. «o comer está bom»).

Consideraria, pois, apenas um processo: a derivação regressiva.

Pergunta:

Ao contrário do que se afirma no Ciberdúvidas, Fernando Pessoa considerava a forma «eu mesmo» mais correcta do que «eu próprio». Afirma isso na célebre carta a Adolfo Casaes Monteiro, onde diz que Álvaro de Campos escreve português com alguns lapsos e aponta expressamente este. Mesmo que ambos possam, hoje em dia, ser correctos, com que bases Fernando Pessoa, um cultor da língua portuguesa, afirmava tal?

Antecipadamente agradecido.

Resposta:

O facto de a nossa língua ser uma entidade viva, em mudança constante, pode, por si só, justificar a diferença de posição entre a resposta que está no Ciberdúvidas, e que data de 1998, e a posição adoptada por Fernando Pessoa, que, sem negar que usa ambas, reconhece uma delas mais adequada do que a outra, na carta que cita e que foi escrita em 13 de Janeiro de 1935. Os sessenta anos que separam as duas posições poderão explicar a imposição gradual de uma expressão, em convívio com outra que a grande maioria dos falantes já considera, efecivamente, equivalente.

Quanto às razões que levaram Fernando Pessoa a tomar a posição que tomou, considerando a expressão «eu mesmo» mais adequada do que «eu próprio», poderei apenas dizer que Fernando Pessoa apresenta, em muitos dos seus textos, um português arcaizante, como acontece, por exemplo, na peça O Marinheiro. Aliás, se consultarmos a carta que o poeta escreve a Adolfo Casaes Monteiro, onde, creio, se procura respeitar a grafia original, veremos que existe uma grande diferença entre a forma como ele escrevia e a forma como hoje o fazemos. Refiro como exemplo as palavras “immediato” e “prompto”. Terá sido essa sua veia arcaizante a ditar-lhe a predilecção por «eu mesmo»? Através de uma pesquisa no Corpus do Português, é possível verificar que «eu mesmo» aparece em textos do século XIV, enquanto «eu próprio» aparece apenas em textos do século XVII. No entanto, seria preciso conhecer profundamente a difusão das duas expressões no tempo de Fernando Pessoa para se poder assumir, claramente, uma como arcaizante em relação à outra. Fica-nos o registo do poeta assinalando a distinção que, pelo menos ele, fazia.

Pergunta:

Apesar de leccionar na área de Língua Portuguesa, não me vejo, neste momento, obrigada a utilizar e/ou conhecer ao pormenor a nova terminologia linguística, que tantas dúvidas tem suscitado. Neste sentido, e porque me deparei com uma questão que exigia o conhecimento mais aprofundado destas alterações, gostaria que me elucidassem sobre o termo adequado a usar: se «tipos de texto», se «protótipos textuais». Aproveito ainda para questionar em que altura os docentes do básico e do secundário terão de se submeter inteiramente a esta nova terminologia.

Resposta:

Na base de dados que acompanhou a primeira versão de nova terminologia, surgem os dois termos, sendo considerados equivalentes.

Na base de dados que resulta da revisão a que se procedeu e que está disponível em http://tlebs.dgidc.min-edu.pt, apenas se refere, como conceito-base, tipologia textual, embora no texto explicativo se fale, aqui e ali, de textos prototípicos, que são, afinal, aqueles que apresentam o maior número de características consideradas essenciais para um dado tipo de texto. O que corrobora a afirmação que se fazia na base de dados anterior.

Quanto à data da generalização da nova terminologia, não tenho conhecimento de outras directivas para além do que é referido na Portaria n.º 476/2007, de 18 de Abril, onde se diz:

«5.º A DGIDC procede, até Janeiro de 2009, à revisão dos programas das disciplinas de Língua Portuguesa dos 5.º, 6.º, 7.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade.

6.º Os programas revistos e homologados entram em vigor no ano lectivo de 2010-2011.»

Na página da DGIDC pode ainda consultar-se um documento intitulado Orientações didácticas para o trabalho de Funcionamento da Língua em sala de aula, no qual se especifica quais os termos que devem ser introduzidos em cada um dos níveis de ensino.