Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Agradecia esclarecimento sobre obrigatoriedade do uso do conjuntivo na negativa — ex. «pode dizer-se com rigor que o jogo de damas é importante para o cérebro» — «não pode dizer-se que.... seja...»

A frase, ao ser transformada para a negativa, pode ter outras alternativas?

Obrigada pelo esclarecimento.

Resposta:

A forma como produzimos enunciados nem sempre facilita uma interpretação rigorosa e inequívoca. No caso concreto da frase em apreço, temos uma perífrase, ou locução verbal, que veicula uma ideia de possibilidade, constituída pelo auxiliar modal pode, associado ao verbo declarativo dizer.

Ainda que esta complexidade possa dificultar a interpretação, não sinto como inadequada a frase «Não se pode dizer com rigor que o jogo de damas é importante para o cérebro».

O uso do conjuntivo ou do indicativo com alguns verbos depende da intenção do falante. Se se pretender veicular uma ideia de certeza, usa-se o indicativo; caso contrário, usar-se-á o conjuntivo.

Aconselho a leitura da resposta intitulada O conjuntivo em subordinadas completivas, na qual é feita uma caracterização bem sistematizada do uso do conjuntivo com orações completivas.  Poderá ainda consultar a obra que na resposta indicada se refere, da autoria de Maria Joana de Almeida Vieira dos Santos, intitulada Os usos do conjuntivo em língua portuguesa: uma proposta de análise sintáctica e semântico-pragmática, pois foi editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, em 2003.

Pergunta:

As palavras destacadas nas expressões a seguir têm sentidos denotativos.

Como construir frases em que elas sejam empregadas no sentido conotativo?

O "calor" do sol.

A "raiz" da árvore.

Resposta:

A palavra calor é muitas vezes utilizada com o sentido de «amor, conforto, apoio». Assim, podemos falar no «calor do lar», numa «palavra calorosa», etc.

Também a palavra raiz pode ser utilizada em muitos contextos. Se tivermos em conta que é a raiz que prende a planta à terra, podemos referir-nos às nossas próprias raízes, ou seja, ao conjunto de aprendizagens que nos identificam como pertencendo a uma determinada região ou grupo cultural. Diz-se muitas vezes, de alguém que gosta de falar da sua terra, que essa pessoa não esquece as suas raízes.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem uma dúvida. Num artigo, afirma-se:

«Eles aí estão "em estágio". Faz-me lembrar os hooligans...»

É correcta a utilização de «Faz-me»? Não deveria ser «Fazem-me lembrar»?

Antecipadamente grato pelo vosso esclarecimento.

Resposta:

O sujeito da frase está subentendido e tem duas interpretações:

— pode ser o mesmo da frase anterior, ou seja, «eles», e o verbo deverá estar no plural («fazem-me»);

— pode ser o demonstrativo isso, que retoma o conteúdo da frase anterior («eles aí estão em "estágio"), e, nesse caso, o verbo vai para o singular — «faz-me».

Pergunta:

Gostaria de saber se a locução prepositiva «apesar de» pode introduzir uma oração subordinada concessiva.

Resposta:

A locução «apesar de» veicula uma ideia de contraste, oposição, incluindo-se entre as locuções que introduzem as subordinadas concessivas, sendo mesmo, graças à tendência para fugir ao conjuntivo, uma das mais produtivas, ou seja, uma das mais utilizadas.

Pergunta:

Como definir figura de estilo para crianças de 7.º ano?

Obrigada.

Resposta:

Como em qualquer acção pedagógica, não há uma receita, nem uma forma única para fazer passar uma mensagem. Há, acima de tudo, que ter em conta a entidade única que cada turma constitui.

Assim sendo, e salvaguardada, desta forma, a provável inutilidade prática do que possa dizer-se a seguir, creio que o mais importante é sensibilizarmos os jovens para a alteração de sentido sempre que fazemos mudanças numa frase, ou para o sentido literal de frases nas quais, diariamente, recorremos a figuras de estilo.

A melhor forma seria, pois, começar com exemplos do dia-a-dia, a que todos recorremos, e desmontar o seu verdadeiro sentido, levando assim os jovens a perceber o jogo de linguagem que está subjacente.

Qual de nós nunca pronunciou, num ou noutro contexto, frases como «Continua assim, que vais bem…»? O que é que se diz, realmente, quando se pronuncia uma frases destas? Que aluno do 7.º ano não entende que quem lhe disser esta frase não está a dizer propriamente que está tudo bem, antes pelo contrário? A que distância estamos de uma ironia e de uma antítese?

E que dizer de expressões como «Eu morro de frio (ou de susto)»? Talvez seja uma boa forma de ajudar um aluno a perceber o que é uma hipérbole…

Depois de os alunos perceberem que é possível brincar de determinada forma com a linguagem para produzir efeitos específicos, poder-se-ia explorar o conceito de estilo, começando, por exemplo, por identificar grupos de jovens que se caracterizam pelo seu estilo ou forma de estar. Os Góticos; os Dread. Determinados grupos identificam-se por se comportarem, ou vestirem, mais ou menos da mesma forma. Estes grupos, no mundo das palavras, são as figuras de estilo… Também nas figuras de estilo, as palavras, como se tivessem vida, se comportam de uma forma sistemática p...