Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Por favor:

«Esqueceu o relógio.»

«Esqueceu-se do relógio.»

Entendo o primeiro caso («o relógio») como sendo objeto direto, e o segundo exemplo («do relógio») como sendo objeto indireto. Fiquei na dúvida porque li um artigo no site de vocês onde eu entendi que ambos eram objeto direto.1

Obrigada.

1 N. E.: Não encontramos o artigo que corresponda à informação a que o consulente diz ter tido acesso.

Resposta:

O verbo esquecer pode ser transitivo directo, sendo completado com um objecto directo que pode ser um grupo nominal como em «Esqueceu o trabalho realizado», ou uma oração completiva: «Esquece que me viste aqui.» Pode ser também pronominal e transitivo preposicional: «Esquecer-se de algo.»

Os exemplos que apresenta ilustram estas duas situações.

Embora tendo sentidos muito próximos, são constituídos por elementos com funções sintácticas distintas. Assim, em «Esqueceu o relógio», o grupo nominal «o relógio» é, como diz, um objecto directo; mas, em «Esqueceu-se do relógio», «do relógio» é um complemento preposicionado, ou, como alguns estudiosos defendem, complemento oblíquo. Há também quem lhe chame complemento indirecto, por ser associado ao verbo através de uma preposição.

Pergunta:

Recentemente, uma aluna do 10.º ano questionou-me sobre o conceito de parassíntese.

Uma vez que nos critérios de correcção dos exames de 9.º ano se afirma que as palavras adormecer, insuportável, refazer, desmontar e deformação pertencem ao mesmo grupo, quanto à sua formação, em oposição a um grupo de palavras compostas e um grupo de palavras derivadas por sufixação (exame de 2006), e que, por outro lado, no exame de 2005, a palavra indiscretamente surge como palavra parassintética, encontro-me numa situação pouco confortável em relação à resposta a dar à aluna, visto que a mesma poderá induzi-la em erro.

Na realidade, pretendo que me elucidem sobre a pertinência de introduzir a noção do "tempo" no processo de formação de palavras, pelo que gostaria que me dissessem se posso "transmitir" aos alunos que infelizmente é uma palavra parassintética, ou, pelo contrário, devo afirmar que se trata de uma palavra derivada por sufixação, dado que o prefixo in é anterior ao sufixo -mente.

Gostaria igualmente de saber se existe algum consenso nesta matéria.

Resposta:

A parassíntese é uma forma de derivação muito específica que ocorre quando uma palavra, geralmente um verbo, é formada a partir de um nome ou de um adjectivo, pela associação simultânea de um sufixo e de um prefixo. Exemplifico, com base na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, pág. 952, com, respectivamente, ensonado (en + son(o) + ado) e enfraquecer (en + frac(o) + ecer).

Se se retirar o prefixo, ou o sufixo, a estas duas palavras, não se obtém uma palavra reconhecida como tal na língua portuguesa: *sonado; *ensono; *fraquecer; *enfraco.

É este aspecto que distingue a parassíntese da derivação por prefixação e por sufixação vista de forma genérica e que ocorre em palavras como infelizmente, a qual, se despojada de sufixo ou de prefixo, continua a constituir uma palavra facilmente identificada como tal: infeliz; felizmente. Digamos que a parassíntese equivale a um subgrupo de palavras derivadas por prefixação e por sufixação.

Quanto à situação que indica relativa ao exame do 9.º ano, de 2006, 2.ª chamada, disponível em http://www.gave.min-edu.pt/np3content/?newsId=32&fileName=pelpchamada1basico_2006.pdf, havia de facto um problema na constituição da questão relacionada com a formação de palavras, nomeadamente no que se refere às palavras associadas nos critérios de correcção ao grupo C, ou seja, as que aponta: adormecer, insuportável, refazer, desmontar e deformação. Embora na...

Pergunta:

Na qualidade de leiga da linguística, tomo a liberdade de lhes perguntar sobre a forma correcta de utilizar o verbo recordar no passado com o pronome o. Por outras palavras, o que se pretende dizer é que alguém recordou, a outro, algo. Qual a forma correcta, «A Maria recordo-o.» ou a «Maria recordo-lhe que...»?

Desculpem a ignorância e desde já o meu obrigada!

Resposta:

A questão que coloca é comum a outros verbos que sejam transitivos directos e indirectos, ou seja, que permitam a indicação de algo, como recordar algo (complemento directo) a alguém (complemento indirecto — CI). O complemento directo (CD) pode ser substituído pelo pronome pessoal o/a, enquanto o complemento indirecto é substituído por lhe.

Assim, se o que pretende é uma construção pronominal que substitua uma frase do tipo «A Maria recordou o assunto ao João», o CD «o assunto» será substituído pelo pronome pessoal o, e o CI «o João», pelo pronome pessoal lhe. Na frase, estes dois pronomes sofrem uma contracção e formam, aparentemente, uma só palavra: lho. Desta forma, a frase pronominal correspondente a «A Maria recordou o assunto ao João» é «A Maria recordou-lho».

Pergunta:

Sempre tenho muitas dúvidas relativas ao emprego do verbo lembrar. Poderiam dizer-me quais das frases são agramaticais, o porquê disso, e quais seriam as alternativas corretas a substituí-las?

1. Esta canção lembra a minha infância.

2. Esta canção lembra-me a minha infância.

3. Esta canção lembra-me da minha infância.

4. Esta canção lembra você/lembra-a.

5. Esta canção lembra-me você/ lembra-ma.

6. Esta canção lembra-me de você.

E ainda, em correspondência às três últimas:

7. Esta canção lembra-te.(traz-te à minha memória)

8. Esta canção lembra-me-te. ???

9. Esta canção lembra-me de ti.

Muito obrigado!

Resposta:

Ao verbo lembrar é dedicado um verbete relativamente extenso no Dicionário Prático de Regência Verbal de Celso Pedro Luft, São Paulo, Editora Ática, 2002. Aí, o verbo é apresentado como transitivo, como ocorre na frase 1 e 4; transitivo directo e preposicionado como em 3 e 6; transitivo directo e indirecto como nas frases 2 e 5. Podermos concluir que as frases 1 a 6 são correctas, embora, pessoalmente, sinta alguma estranheza na construção de todas elas, dado o sentido passivo que veiculam. Efectivamente, o verbo lembrar, em princípio, tem características lexicais que pressupõem um sujeito com traço mais humano, muitas vezes pronominalizado (lembrar-se).

Quanto ao segundo bloco que apresenta, eu evitaria a construção da frase 7 «Esta canção lembra-te», pois, pelo facto de o pronome te ter a mesma forma como objecto (ou complemento) directo (OD) e como indirecto (OI), poderá haver a tendência para considerar a frase incompleta, interpretando te como indirecto, como em «Esta canção lembra-te [de que deves vir cedo].» Por essa razão, se tivesse de escolher uma delas, escolheria a frase 9 «Esta canção lembra-me de ti», equivalente à 6.

A frase 8 apresenta os pronomes numa ordem (OI-OD) não habitual quando ambos os complementos são representados por clíticos, ou seja, se ligam ao verbo através de hífen, a menos que entre eles se verifique uma contracção dos pronomes como acontece na segunda alternativa que coloca na frase 5: «Esta canção lembra-me você/lembra-ma.» Repare que, nesta mesma frase, a ordem é OI-OD, mas o pronome você não é clítico.

Por outro ...

Pergunta:

Gostaria de saber se dança pode ser um hiperónimo?

Resposta:

Um hiperónimo é uma palavra que designa uma realidade que pode ainda ser subdividida em elementos mais pequenos ou restritos. Assim, dança é, de facto, um hiperónimo, pois podemos, num nível abaixo, enunciar uns quantos tipos diferentes de dança, constituindo, cada um, um hipónimo. Por exemplo, o tango é um hipónimo de dança.