Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber se existe diferença entre aposto e epíteto.

Em um livro repleto de epítetos como «Simão, o Leproso», «Lázaro, o ressuscitado», que exercem a função de sujeito, estou enfrentando a seguinte dificuldade: devo colocar uma vírgula após os epítetos? Sinto que de qualquer forma transgrido alguma regra: se coloco a vírgula, separo sujeito de predicado; se não coloco vírgula, deixo um aposto mal pontuado e sem paralelismo.

Obrigada!

Resposta:

O sujeito não é o epíteto, mas o conjunto constituído pelo nome e pelo epíteto, ou aposto. Como o aposto, ou epíteto, deve vir entre vírgulas, não colocar a vírgula no final será – aí, sim – separar o núcleo do sujeito do seu predicado. Senão vejamos: «Simão, o leproso aproximou-se.» Como o núcleo do sujeito é «Simão», aquela vírgula está a separá-lo do predicado.

Se, pelo contrário, colocarmos a segunda vírgula, que tem um efeito parentético, tudo fica bem: «Simão, o leproso, aproximou-se», que equivale a «Simão (o leproso) aproximou-se».

Pergunta:

Estava digitando um trabalho de geografia que meu professor pediu há umas semanas e, ao escrever, me deparei com a necessidade de colocar dois pronomes ligados a um verbo na frase «... e, em seguida, classifica-se-os em uma das eras geológicas...». Já que nunca tinha visto nenhum caso desses, gostaria de saber se eu cometi um erro e, caso não o tenha cometido, como se chama essa "ênclise dupla".

Obrigado.

Resposta:

Não creio que se trate de uma forma de expressão adequada à norma. Em situações destas, a nossa língua é suficientemente rica para permitir caminhos alternativos.

Analisemos antes a expressão em apreço, que repito «… e, em seguida, classifica-se-os em uma das eras geológicas...».

Tal como está formulado o verbo com os clíticos, temos um se que desempenha a função de sujeito, equivalendo a alguém, e um pronome pessoal com função de objecto directo, os. O verbo está na voz activa. Porém, dado tratar-se de um verbo transitivo, poderemos optar por uma estrutura em que o se seja apassivante («classificam-se», equivalente a «são classificados»). O referente a que se associa o pronome os não precisa de estar expresso, dado que a língua portuguesa não exige a explicitação do sujeito, que pode ficar implícito.

A frase ficaria, pois: «… e, em seguida, classificam-se em uma das eras geológicas...»

Pergunta:

É viável a existência da palavra "panglota" ou "pantoglota", para designar o indivíduo que domina todas as línguas? Seria um neologismo possível? Ou já existe termo equivalente?

Resposta:

Ainda que não de forma muito intensa, a palavra panglota está já em uso, pois numa pesquisa Google surgiram cinco ocorrências. Comparando esta forma com outras já dicionarizadas, como poliglota, monoglota, triglota, parece-me preferível, e bem formada, panglota.

Pergunta:

Sou professora e deparei-me, mais uma vez, com uma dúvida, aquando da abordagem do complemento determinativo. Tudo estava bem até ao momento em que veio a pergunta inevitável «Qual a diferença entre um complemento circunstancial de matéria e um complemento determinativo de matéria?». A resposta era fácil, o primeiro depende do verbo, e o segundo, de um nome. O mesmo não aconteceu com igual pergunta, mas relacionada com a causa, pois os exemplos que encontrei não foram os mais adequados («Barulho de passos» — «de passos» — complemento determinativo de causa). Agradecia que me esclarecessem quanto a esta situação, já que os exemplos que encontro deixam muito a desejar e se há alguma explicação além desta (complemento determinativo-nome/complemento circunstancial-verbo).

Resposta:

A sua questão/reflexão ilustra bem, poder-se-ia dizer, a razão pela qual expressões como «complemento determinativo» e «complemento circunstancial» não ocorrem no Dicionário Terminológico. De uma forma geral, como refere, complemento circunstancial tem, na gramática tradicional, subjacente uma relação sobretudo entre um verbo e um grupo adverbial ou preposicional, enquanto o complemento determinativo se associa a uma relação entre nomes obtida através da preposição de.

Assim, do ponto de vista da gramática tradicional, poderemos dizer que, tal como o complemento circunstancial veicula diversos sentidos, ou valores semânticos, o mesmo acontece em relação ao complemento determinativo. Epifânio Dias da Silva, na Sintaxe Histórica Portuguesa, pág. 130 e seguintes, sem dar nome à função desempenhada pelo nome mais encaixado, ou, se preferir, pelo grupo preposicional, diz que a preposição de pode veicular valor de  parentesco, posse, instrumento ou meio, causa, qualidade «homem de talento», origem «homem do povo», matéria «taça de prata», sentimento «lágrimas de arrependimento», etc.

Ainda que sem uma interpretação consensual, há gramáticos que indicam ocorrer um complemento determinativo sempre que dois nomes estão ligados pela preposição de, o que corrobora, de certo modo, o que se diz acima. Ilustrando a falta de consenso desta interpretação, note-se, por exemplo, que Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, não referem conceitos como complemento determinativo nem complemento circunstancial,...

Pergunta:

Consultando uma gramática do primeiro ciclo, constatei que o grupo móvel pode empregar-se no início, no meio ou no fim da frase. Devo com isto depreender que o dito grupo móvel pode empregar-se entre o sujeito e o predicado, sem qualquer pudor? Existe alguma regra que estipule que determinado tipo de grupo móvel deve empregar-se em determinada posição na frase?

Muito obrigada pela ajuda.

Resposta:

O grupo móvel, estrutura que não é contemplada no Dicionário Terminológico, é assim designado por poder ocorrer em vários pontos da frase. Tal como refere, pode ocorrer no início, no meio, ou no final da frase. E pode, sim, ocorrer entre o sujeito e o predicado, desde que não corte, digamos assim, o grupo nominal que serve de sujeito. Vejamos exemplos que nos ajudem a formular juízos de aceitabilidade:

1. «A Maria, silenciosamente, entrou na sala»;
2. «A Maria entrou silenciosamente na sala»;
3. « Silenciosamente, a Maria entrou na sala»;
4. «A Maria entrou na sala silenciosamente

 

Como podemos verificar em 1 e 3, quando o grupo móvel — correspondendo sempre a um advérbio ou a uma expressão de valor adverbial — ocorre antes do verbo, é frequentemente isolado por vírgulas. Nesse sentido, é uma excelente estrutura para trabalhar algumas especificidades da utilização da vírgula.