Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
60K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É viável a existência da palavra "panglota" ou "pantoglota", para designar o indivíduo que domina todas as línguas? Seria um neologismo possível? Ou já existe termo equivalente?

Resposta:

Ainda que não de forma muito intensa, a palavra panglota está já em uso, pois numa pesquisa Google surgiram cinco ocorrências. Comparando esta forma com outras já dicionarizadas, como poliglota, monoglota, triglota, parece-me preferível, e bem formada, panglota.

Pergunta:

Sou professora e deparei-me, mais uma vez, com uma dúvida, aquando da abordagem do complemento determinativo. Tudo estava bem até ao momento em que veio a pergunta inevitável «Qual a diferença entre um complemento circunstancial de matéria e um complemento determinativo de matéria?». A resposta era fácil, o primeiro depende do verbo, e o segundo, de um nome. O mesmo não aconteceu com igual pergunta, mas relacionada com a causa, pois os exemplos que encontrei não foram os mais adequados («Barulho de passos» — «de passos» — complemento determinativo de causa). Agradecia que me esclarecessem quanto a esta situação, já que os exemplos que encontro deixam muito a desejar e se há alguma explicação além desta (complemento determinativo-nome/complemento circunstancial-verbo).

Resposta:

A sua questão/reflexão ilustra bem, poder-se-ia dizer, a razão pela qual expressões como «complemento determinativo» e «complemento circunstancial» não ocorrem no Dicionário Terminológico. De uma forma geral, como refere, complemento circunstancial tem, na gramática tradicional, subjacente uma relação sobretudo entre um verbo e um grupo adverbial ou preposicional, enquanto o complemento determinativo se associa a uma relação entre nomes obtida através da preposição de.

Assim, do ponto de vista da gramática tradicional, poderemos dizer que, tal como o complemento circunstancial veicula diversos sentidos, ou valores semânticos, o mesmo acontece em relação ao complemento determinativo. Epifânio Dias da Silva, na Sintaxe Histórica Portuguesa, pág. 130 e seguintes, sem dar nome à função desempenhada pelo nome mais encaixado, ou, se preferir, pelo grupo preposicional, diz que a preposição de pode veicular valor de  parentesco, posse, instrumento ou meio, causa, qualidade «homem de talento», origem «homem do povo», matéria «taça de prata», sentimento «lágrimas de arrependimento», etc.

Ainda que sem uma interpretação consensual, há gramáticos que indicam ocorrer um complemento determinativo sempre que dois nomes estão ligados pela preposição de, o que corrobora, de certo modo, o que se diz acima. Ilustrando a falta de consenso desta interpretação, note-se, por exemplo, que Cunha e Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, não referem conceitos como complemento determinativo nem complemento circunstancial,...

Pergunta:

Consultando uma gramática do primeiro ciclo, constatei que o grupo móvel pode empregar-se no início, no meio ou no fim da frase. Devo com isto depreender que o dito grupo móvel pode empregar-se entre o sujeito e o predicado, sem qualquer pudor? Existe alguma regra que estipule que determinado tipo de grupo móvel deve empregar-se em determinada posição na frase?

Muito obrigada pela ajuda.

Resposta:

O grupo móvel, estrutura que não é contemplada no Dicionário Terminológico, é assim designado por poder ocorrer em vários pontos da frase. Tal como refere, pode ocorrer no início, no meio, ou no final da frase. E pode, sim, ocorrer entre o sujeito e o predicado, desde que não corte, digamos assim, o grupo nominal que serve de sujeito. Vejamos exemplos que nos ajudem a formular juízos de aceitabilidade:

1. «A Maria, silenciosamente, entrou na sala»;
2. «A Maria entrou silenciosamente na sala»;
3. « Silenciosamente, a Maria entrou na sala»;
4. «A Maria entrou na sala silenciosamente

 

Como podemos verificar em 1 e 3, quando o grupo móvel — correspondendo sempre a um advérbio ou a uma expressão de valor adverbial — ocorre antes do verbo, é frequentemente isolado por vírgulas. Nesse sentido, é uma excelente estrutura para trabalhar algumas especificidades da utilização da vírgula.

Pergunta:

Gostaria de entender o que trata a ecolexicografia e quem a criou.

Obrigada.

Resposta:

O conceito de ecolexicografia reporta a uma área, ou subárea, da lexicografia proposta por Manoel Soares Sarmento, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil, recentemente falecido.

Num artigo intitulado Por uma ecolexicografia, publicado em 2005, na revista online Confluências, n.º 2, páginas 85 a 97, o próprio Manoel Soares Sarmento diz «Os novos subcampos propostos foram previstos em um texto que enviei à Universidade de Graz, como já escrevi, durante o Simpósio Österreichische Linguistiktagung 2000».

De uma forma muito sintética, que poderá complementar com a leitura do artigo referido, poderemos dizer que a ecolexicografia prevê a organização dos verbetes de um dicionário tendo em conta, além da definição e da abonação, os efeitos e os resultados subjacentes.

Pergunta:

No uso do plural majestático, numa resposta datada de 2003 sobre este tema, responderam que «quaisquer adjectivos ou particípios referentes ao sujeito devem concordar com este de acordo com o seu género e número naturais e não segundo o número gramatical do sujeito».

A minha dúvida diz respeito aos grupos que de alguma forma estejam também relacionados com o sujeito: num determinado texto, por exemplo, se nos quisermos referir aos filhos ou pais ou outra qualquer filiação, deve-se escrever «os nossos filhos», «os nossos tios» etc., ou o pronome mantém-se no singular? E quem diz os pronomes diz qualquer outra noção ou coisa respeitante ao sujeito?

Obrigado e parabéns por este sítio maravilhoso.

Resposta:

Em primeiro lugar, importa contextualizar o uso do plural majestático. Não se usa em qualquer comunicação de índole informal, mas sim em comunicações com um elevado grau de formalidade. Por exemplo, apresentação de uma comunicação num congresso, ou defesa de uma dissertação ou de uma tese. Nestes contextos, dificilmente o orador irá falar de seus filhos, pais, tios, etc.

Mas pode falar da sua investigação, ou das suas pesquisas. Nesse caso, o sujeito, se opta pelo plural majestático, vai usar os pronomes correspondentes à primeira pessoa do plural, nosso, nossa. E usará esses pronomes no singular ou no plural consoante o elemento que pretenda referir seja singular ou plural. Assim, se quiser referir-se à sua pesquisa, enquanto palavra no singular, poderá dizer, por exemplo, «ao longo da nossa pesquisa…». Se, porém, quiser salientar o carácter diverso dessa pesquisa e preferir usar o plural, dirá «ao longo das nossas pesquisas…»

O que fica no singular é, normalmente, o predicativo do sujeito, que, em vez de concordar gramaticalmente com o sujeito «(Nós) fomos confrontados», vai concordar com a entidade emissora, incluindo as marcas de singular e do género a que pertença o orador: «fomos confrontado» ou «fomos confrontada».

Concluo agradecendo as suas palavras simpáticas.