Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

«O Dr. Marcelo, ladino como é» – concluiu ela, afinal –, «certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho.»

No trecho acima, está correta a pontuação, especialmente a colocação da vírgula após o segundo travessão?

Obrigado.

Resposta:

Sim,  a pontuação está correcta. O exemplo é excelente para explicar em que situações pode, ou deve, ocorrer uma vírgula depois de um travessão ou de um parênteses curvo. Repare que a mensagem principal é «O Dr. Marcelo certamente atinou com coisa melhor do que um simples resfriadinho». A esta mensagem principal foi introduzido um comentário da personagem que profere a frase: «ladino como é». Este comentário funciona como um aposto e deve ocorrer entre vírgulas. Entre o comentário da personagem e a restante frase surge de novo um comentário, desta feita do narrador, colocado entre travessões, como costuma acontecer sempre que a informação do narrador surge no interior da frase. Ora, em situações como esta, a vírgula que deveria fechar o comentário da personagem deve ser deslocada para o final do segundo comentário, ou seja, após o travessão que fecha o comentário do narrador, embora fique fora das aspas que marcam o discurso directo. Se pensarmos bem, as aspas marcam a fala, ao passo que a vírgula obedece, neste caso, a uma convenção sintáctica, digamos assim, da escrita.

Pergunta:

Encontro a palavra onis quando é referida uma palavra em latim, seguindo-se onis, separada da anterior por vírgula. Ex.: do latim creatio, onis. Agradeço o que significa e a sua função.

Resposta:

Os nomes, ou substantivos, latinos surgem no dicionário com os casos que são usados na sua enunciação: o nominativo e o genitivo, este, habitualmente, representado apenas pela terminação. O exemplo que refere é da terceira declinação, cujo genitivo do singular termina em -is. Sendo uma declinação muito produtiva e muito variada (contém palavras de tema em i e de tema em consoante), por vezes há uma diferença entre o radical do nominativo e o radical do genitivo. Nesses casos, o genitivo inclui a variação que ocorre entre os dois casos. É o que acontece no exemplo que apresenta – creatio, onis –, que, por extenso, seria creatio, crationis. Se quisermos traduzir, teríamos: «a criação, da criação», respectivamente.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem a seguinte dúvida:

Diz-se:

«Alentou-os a orgulhar-se de serem bons cidadãos», ou «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos»?

«Foram convidados para dois eventos, a realizar-se no próximo mês», ou «... a realizarem-se no próximo mês»?

Flexiona-se o infinitivo quando este é regido da preposição a?

Resposta:

No caso dos exemplos que apresenta, nada impede a flexão do verbo, sendo, mesmo, mais elegante, no primeiro exemplo, que ambos os infinitivos, tendo como sujeito a mesma entidade plural, ocorram no mesmo número: «Alentou-os a orgulharem-se de serem bons cidadãos.»

A restrição que está subjacente à sua questão prende-se com locuções verbais, veiculando uma ideia de continuidade de acção nas quais entra o auxiliar estar seguido da preposição a mais infinitivo não flexionado: «estou a ler», «estamos a ler». Nestes casos, o plural é assumido pelo auxiliar, e não pelo infinitivo.

Pergunta:

A minha dúvida que gostaria de ser esclarecida se refere ao uso do infinitivo simples e composto. Na imprensa em geral, observo que, para um mesmo contexto, são utilizadas as duas formas, por exemplo, nos seguintes casos: 

1a) «Acusado de matar o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
1b) «Acusado de ter matado o Zé, fugitivo da justiça foi preso ontem.»
2a) «Depois de ter matado o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
2b) «Depois de matar o próprio filho, homem quase foi linchado pelos vizinhos.»
3) «Um turista morreu hoje ao cair/ter caído do varandim do elevador.»
 

Em contextos como esses, nos quais minha parca sensibilidade linguística quase sempre me induz a usar o infinitivo composto, observo que, apesar de usarem as duas formas, na imprensa em geral há uma preferência pelo infinitivo simples.

Analisem o seguinte texto do sítio uol.com.br:

«Apontado como um dos culpados pela derrota por NÃO ESTAR em campo na partida que culminou com a eliminação do Corinthians pelo Tolima na Libertadores — ALEGOU ESTAR com dores na coxa —, Roberto Carlos se queixou de estar sofrendo ameaças de torcedores e prometeu deixar o clube.»

No contexto acima, as formas «não estar» e alegou estar» estão bem postas, ou poderiam ser substituídas pelas compostas «não ter estado» e «alegou ter estado»?

Mudando de assunto, por favor, analisem os seguintes exemplos: 

4) «O policial militar CONFESSOU QUE MATOU a jornalista, porque ela teria reagido depois de TER SIDO sequestrada.»

a) Há anterioridade de ação que talvez justificasse escrever «confessou que tinha (havia) matado»?
b) Está correta a forma composta «ter sido»?

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Resposta:

Obrigada pelas suas palavras simpáticas.

Quanto ao uso dos tempos compostos, é, efectivamente, muito mais frequente a utilização dos tempos simples na comunicação social, havendo, muitas vezes, orientações explícitas nos livros de estilo para esta opção. No caso dos exemplos 1a), 1b), 2a) e 2b) acima, não há grande alteração de sentido, uma vez que a locução temporal «depois de» nos permite situar as acções uma em relação à outra. Em 3), creio que a mensagem é um pouco distinta. Desdobro os exemplos e numero-os como 3a) e 3b): 

3a) «Um turista morreu hoje ao cair do varandim do elevador.»
3b) «Um turista morreu hoje depois de ter caído do varandim do elevador.»

Em 3a), a morte terá ocorrido durante a queda. Em 3b), que me parece ficar mais formal se substituirmos «ao» por «depois de», a morte, ocorrendo embora por causa da queda, aconteceu posteriormente.

O exemplo retirado da comunicação social ilustra o que referi acima, sobre a preferência dos tempos simples. 

4) «O policial militar confessou que matou a jornalista, porque ela teria reagido depois de ter sido sequestrada.»

Uma vez mais, a opção por um tempo simples em «matou» deve-se ao facto de haver a opção já apontada pelos tempos simples. Porém, do ponto de vista formal, a frase ficaria mais rica se fosse usado o tempo composto «tinha matado». Em Portugal, o uso do verbo haver como auxiliar dos tempos compostos está em desuso.

Quanto à forma «ter sido», ela está correcta, pois estamos perante uma forma passiva do verbo, sendo o auxiliar da passiva, verbo ser, a suportar as alterações ou características da conjugação do verbo. Assim, a forma simples seria «ser sequestrada». Ao c...

Pergunta:

O Dicionário Houaiss (edição electrónica de 2009) inclui as conjunções e preposições no grupo dos clíticos.

Sendo assim, gostaria de saber os critérios a ter em conta para a classificação de um vocábulo como clítico.

Obrigado.

Resposta:

Um vocábulo é clítico quando não tem uma forma tónica e se sujeita, foneticamente, a uma palavra a que se liga. Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 1999, página 89, identifica as classes de palavras que podem surgir como clíticos, considerando mesmo que algumas palavras tónicas na estrutura frásica perdem a autonomia fonética, digamos assim. Dá como exemplos o artigo em «o rei», /urrey/ e «deve estar», /devistar/, que em Portugal se realizam foneticamente como  [u’rɐy] e  [devɨʃ’tar]. Repare-se que nestes conjuntos, ou sequências fonéticas, parece ocorrer um só acento tónico que vai assinalado, por mim, com (ˈ).

Bechara, na mesma página, separa as palavras clíticas que ocorrem antes da palavra foneticamente dominante, ou seja, em posição proclítica, das que surgem depois dessa palavra, em posição enclítica. As classes de palavras que identifica como proclíticas pertencem às seguintes classes:

a) artigos
b) alguns numerais, como um, três, cem
c) pronomes adjuntos antepostos (ou determinantes): demonstrativos, possessivos, indefinidos…
d) pronomes pessoais antepostos
e) pronomes relativos
f) verbos auxiliares
g) certos advérbios: já (já vi), não (não posso)
h) certas preposições: a, de, em, com, por, sem, sob, para
i) certas conjunções: e, nem, ou, mas, que, se, como, etc.

Como enclíticos, refere os pronomes pessoais átonos.

O critério que se adopta para identificar uma palavra clítica é o da análise do seu comportamento fonético em contexto, ou seja, em sequências fonéticas.

Independentemente do que se diz atrás — e que é relevante para percebermos o que significa clítico —, tradicionalmente, quando falamos de clíticos, pensamos, sobretudo, nos pronomes pessoais átonos.