Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
60K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

É normal escrever-se um substantivo no singular acompanhado da terminação do seu plural entre parêntesis, por exemplo, documento(s) ou autor(es).

Gostaria de saber se o mesmo também se aplica a substantivos cujo plural se forma mudando:

ão em ões/ão em ães, por ex.: organização(ões)?

al, el, ol, ul mudando o l em is, por ex.: metal(ais)?

Não me parece correto, uma vez que a formação do plural não ocorre com a simples junção de um s, mas, sim, com a troca de ão por ões, por isso a minha dúvida.

Muito obrigada.

Resposta:

A questão que apresenta é, sobretudo, do âmbito da representação gráfica e é omissa em todos os documentos que analisei, embora em alguns se recorra ao acréscimo do (s) ou da sequência (es) para designar a possibilidades de alteração entre o singular e o plural. Em relação à situação específica das palavras terminadas em ditongo nasal e em –l, tal como diz, a mudança entre o singular e o plural não ocorre pela simples aposição de letras, pois obriga a alterações que, no caso dos ditongos nasais, chegam à consoante que inicia a sílaba.

Pessoalmente – por falta de documentação que foque explicitamente o facto, só posso falar do que penso sobre o assunto  embora reconheça que o uso da estrutura alternativa  organização (ões vem sendo usada, creio que é um tipo de organização textual a evitar sempre que possível.

Pergunta:

Tenho uma dúvida sobre a utilização do pretérito perfeito e do pretérito mais-que-perfeito.

Rigorosamente, a sentença «Antes de morrer, ele deixou um testamento» estaria errada? Haveria de ser necessariamente a forma correta «Antes de morrer, ele deixara um testamento»?

Resposta:

O pretérito mais-que-perfeito é utilizado sempre que há duas orações com o verbo explicitado, ambas ocorrendo no passado e sendo uma anterior à outra. Por exemplo, na frase «O João morreu, mas tinha feito (fizera) testamento». O exemplo que apresenta contém, em termos estruturais, algumas características de uma relativa informalidade. Antes de mais, uma pessoa deixa o testamento quando morre, e não antes de morrer. Antes de morrer, faz o testamento, que depois deixará… Se o verbo, em vez de deixar, fosse fazer, ambas as possibilidades que apresenta seriam adequadas, embora possam ter diferenças de interpretação.

1. «Antes de morrer, ele fez um testamento.»

Mesmo que consideremos a locução temporal «antes de morrer» como uma acção, uma vez que contém um verbo, ambas as acções se situam num tempo anterior à morte. Neste caso, o foco do discurso está nesse tempo anterior no qual foi feito o testamento.

2. «Antes de morrer, ele tinha feito (fizera) um testamento.»

Neste caso, o foco do discurso situa-se num tempo em que já ocorreu a morte. Está, por isso, subjacente a oração «morreu», e o texto completo seria «Morreu, mas, antes de morrer, ele tinha feito (fizera) um testamento».

Refira-se ainda que o pretérito mais-que-perfeito simples é menos usual, e mais formal, do que o composto.

Pergunta:

Que tipo de preposição é em no seguinte exemplo?

— Quero este carro mas em preto.

— Em preto, já não se fazem, só em azul-escuro.

— Em azul-escuro não gosto

Muito obrigado.

Resposta:

As preposições são, em português, uma das classes fechadas de palavras, ou seja, é uma classe de palavras que contém um número limitado, e controlado, de vocábulos.

De entre as diversas classes fechadas de palavras, a preposição é a única que não apresenta subclasses, pelo que uma preposição é só uma preposição, embora, do ponto de vista semântico, se lhe possam associar diversos sentidos. No caso concreto da preposição em, no dicionário em linha da Porto Editora, diz-se que ela «introduz expressões que designam: lugar <em casa>; tempo <em julho; em poucas horas>; modo ou meio <em silêncio; em dinheiro>; estado <em lágrimas>; proporção <três em cinco>; matéria <anel em ouro>».

Na expressão em apreço, porque se fala da cor com que o carro foi pintado, eu diria que o sentido veiculado se aproxima de matéria.

Pergunta:

É correto o uso do pronome algo na pergunta seguinte:

«Algo mais?»

Obrigado.

Resposta:

Enquanto falante, não tenho quaisquer restrições a colocar à expressão «algo mais». Todavia, creio tratar-se de uma expressão que já não é muito utilizada, até porque o próprio pronome algo está a cair em desuso, pelo menos em Portugal.

O mais que pode acontecer a quem a usar será receber, da parte dos seus interlocutores, uma reacção de surpresa, ou de estranheza, perante uma expressão invulgar, hoje.

Pergunta:

Gostaria de saber onde se insere, no Dicionário Terminológico, a formação das palavras (antes denominadas de compostas por aglutinação) vinagre, aguardente, fidalgo e outras semelhantes.

Obrigada.

Resposta:

Aglutinação é um termo que designa a forma que a palavra composta adquire. No Dicionário Terminológico (DT), como também na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, e ainda na obra de Margarita Correia e Lúcia Lemos, Inovação Lexical em Português, Edições Colibri, 2005, opta-se por uma designação que tem como base não a forma que a palavra adota, mas, sim, o tipo de relação, ou, melhor, o tipo de estrutura de cada palavra que vai entrar na composição. E essa relação pode ser morfológica, se se estabelece ligação entre um (ou mais) radical e uma palavra, ou morfossintática (para Margarita Correia, na obra referida, sintagmática), se a ligação se estabelece entre duas palavras (independentemente da presença do hífen).

Com base na definição constante no DT, poderemos dizer que vinagre e aguardente são compostos morfológicos, respetivamente vin + agre e agu + ardente. O caso de fidalgo causa algumas dificuldades de classificação. Se tivermos em conta a sua estrutura-base original, digamos assim, o que temos é uma expressão composta por duas palavras, ou, melhor, dois nomes, relacionadas entre si por uma preposição, filho de algo, não sendo comum a representação destas estruturas lexicalizadas com a forma aglutinada. Por outro lado, a classificação da forma fi- como radical de filho [latim filiu(m)] poderá ser problemática.

A questão que se coloca, e tendo em conta a necessidade de veicular os conceitos referentes à composição em contexto escolar, é a pertinência de utilizar exemplos cuja formação de base já não é sentida pelo alunos. Na verdade, fidalgo