Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra Deco? Amálgama?

Resposta:

Deco é a designação adotada pela Associação Portuguesa para a Defesa dos Consumidores. É, pois, o nome, ou firma, de uma instituição, e não é comum analisar a formação deste tipo de palavras… De qualquer forma, se considerarmos que Deco corresponde à junção da primeira sílaba de defesa com as duas primeiras letras de consumidor, poderemos classificá-la com um acrónimo. Veja-se a definição do Dicionário Terminológico:

«Acrónimo – Palavra formada através da junção de letras ou sílabas iniciais de um grupo de palavras, que se pronuncia como uma palavra só, respeitando, na generalidade, a estrutura silábica da língua.»

 

N. E. – No caso de Deco, como a cada letra não corresponde uma palavra, apenas a inicial deve ser maiúscula.

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem se os pronomes o, a, os, as tomam as formas de «tem-la» e «quere-a» em vez de «tem-na» e «quere-la».

Consultei a gramática de Lindley Cintra e Celso Cunha e aplica a regra, exemplificando, «tem-nos», mas uma ficha de gramática retirada de um livro de exercícios da Porto Editora (Jogos de Língua Portuguesa, 8.º ano) apresenta aquelas duas formas como exceção.

Surgiu-me a dúvida e gostaria que me esclarecessem, se possível.

Resposta:

Dizem as regras que, por questões de eufonia, se o verbo terminar em -s ou -r, esta consoante cai, e o pronome ganha um -l:

a) «Tu tens» – «Tu tem-lo». Claro que, neste caso, a consoante nasal passou a m

b) «Tu queres» – «Tu quere-lo».

Dizem também as regras que, se o verbo terminar em ditongo nasal (seja ele representado por vogal e semivogal – dão –, seja-o por vogal e consoante nasal – tem), o pronome ganha um n:

c) «Ele tem» – «Ele tem-no».

Além destas regras, gerais, há algumas exceções, que se prendem, por exemplo, com o verbo querer, que, na terceira pessoa do presente, se escreve, hoje, quer, mas que já se escreveu quere. Esta forma é recuperada quando o verbo é acompanhado de pronome átono.

d) «Ele quer» – «Ele quere-o».

Todas as formas apresentadas são, pois, possíveis, embora seja necessário destrinçar a que pessoa pertencem, o que será possível analisando o contexto em que os verbos ocorrem.

Pergunta:

Gostaria de saber o seguinte:

1 – Qual o radical de verbos monossilábicos como dar, ver, etc.?

2 – Se apenas os nomes têm o grau diminutivo, como podemos classificar adjetivos como bonitinho, pequenito...?

Resposta:

1 – O radical de verbos monossilábicos como os que indica é a consoante que os constitui: dar (radical: d-; vogal temática: a; desinência ou marca do infinitivo: r). Há ainda a ter em conta que, tal como em alguns verbos irregulares plurissilábicos, também nos monossilábicos há casos em que o verbo tem radicais distintos, como acontece, por exemplo, no verbo ser: s(ou), f(ui), er(a).

2 – A língua e as palavras existem apesar das regras, ou seja, é a análise das ocorrências que permite definir as regras, havendo sempre situações marginais, dificilmente encaixáveis numa regra. Os diminutivos afetivos de alguns adjetivos são exemplos dessas situações marginais, que enriquecem a nossa língua.

Pergunta:

Ouvindo na RTP pronunciar a palavra cherovia com o a aberto, fiquei com esta dúvida: não será, antes, com o o soando "u" ("cheruvia")?

Já agora: o termo recomendado não é cherivia?

Resposta:

Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, a pronúncia de cherovia é /cheruvía/. Este dicionário, nesta palavra, remete para cherivia, cuja pronúncia é /cherivía/, o que coincide com a interpretação do consulente, ou seja, a palavra preferencial deveria ser cherivia.
No entanto, o uso não tem ido nessa direção. Vale a pena recordar que, para o mesmo tubérculo, há uma panóplia de designações, variação de duas:

a) cherovia, cherivia, cheruvia;
a) pastinaga, pastinaca.

Tendo em conta as duas designações-base, numa pesquisa eletrónica, as versões mais utilizadas são cherovia com 16 600 ocorrências e pastinaca com 433 000. Voltando a cherivia, a forma preferida pelo GDLP, ela ocorre 5970 vezes, enquanto cheruvia surge em 2250 situações.

A palavra cherovia é, também, a que surge associada ao Festival da Cherovia, na Covilhã.

Pergunta:

Ouço constantemente toda a gente usar o termo misticismo (místico), referindo-se a qualquer coisa que não existe ou inalcansável. Não será antes... miticismo (mito)?

Resposta:

As palavras – ou, melhor, os conceitos – em confronto são, na verdade, mito e misticismo. De mito diz o dicionário em linha da Porto Editora:

1. relato das proezas de deuses ou de heróis, suscetível de fornecer uma explicação do real, nomeadamente no que diz respeito a certos fenómenos naturais ou a algumas facetas do comportamento humano

2. narrativa fabulosa de origem popular; lenda

3. elaboração do espírito essencialmente ou puramente imaginativa

4. alegoria

5. representação falsa e simplista, mas geralmente admitida por todos os membros de um grupo

6. algo ou alguém que é recordado ou representado de forma irrealista

7. exposição de uma ideia ou de uma doutrina sob forma voluntariamente poética e quase religiosa

O mesmo dicionário define misticismo como:

1. atitude caracterizada pela crença na possibilidade de comunicação direta com o divino ou a divindade

2. atitude essencialmente afetiva que dá prioridade às crenças intuitivas, que garantiriam revelações inacessíveis ao conhecimento racional

3. tendência para acreditar em verdades sobrenaturais

4. vida contemplativa

5. devoção exagerada