Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Estou a estudar português, e achava que embora com o verbo ir significava «fora dum lugar», mas numa frase li «vir embora». Que significado tem embora nestes verbos?

Resposta:

Embora, enquanto advérbio, significa, efetivamente, «sair de um lugar», quer se use com o verbo ir, quer o verbo seja vir.

Note-se, no entanto, que o ponto de vista e a posição de quem fala é diferente com cada verbo. Numa frase como «O João foi(-se) embora», a pessoa que fala está no lugar onde o João estava antes de sair desse lugar. Já na frase «O João veio(-se) embora», a pessoa que fala está no lugar para o qual o João se deslocou.

Embora pode ainda ser usado com o verbo mandar («mandar alguém embora»).

Pergunta:

A questão: Escreve o nome coletivo correspondente a cada um dos nomes comuns.

Laranjeira: .........................

Cão: ............................

Ilha: ........................

Está bem formulada?

Resposta:

A formulação de questões em testes deve ter em conta o objetivo a atingir com esse teste, bem como a estratégia adotada para tal. Além disso, importa haver rigor na metalinguagem utilizada, tendo sempre em consideração, claro, o aluno e o respetivo nível de ensino, que condiciona o domínio explícito da metalinguagem. Imagino que o problema levantado com esta questão se prenda com o facto de ambos os nomes, coletivos e não-coletivos, serem comuns e contáveis… Ao estabelecer-se uma dicotomia, inadequada, coletivo-comum, pode induzir-se o aluno em erro, levando-o a pensar que os coletivos não são comuns, quando ambos são comuns e, no caso em análise, contáveis. Por outro lado, vale a pena ter em conta que a explicitação dos conceitos contável/não-contável ocorre apenas no 3.º ciclo (cf. p. 131 dos programas…), ao passo que os conceitos comum (não coletivo) e comum coletivo são matéria do 1.º ciclo (cf. p. 56 dos programas).

Salvaguardada esta questão que implica, por exemplo, substituir «cada um dos nomes comuns», por «cada uma das palavras», ou retirar apenas o termo «comuns», parece-me que o objetivo é identificar se o aluno aprendeu, ou domina, a relação entre nomes comuns contáveis (não coletivos) e nomes comuns contáveis coletivos, ou seja, identificar conhecimento adquirido. Creio que a questão, feito o acerto indicado, permite atingir este objetivo.

Pergunta:

Gostaria de saber se na seguinte frase, «Se receber o cheque original após a suspensão do respetivo pagamento, não conseguirá descontá-lo», a partícula -lo está incorreta (e, se sim, porquê), se ambas as formas são possíveis, ou se deve dizer-se antes: «Se receber o cheque original após a suspensão do respetivo pagamento, não o conseguirá descontar.»

Resposta:

Sempre que temos um grupo de dois verbos seguidos, mesmo que não constituam uma locução verbal, e um deles está no infinitivo, é comum, e recomendado por alguns gramáticos, associar o pronome a esse infinitivo, mesmo nos casos em que, com um só verbo, o pronome viria, obrigatoriamente, para antes do verbo. Isso não impede, no entanto, que a colocação do pronome antes do verbo se possa aplicar, ficando, de certo modo, ao critério de cada um o uso de uma ou outra estrutura.

Saliento, todavia, que alguns gramáticos consideram desviante o uso da próclise nestes casos, aceitando apenas como uso formal aquele em que o pronome se associa ao verbo no infinitivo, ou seja, o primeiro exemplo que aponta.

Em síntese, a meu ver, ambas as frases em apreço são adequadas, embora possa haver quem não aceite como própria de um nível formal da língua a segunda hipótese que apresenta.

Pergunta:

Autoconstrução é uma palavra composta por aglutinação, ou justaposição?

Resposta:

Vale a pena, antes de mais, alertar para o facto de nem todos os estudiosos estarem de acordo sobre a definição de aglutinação e de justaposição. Para uns, há aglutinação sempre que não há hífen; para outros, só há aglutinação quando uma das palavras (normalmente a que se situa à esquerda), sofre alterações que poderão ser a perda de uma ou duas letras ou o ganho de uma vogal de ligação. Assim, a palavra passatempo é, para uns, aglutinada, porque não tem hífen, e, para outros, justaposta, porque é possível, sem quaisquer alterações, identificar as duas palavras-base: passa + tempo.

A par destas situações, outras há em que o primeiro elemento já não existe de forma autónoma na língua, constituindo-se um radical, grego ou latino, usado tão-somente na formação de palavras novas.

Nesta ambiguidade classificativa, há ainda que referir que a palavra auto se reveste de particular complexidade.

Auto é considerado nas gramáticas como um elemento, ou radical, de origem grega (de autos), com o sentido de «autónomo», «próprio» ou «de si próprio». Surge desta forma em palavras como autoconfiança, autoavaliação, etc.

Curiosamente, a partir da palavra automóvel, em que entra este elemento, passou a utilizar-se um outro, homónimo, mas constituindo uma truncação de automóvel. Esta truncação está presente em palavras como autoestrada, autódromo, etc.

Na pa...

Pergunta:

Peço a vossa atenção para as frases seguintes: «Aventure-se por Portugal. Descubra a simplicidade de um país autêntico.»

a) Sabendo que o imperativo afirmativo apenas possui formas próprias para as segundas pessoas do singular e do plural, tomando as restantes pessoas as formas do presente do conjuntivo;

b) Sabendo (ainda relativamente ao modo imperativo) que a 3.ª pessoa terá de ser antecedida, expressamente ou não, por você e afins...

c) As formas verbais na frase acima dir-se-ão no presente do conjuntivo, ou no imperativo?

Resposta:

A sua questão reduz-se, na verdade, à primeira premissa, ou seja, à alínea a), pois, de facto, o imperativo, sendo um modo do discurso direto, ou seja, da comunicação em situação em que o emissor e o recetor estão no mesmo espaço ao mesmo tempo e a comunicar um com o outro, tem apenas a segunda pessoa, quer do singular, quer do plural. Há subjacente um eu a falar com um tu ou com um vós.

A complexidade das relações sociais faz com que nem sempre a segunda pessoa satisfaça as condições de comunicação formal, havendo, em muitos casos, necessidade de recorrer à terceira pessoa, do singular ou do plural, para definir ou expressar o tipo de relação, mais distanciada, entre o emissor e o recetor. Aí, os falantes recorrem às formas do conjuntivo, fazendo o mesmo sempre que o imperativo é negativo.

Por outro lado, a afirmação que faz em b) não corresponde à prática de aplicação do imperativo, pois não é habitual o uso expresso do pronome, ou de qualquer outra forma de sujeito, com o imperativo. Claro que, gramaticalmente, temos, pela flexão do verbo e, claro!, pelo contexto comunicacional, informação sobre o recetor ou recetores (seja ele tu, vós (ou vocês), você (ou o senhor, a senhora, etc.) ou vocês (ou os senhores, as senhoras, etc.). Mesmo quando o nome do recetor vem expresso, ele nunca é sujeito mas, sim, vocativo:

1) «Maria, faz os trabalhos.»

2) «Maria, não faças os trabalhos.»

3) «João, José, façam os trabalhos.»

Assim, as frases em apreço estão gramaticalmente no presente do conjuntivo, tendo no contexto em que ocorrem valor imperativo. Poderíamos mesmo dizer, com maior rigor, valor argumentativo, uma vez que o objetivo é persuadir, ou convencer, o recetor, que, no caso em análise, é também um leitor, pois, tanto ...