D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Aprendi no Ciberdúvidas que não se deve usar apóstrofo na forma pra de para. Como se deve fazer a contracção com o advérbio para obter a pronuncia popular “pra’í”? Será assim, ou, como vejo frequentemente escrito, “p’raí”, ou existe ainda outra maneira mais correcta?

Muito obrigado.

Resposta:

A preposição pra, forma sincopada de para, faz parte do léxico português e do brasileiro. A forma "p’ra" foi condenada por Rebelo Gonçalves.

Repare que na sua associação ao advérbio : «pra aí», se dá a crase na pronúncia, isto é, o conjunto é sempre pronunciado ¦prà-í¦, dispensando artifícios para isso.

Não se recomenda *pra’í, nem *p’raí; a primeira porque se representa a elisão duma letra numa palavra que não existe, a segunda porque contém uma forma condenada e uma junção estranha na língua.

Termos do novo acordo em Portugal: sem alteração.

Ao seu dispor,

Pergunta:

A tradução de acrónimos usados em ciência (onde o inglês desempenha o mesmo papel que o latim desempenhou) é um erro, pois o grande número destes leva a confusões desnecessárias; p. ex. ATP e TPA, sendo o 1.º o acrónimo para trifosfato de adenosina (adenosine triphosphate) e o 2.º para activador tecidual do plasminogénio (tissue plasminogen activator); o resultado é a troca em português de duas moléculas completamente diferentes.

O meu reparo deve-se à vossa sugestão de uso de ADN em vez de DNA, que tem sido bastante usado pela comunicação social e público em geral. Para além do que referi acima, limita a pesquisa na Internet, não permitindo encontrar as páginas com melhor informação.

No entanto, LASER (em vez de ALEER) sendo também um acrónimo, parece ser bem aceite no Ciberdúvidas... E mais, numa área relativamente nova como a informática, seria o caos a tradução de acrónimos de extensões de ficheiros como "jpeg" (Joint Photographic Experts Group) ou "pdf" (Portable Document Format).

Resposta:

Num mundo globalizado, cada vez mais se recomendam siglas internacionalmente estabelecidas. Não faz sentido adaptar siglas que estão generalizadas na linguagem técnica, pois corremos o risco de baralhar essa linguagem e até de não sermos entendidos.

Concordo consigo. Devemos proteger a língua da adulteração da sua índole, mas sem pruridos conservadores, que nos dificultem a comunicação na Aldeia Global. Aliás, nas nossas normas ortográficas em vigor (e no novo acordo), essa abertura está consagrada em casos especiais: «Devem-se manter acentos e letras originais nas palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros».

Pessoalmente, prefiro NATO a OTAN, DNA a ADN, etc.

Já o mesmo não digo das reduções que entraram no léxico como legítimas palavras da língua e se podem escrever em minúsculas, às quais eu chamo então acrónimos (as siglas, sempre escritas com as letras todas maiúsculas, são para mim siglemas quando formam palavras [ex.: PALOP], e siglóides, quando soletradas letra a letra [BCP]). São acrónimos no léxico, por exemplo: óvni, sida, sonar.

No entanto, se tivesse de me referir à sida num texto não confinado ao país, escreveria mesmo AIDS (sigla até usual no Brasil).

Termos do novo acordo para Portugal: sigloides.

Ao seu dispor,

Pergunta:

Acompanhando a polémica sobre o novo acordo ortográfico com bastante interesse (e com opiniões divididas sobre alguns aspectos do mesmo) gostaria de esclarecer uma dúvida sobre a questão da dupla grafia de várias palavras. Segundo o que tenho lido (e consultado, p. ex., no dicionário da Texto Editora), a grafia de palavras como facto passará a depender única e exclusivamente da sua pronúncia. Se se pronunciar o 'c', escrever-se-á 'facto' (caso de Portugal); se não se pronunciar, escrever-se-á 'fato' (caso do Brasil).

Todavia, existem palavras da mesma família de facto, como factor, factorização, etc., cujo 'c' não se pronuncia em Portugal. A minha dúvida é esta: por uma questão de coerência, considero que deveria escrever todas esssas palavras da mesma família com o 'c', mesmo quando este não fosse pronunciado. Poderei fazer isso, ou o critério fonético será o obrigatório? É de se notar que todas as palavras supracitadas admitem dupla grafia, embora não tenha ficado muito claro até agora se a dupla grafia se pode utilizar no mesmo país, ou se servirá apenas para distinguir como se escreverão as palavras pronunciadas de forma diferente em Portugal e no Brasil.

Resposta:

Facto/fato é uma dupla grafia estabelecida no próprio texto do acordo de 1990. Factor aparece referido como tendo supressão do c no mesmo texto (Nota Explicativa). Penso que as grafias em Portugal serão fator, fatorização, pois a consoante c não é articulada em Portugal nestas palavras (veja a pronúncia de factor no Grande Dicionário da Porto Editora e no dito da Academia de 2001). Fator é também a pronúncia e grafia no Brasil. Penso que não há justificação para a consoante muda nestas palavras, de acordo com o que está estabelecido nas normas (regra b da Base IV). Repare também que estas normas dispensam a congruência gráfica: Egito e egípcio.

As opiniões sobre novas palavras para o acordo de 1990, sejam elas quais forem e venham de onde vierem, por muito respeito que inspirem, não fazem por enquanto lei, naquilo em que o texto do acordo não for taxativo.

No entanto, há um critério que me orienta no raciocínio.

Comecemos por lembrar que o objectivo do novo acordo não foi unificar a língua, pois a sua variabilidade sintáctica, semântica e até fonética é uma riqueza, e, aliás, não faz sentido violentar os hábitos linguísticos das diversas comunidades que a usam.

Mas não esqueçamos que o objectivo «...

Pergunta:

Acho que este acordo suscita muitas dúvidas.

Segundo informações que obtive no Telejornal, passaria a ser obrigatório a palavra acto escrever-se "ato", mas, segundo o que está escrito num site, em palavras que contêm duas letras assim, a consoante "muda" seria de dupla grafia. Mas é verdade que passará a ser obrigatório que palavras tipo "corrector" se escrevam "corretor" nos dois países?

E também as palavras acentuadas graves perdiam o acento; mas perdem ou não o acento?

E como é que ficamos com os hífenes nas palavras tipo: «lavar-me», «comer-te»? Eles desaparecem ou "colam-se"? E também as conjugações do verbo haver?

E as palavras compostas por justaposição?

Como ficam? Quais as diferenças?

Agradecia que me esclarecessem melhor as minhas dúvidas.

Obrigado!

 

Resposta:

Consoantes mudas

A regra é simples: Em cada comunidade linguística, «as consoantes não articuladas das sequências ct, cc, cç, pt, pc, pç, etc.» suprimem-se quando são invariavelmente mudas (ex.: aspeto, conceção em Portugal, ação, ótimo em Portugal e no Brasil). Não se suprimem quando são invariavelmente proferidas (ex.: facto, ceptro em Portugal, ficção e núpcias em Portugal e no Brasil). Não é preciso considerar as duplas grafias para aplicar esta regra em cada uma das comunidades.

As duplas grafias permitem a escolha e a adaptação à pronúncia da respectiva comunidade (ex.: aspeto/aspecto, conceção/concepção [as palavras à direita têm pronúncia usual no Brasil]). Muito se tem dito contra as duplas grafias, mas pouca gente se apercebeu do grau de liberdade que elas permitem. Sendo ambas válidas no universo da língua, por princípio do novo acordo, ninguém nos impede de as utilizar em qualquer das comunidades. Assim, por exemplo, ninguém me obrigará a adoptar conceção se eu preferir continuar a escrever concepção (assim como ninguém me obriga já hoje a escrever ervanário se eu preferir herbanário).

Conhecer as duplas grafias tem e...

Pergunta:

Achamos que este novo acordo ortográfico é muito injusto para nós, além de nos desfavorecer e quebrar os nossos princípios linguísticos. Por exemplo, a hifenização em relação a algumas palavras "não soa bem": «mini-saia» vai ficar, do nosso ponto de vista muito esquisito, pois dobra-se o s. Além de estas palavras ficarem bastante grandes.

E não se resume apenas a isto, que vemos que está mal. Por exemplo, os meses do ano, escritos com minúscula, é uma falta de classe...

Não acham o mesmo?

 

Resposta:

A injustiça

Em primeiro lugar, lembro que naquilo em que o novo acordo é mais significativo na mudança para Portugal, a queda das consoantes mudas (aproximando a escrita da brasileira), esta alteração já tinha sido combinada entre Portugal e Brasil em 1931. Só que nós nunca cumprimos com o acordo. Ora, como o Brasil já tinha simplificado a grafia nessa base, por sua vez não aceitou voltar a escrever as consoantes não articuladas e, por isso, acabou por não respeitar o acordo de 1945. Assim há mais de meio século que as duas ortografias são divergentes neste facto.

Eram divergentes nalguns outros pontos, que foram sucessivamente anulados. Continuavam a sê-lo em vários acentos. Ora o Brasil aceitou agora eliminar também várias diferenças em relação ao português europeu, na sua parte das cedências para o objectivo de termos uma ortografia comum.

Não vejo onde é que está, assim, a tão grande injustiça para Portugal no novo acordo. São as pessoas que se opõem à mudança (por sistema ou medo de depois não saberem escrever) que esgrimem com esse argumento falacioso, também no complexo de o número de falantes desta nossa variante ser nitidamente inferior ao da variante brasileira. Eu, por mim, não sinto complexo nenhum, e, pelo contrário, fico com orgulho no facto de o nosso descendente Brasil ser um dos grandes países emergentes, em vias de ter assento no Conselho de Segurança da ONU.

O hífen

As actuais regras do hífen, ainda de 1945, são muito complexas. Frequentemente só consultando um prontuário é que se fica com a certeza se o conjunto das palavras tem ou não hífen. O novo acordo traz alguma simplificação. Minissaia é uma delas. Repare  que a palavra já aparece assim esc...