Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como justifico a análise morfológica da palavra inativo? Algumas gramáticas apontam [IN]prefixo[AT] radical[IVO]sufixo e outras[IN]prefixo[ATIV]radical [O]vogal temática. Concordo com a primeira análise ao levar em conta o sufixo de formação de adjetivo a partir de substantivo, porém não encontro a etimologia do radical [AT].

Resposta:

A palavra inactivo deriva de activo, adjectivo que tem origem latina:

«lat. act—vus,a,um 'ativo, que age, que tem significação ativa'; ver ag-; f.hist. sXV actiuo, sXV auctiuo, sXV autiuo» (Dicionário Houaiss)

É propriamente em latim que se pode dizer que -ivus é um sufixo, mas a abundância de nomes que têm origem em formas latinas terminadas com este sufixo permite depreender o sufixo também em português. Eu diria então que o sufixo passou ao português e, como tal, é produtivo:

[[in]prefixo [[act]radical [iv]sufixo [o]índice temático]

Pergunta:

Tenho uma dúvida que anda tirando o meu sono. Há alguns dias, prestei uma prova para um concurso, o mesmo trazia a seguinte questão:

«Em 2206 foram reportados acidentes em 68 países — e sete áreas não reconhecidas como nações independentes — em todos os continentes.»

Dentre algumas afirmações, a resposta correta dizia que os travessões poderiam ser trocados por vírgulas. Minha dúvida é quanto ao uso da vírgula, ou dos travessões, pois acredito que o e colocado após o travessão, possa ser uma conjunção aditiva, sendo, portanto, desnecessário ou irregular a expressão citada acima vir isolada entre vírgulas ou travessões, logo a questão formulada estaria errada. Estou certo ou equivocado? Se for possível responderem-me aguardo resposta e parabéns por este espaço.

Resposta:

Usam-se os travessões para destacar informação. Na frase em apreço, temos uma estrutura de coordenação: «foram reportados acidentes em 68 países» e «foram reportados acidentes em sete áreas não reconhecidas como nações». O que esta sequência significa é que os acidentes ocorreram em países e áreas que não têm independência política; estas áreas podem ou não estar incluídas pelas fronteiras políticas dos países em causa. Mas os travessões nada indicam quanto à relação entre «países» e «áreas». Por conseguinte, sem constituir nitidamente um erro, também não se compreende a necessidade dos travessões, quando na frase bastava usar a coordenação da expressão «sete áreas não reconhecidas como nações» com a conjunção e.

É possível ainda supor que os travessões ocorrem para evitar o adverbial «em todos os continentes» e sejam apenas modificador de «sete áreas não reconhecidas como nações». Se é essa a intenção, poder-se-ia, em alternativa aos travessões, aplicar uma vírgula:

«Em 2206 foram reportados acidentes em 68 países e sete áreas não reconhecidas como nações independentes, em todos os continentes.»

Mas se o perigo é ambiguidade (o que é que fica em todos os continentes? 68 países? sete áreas? ambos?), então melhor será deslocar o constituinte «em todos os continentes» na frase; por exemplo:

«Em 2206, em todos os continentes, foram reportados acidentes em 68 países e sete áreas não reconhecidas como nações independentes.»

Pergunta:

Uma das minhas actividades é a revisão de textos e tenho-me deparado com uma dificuldade em particular para a qual não encontrei ainda respostas satisfatórias.

Gostaria de saber se existe alguma norma para a grafia de certos termos compostos utilizados nos vários ramos das ciências. Refiro-me, nomeadamente, a exemplos como os seguintes: "sócio-económico" ou "sócio-político", que tenho visto como "socioeconómico" ou "sociopolítico" respectivamente. Mas, se a estes acrescentarmos mais uma palavra, como por vezes acontece, teremos "sócio-político-económico", "sociopolítico-económico", "sociopolíticoeconómico" ou alguma outra variante? É que a eliminação dos hífens e a pura justaposição das palavras torna-se progressivamente mais difícil de ler.

Por outro lado, a prática, ao que parece generalizada, de eliminar os hífens traduz-se por vezes em resultados um tanto ou quanto insólitos, como por exemplo "imunohemoterapia" ou, pior ainda, "parathormona". Aliás, a respeito destes dois últimos exemplos, gostaria de saber se os campos da medicina e da farmacologia ou da química, para citar apenas estes, estão isentos, na sua terminologia específica, de terem de se submeter às regras linguísticas.

Pergunto isto, por já ter visto termos como "dehidrohepiandrosterona" ou "hidroxietilcelulose" (sem qualquer hífen) ou como o incrível "cloridrato de trans-4-[(2-amino-3,5-dibromobenzil)amino]-ciclohexanol" — com os hífens e os parênteses exactamente como indico aqui.

Onde poderei então encontrar indicações fiáveis (?!) relativamente à utilização ou não dos hífens?

Obrigado!

Resposta:

Antes de comentar cada um dos casos referidos pelo consulente, importa saber que o consulente foca dois casos diferentes de composição: um é o percurso de sócio- ou socio- como elemento antepositivo de composição erudita; outra é a questão geral da grafia dos compostos eruditos. Em ambas as situações as normas gráficas aplicadas têm sido, em Portugal, as do Acordo Ortográfico de 1945 (Base XXIX). As normas a introduzir com o novo Acordo Ortográfico são as que constam da Base XVI do mesmo.

1. Pedimos o parecer de D'Silvas Filho sobre a grafia de palavras que incluam o elemento sócio-:

«Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomenda: "Nos compostos em que entram, morfològicamente individualizados, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva", deve-se usar o hífen. Exemplos da obra: "africano-árabe", "físico-químico-naturais". Nesta ideia e considerando sócio um adjectivo, na alternativa aceite pelo Dicionário Houaiss, eu escreveria: sócio-político, e sócio-político-económico.

Note, porém, que o léxico já regista sociopolítico e socioeconómico. As justificações de Rebelo Gonçalves são difíceis de sustentar presentemente, pois pouca gente consegue descortinar hoje a origem grega ou latina dos agrupamentos de letras para poder escolher convenientemente, e, além disso, o uso muitas vezes ignorou essas regras.

Por outro lado, não posso recomendar a fusão dos três elementos, para se ter uma unidade mórfica, como se teria em sócio-político-económico...

Pergunta:

Como traduzir "steric effect", efeitos estes que resultam em repulsões entre nuvens electrónicas que rodeiam átomos forçados a aproximarem-se no espaço, apesar de estarem separados. Considerando que são efeitos descritos na química orgânica, onde existem termos como estereoquímica e estereoisómero, pergunto se se traduz para "efeitos estéreos", ou então para evitar a confusão com o estéreo radiofónico, empregar a opção "efeito estérico". Esta opção é mais próxima da utilizada em francês "effet stérique".

Um obrigado antecipado e pelo sítio Ciberdúvidas.

Resposta:

O termo registado como pertencente à química é estérico, «relativo a geometria de uma molécula», formado por estér(eo-) + –ico, «provavelmente por influência do inglês steric (1895-1900)», que tem o mesmo significado (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). É, pois, de evitar o uso de estéreo no registo em apreço.

Pergunta:

Numa questão em que se pretende localizar erros (sem especificação de tipo), não se deveria considerar como "erro" a expressão «gotas de orvalhos»?

Muito obrigada.

Resposta:

F. V. Peixoto da Fonseca observa que «gotas de orvalho» é mais expressivo que o simples orvalho (sempre com este termo no singular).

Resta-nos acrescentar que orvalho se usa normalmente no singular porque, como fenómeno físico globalmente considerado, é não-contável. Note-se que também não se diz «gotas de chuvas» ou «flocos de neves», a não ser que se diga que se analisaram «gota de chuvas que caíram em momentos diferentes» ou «flocos de neves diferentes (por exemplo, da Serra da Estrela e dos Montes Cantábricos)». Tratar-se-á, pois, de um erro, se o contexto não precisar do plural.