Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Perna-vermelha designa o nome de uma ave limícola da família dos maçaricos, com o nome científico Tringa totanus.

Os observadores de aves referem-se a esta espécie no masculino: «o perna-vermelha», «um perna-vermelha», havendo também referências bibliográficas antigas (de 1930) que utilizam o género masculino quando se referem a esta espécie.

Contudo, em todos os dicionários que consultei, o termo perna-vermelha é registado como sendo um substantivo do género feminino.

Penso que esta é uma daquelas situações em que os dicionários registam uma forma, e as pessoas que mais utilizam o termo preferem outro género.

Gostaria que me esclarecessem sobre o género correcto da palavra perna-vermelha. A mesma dúvida se aplica à ave perna-verde (a qual, contudo, não encontrei nos dicionários).

Resposta:

É frequente haver discrepâncias entre os dicionários gerais e o uso de certos termos menos correntes ou mais especializados. Em princípio, perna-vermelha é um composto que deveria ser do género feminino, porque é feminina a palavra perna, que é núcleo da expressão sintática que lhe deu origem, e porque se lhe associa a palavra ave, também feminina. Mas se considerarmos que ave tem um sinónimo masculino que é pássaro, então compreende-se que se atribua a perna-vermelha o género masculino. De qualquer modo, considero que a conjugação dos argumentos morfológico e semântico confere mais força à classificação de perna-vermelha como substantivo feminino.

Pergunta:

Voltando à questão, já abordada, de termos como «Estado-membro», grafados com ou sem hífen, um dos consultores do Ciberdúvidas afirma a dada altura, nos seus esclarecimentos: «... é a mesma regra (sem hífen), quando nos referimos a clube membro, empresa associada, sócio gerente, administrador delegado, etc., etc.».

No entanto, a minha dúvida tem que ver com a questão daquilo a que, à falta de melhor, chamarei de «simultaneidade» da situação do sujeito. Explico-me: «sócio-gerente» não deverá grafar-se com hífen, precisamente por a pessoa ter a qualidade de ser simultaneamente «sócio» e «gerente» da empresa? A palavra «gerente», pelo que vi no dicionário, tanto pode ser um adjectivo, e, neste caso, sim, estaria apenas a qualificar o sócio (portanto não se justificaria a utilização do hífen), mas pode também ser, ela própria, um substantivo, e, nesse caso, estaremos perante um composto de dois substantivos, onde suponho que se justifica a utilização do hífen (como, por exemplo, em «capitão-tenente»).

Será possível darem mais uma pequena achega a este assunto, por favor?

Resposta:

À luz das regras ortográficas que vigoram ainda neste momento em Portugal, ou seja, as do Acordo Ortográfico de 1945, se as palavras que formam um composto são dois substantivos, tende-se a empregar hífen para as ligar: comboio-fantasma e cirurgião-dentista.

Digo «tende-se», porque considero que o texto de 1945 não define claramente os critérios para a atribuição de hífen; ora vejamos (sublinhados meus):

«Emprega-se o hífen nos compostos em que entram, foneticamente distintos (e, portanto, com acentos gráficos, se os têm à parte), dois ou mais substantivos, ligados ou não por preposição ou outro elemento, um substantivo e um adjectivo, um adjectivo e um substantivo, dois adjectivos ou um adjectivo e um substantivo com valor adjectivo, uma forma verbal e um substantivo, duas formas verbais, ou ainda outras combinações de palavras, e em que o conjunto dos elementos, mantida a noção da composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos.»

Quanto a mim, a passagem «... forma sentido único ou uma aderência de sentidos» é vaga, porque  diz que um composto tanto terá um «sentido único» como um sentido que parece ser a «aderência» ou coalescência de outros. Se a um composto pode também estar associada a modulação dos significados originais de duas palavras que formavam uma expressão composicionalmente analisável, então como definir a fronteira entre um composto que tem uma «aderência de sentidos» (ex., cor-de-rosa) e uma expressão cujo significado é ainda composicional (ex., «cor de areia»)? A minha resposta é: muito dificilmente, por falta de critérios objectivos.

Deste modo se compreende que não haja claro consenso quanto à representação gráfica de um composto, como se constata na resposta em causa.

Pergunta:

Qual a origem da expressão «estar pela hora da morte»?

Resposta:

Não encontrámos fontes que nos dessem explicação sobre a origem da expressão em apreço, que significa «ser muito caro». Adivinha-se que se trate de uma metáfora: o muito dinheiro gasto num artigo caro é como se nos custasse a vida.

Pergunta:

Estimados consultores, bem sei que já responderam a esta questão anteriormente, mas, como continuo com dúvidas, não posso deixar de vos convidar a responder novamente. Trata-se da expressão «massa crítica». Tenho ouvido esta expressão amiúde ultimamente, nos mais variados contextos do quotidiano (frequentemente em reuniões de negócios). Ninguém parece saber o que a expressão significa ao certo e parece bastante «plástica». Ora significa «conteúdo sobre o qual pensar» ora é usada, por exemplo, como sinónimo de «dimensão». Estas «novidades» não são novas, mas esta tem algum fundamento?

Obrigada e continuação de bom trabalho!

Resposta:

Numa resposta, Maria Regina Rocha define massa crítica aproximadamente como «pessoas que desenvolvem um pensamento próprio». No entanto, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, massa crítica é um termo da física nuclear que significa «a menor massa de um material físsil [= susceptível de fissão nuclear] capaz de manter uma reação nuclear em cadeia».

O Dicionário de Anglicismos e de Palavras Inglesas Correntes em Português (Rio de Janeiro, Elsevier, 2006), de Agenor Soares dos Santos, é mais esclarecedor, porque indica que massa crítica se trata da adaptação do inglês critical mass, cuja formação é explicada deste modo (foram desenvolvidas as abreviaturas do texto original):

«Expressão da Física que entrou para a língua comum, em sentido figurado, não dicionarizado no Brasil (também recente em inglês: 1972), bem expresso na seguinte passagem: "A primeira bomba atômica baseava-se no princípio de que, se você juntar quantidades suficientes de urânio-235, produzir-se-á uma reação em cadeia que levará à fissão nuclear e à explosão. Chama-se a isto massa crítica. Agora: junta as duas Alemanhas, elas formam uma massa crítica? E que tipo de reação será desencadeada?" (M. Scliar, Zero Hora, 1990). É um tamanho, número ou quantidade suficientemente grande para produzir o efeito desejado ou esperado, ou para que algo aconteça ou possa continuar [...]. A utilidade da expressão não deve levar ao exagero do economês em frases como a seguinte, em que ela pouco ou nada diz para o leitor comum: "O ministro do Planejamento negou a falta de transparência nos gastos (...), e enunciou que (...), `quando tivermos massa crítica´, será possível avaliar padrões de despesa (Folha de São Paulo, 2005; aspas do jornal).»

Por...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem dos sobrenomes Pereira e Pinto.

Obrigada.

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico, de José Pedro Machado, não adianta muito sobre a origem do apelido Pinto, considerando-o uma antiga alcunha, derivada do substantivo masculino pinto, «cria de galinha». Observe-se, no entanto, que, no mesmo dicionário, Pinto é também nome de povoação em Portugal, na Galiza e na zona de Toledo (Espanha). Machado não estabelece qualquer relação ente o topónimo e o apelido.

Pereira será uma antiga alcunha que se tornou apelido. Como alcunha, indicava a naturalidade ou a proveniência do lugar chamado Pereira, que é topónimo frequente em Portugal e na Galiza.