Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como traduzir "steric effect", efeitos estes que resultam em repulsões entre nuvens electrónicas que rodeiam átomos forçados a aproximarem-se no espaço, apesar de estarem separados. Considerando que são efeitos descritos na química orgânica, onde existem termos como estereoquímica e estereoisómero, pergunto se se traduz para "efeitos estéreos", ou então para evitar a confusão com o estéreo radiofónico, empregar a opção "efeito estérico". Esta opção é mais próxima da utilizada em francês "effet stérique".

Um obrigado antecipado e pelo sítio Ciberdúvidas.

Resposta:

O termo registado como pertencente à química é estérico, «relativo a geometria de uma molécula», formado por estér(eo-) + –ico, «provavelmente por influência do inglês steric (1895-1900)», que tem o mesmo significado (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). É, pois, de evitar o uso de estéreo no registo em apreço.

Pergunta:

Numa questão em que se pretende localizar erros (sem especificação de tipo), não se deveria considerar como "erro" a expressão «gotas de orvalhos»?

Muito obrigada.

Resposta:

F. V. Peixoto da Fonseca observa que «gotas de orvalho» é mais expressivo que o simples orvalho (sempre com este termo no singular).

Resta-nos acrescentar que orvalho se usa normalmente no singular porque, como fenómeno físico globalmente considerado, é não-contável. Note-se que também não se diz «gotas de chuvas» ou «flocos de neves», a não ser que se diga que se analisaram «gota de chuvas que caíram em momentos diferentes» ou «flocos de neves diferentes (por exemplo, da Serra da Estrela e dos Montes Cantábricos)». Tratar-se-á, pois, de um erro, se o contexto não precisar do plural.

Pergunta:

Eu gostaria de saber qual o significado do meu sobrenome Fatel e a origem dele! Se vocês conseguirem desvendar esse mistério, eu ficarei muito feliz!

Resposta:

Não conseguimos identificar a origem precisa do apelido em questão. No Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, registam-se formas que se afiguram próximas do nome Fatel ou a ele semelhantes, a saber:

«Fatela, top[ónimo]. Fundão [Beira Baixa, Portugal]. Origem obscura.»

«Fatela, apel[ido]. [...] ant[iga] alc[unha]. De Fatela [topónimo].»

«Fatelo, apel[ido] [...] Ant[iga] alc[unha]. Do top[ónimo] Fatela. Significa: "natural de Fatela".»

Existem também o topónimo Fatal (São Paulo, Brasil) e o {#apelido|sobrenome} Fatal (idem). E pode ainda pôr-se a hipótese de Fatel ser a adaptação de um nome estranho à língua portuguesa. É, portanto, obscuro o significado original deste nome.

Pergunta:

Por que malmequer é escrita junto, e bem-me-quer, separadamente?

Resposta:

Os dicionários consultados são omissos quanto à diferença de critério gráfico entre malmequer e bem-me-quer. Esta última forma talvez se relacione com a necessidade de indicar a pronúncia de bem no composto, que não seria adequadamente representada por "bemmequer" ou "bemequer".

Pergunta:

Estou a fazer uma pesquisa, para o mestrado sobre a aldeia de Alvarelhos, incidindo na estação arqueológica aí existente. Gostava de começar o meu trabalho invocando o significado etimológico desta palavra. Já consultei a 2.ª edição do vosso dicionário, mas o que encontrei foi «Alvarelhão, s. tipo de vinho tinto. De Alvarelhos, top.» Posso acrescentar ainda que tenho informações que o topónimo "Alvarelhos" é invocado nos documentos medievais da época de (séc. X) S. Rosendo (arquivos Beneditinos) e nas segundas Inquisições Gerais de D. Dinis de 1290, figurando já como unidade regional bem definida, no foral de D. Manuel I em 1519 à Vila da Maia. Deste modo, solicitava vossa ajuda, se possível, para que possa enriquecer o meu trabalho de mestrado.

Resposta:

Começo por esclarecer que não temos nenhum dicionário publicado e que o tipo de ajuda de que precisa requer mais investigação do que a que podemos dar-lhe aqui.

Seja como for, remeto-a para José Pedro Machado, que no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa diz tratar-se de topónimo de Entre Douro-e-Minho (Santo Tirso), Trás-os-Montes (Valpaços) e Beira (Carregal do Sal, Tábua); também se encontra na Galiza. Existe uma ribeira com este nome, também chamada Ribeirinha. Atestado entre 907 e 1057 como Alvarelios e Alvarelius. Machado termina com uma hipótese: «Deve estar ligado a Álvaro.»

Contudo, A. de Almeida Fernandes refuta a opinião de Machado (Toponímia Portuguesa, Arouca, Associação de Defesa Arouquense, 1999, pág. 40):

«Não se entende tal ligação, pelo próprio sufixo, -elhos; de mais a mais, no plural: que poderia, de facto, significar, com toda esa vulgaridade toponimicamente expressa? O que temos é «alvar» + elho (<-iculu-), no plural, reflectindo um antigo vocábulo, *alvarelho, relativo àquela espécie de carvalho.»

Alvarelhos liga-se ainda ao topónimo Alvarede, que  Machado também deriva de Álvaro, mas Almeida Fernandes rebate tal sugestão (idem):

«O que se tem em Alvaredo é o derivado em -edo < -etu de «alvar», relativo ao carvalho: este produziu topónimos como Alvares, Alvarenga, Alvarinho, etc; e o sufixo -edo é «botânico» por excelência, sendo aquela espécie vegetal a caracterizadora de região fitoclimática na metade norte do País.»

Recorde-se que a quercus robur é também conhecida em Portugal como carvalho...