Pergunta:
Quando um estrangeirismo proveniente de uma língua sem distinção de géneros (como é o caso do inglês) é adoptado por uma língua que distingue entre masculino e feminino (como é o caso do português), quais são os processos pelos quais ele adquire um género próprio? Claro está, não me refiro a casos como password (a qual sendo traduzida literalmente adquire o género da palavra portuguesa palavra = word, resultando como tal em «a password») ou web/net («a teia»/«a rede», portanto «a web/net»), mas sim a casos como "o drive", o "rap", "o skate", "o puzzle", "o poster", etc., palavras estas que não têm tradução literal.
Será que não tendo marcas visíveis que lembrem o género feminino, os estrangeirismos adoptam todos o género masculino (fazendo do género masculino uma espécie de género neutro, como no alemão ou no latim)? Será que há estrangeirismos com possíveis marcas do feminino que adoptam mesmo assim o género masculino e vice-versa? Haverá uma regra que se possa seguir?
(Esta questão vai no seguimento de uma pequena mas inspiradora discussão com um aluno de Macau, a quem ocorreram estas dúvidas. Obrigada, Vítor.)
Resposta:
O género do estrangeirismo parece depender o mais das vezes da palavra equivalente em português. No entanto, há também tendências definidas por certas sequências sonoras que podem ser encaradas como unidades morfológicas a que se atribui o género feminino.
Os exemplos de estrangeirismos adaptados ao feminino mencionados na pergunta não têm as características fonéticas correspondentes, porque não têm o -a final (o índice temático) que normalmente associamos a esse género. O mesmo se pode dizer dos anglicismos masculinos, que não ostentam o -o final do masculino. Por exemplo, quer o grupo constituído por password, web, net, no feminino, quer o de rap, skate, puzzle, todos no masculino, apresentam consoantes que não são possíveis em posição final — até porque o -e final de drive ou skate não é pronunciado nestes casos, e puzzle é mesmo muito especial. Mesmo que, ao pronunciarmos essas palavras, as interpretemos como uma sílaba formada por elas e um "e" final (pronunciado [ɨ], em português europeu, ou [i], em português do Brasil), a indefinição do género mantém-se, porque, em português, nem todas as palavras terminadas em consoante + "e" pertencem ao mesmo género: «a frente»/«o crescente»; «a diatribe», «a sebe», «a urbe»/«o adobe», «o bibe», «o derrube»; «a estirpe», «a gripe»/«o escape», «o galope».
Demos um exemplo: por que razão se diz «o after-shave» e não «a after-shave», quando sabemos que se trata de uma loção? É porque cheira bem e se assemelha ao que se designa perfume, que é masculino? É porque pensamos em «o momento depois de fazer a barba»?
Mas há também variação na adaptação de anglicismos: ...