Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Relativamente à frase «Nos grandes campos nascem papoilas e flores amarelas», «Nos grandes campos» é grupo nominal, ou grupo móvel?

Grata pela atenção.

Resposta:

Na didáctica do português como língua materna, costuma-se chamar grupo móvel a uma expressão cuja colocação na frase é, à semelhança dos advérbios, de certo modo livre. Por exemplo, o advérbio aqui pode encontrar-se à cabeça ou no fim da frase:

(1) «Aqui nascem papoilas e flores amarelas.» = «Nascem aqui papoilas e flores amarelas.» = «Nascem papoilas e flores amarelas aqui.»

Há expressões aparentemente nominais mas de valor adverbial temporal que se comportam como aqui em (1):

(2) «Todos os anos nascem papoilas e flores amarelas.» = «Nascem todos os anos papoilas e flores amarelas.» = «Nascem papoilas e flores amarelas todos os anos.»

A possibilidade de mudar de ordem na frase indicia que «todos os anos» é na realidade um grupo móvel.

Do mesmo modo que em (1) e (2), também na frase apresentada pela consulente ocorre uma expressão («nos grandes campos») com uma certa mobilidade:

(2) «Nos grandes campos nascem papoilas e flores amarelas.» = «Nascem nos grandes campos papoilas e flores amarelas.» = «Nascem papoilas e flores amarelas nos grandes campos.»

«Nos grandes campos» constitui um grupo móvel.

Mas existe ainda outro critério para identificar este constituinte: se é introduzido por uma preposição, então é porque se trata de um grupo móvel. No caso de «nos campos grandes», a contracção nos indica a presença de uma preposição (em + os), logo estamos na presença de um grupo móvel.

 

Pergunta:

A toponomia da Guiné-Bissau é fonte de grande confusão para os falantes da língua portuguesa. Já aqui em tempos levantámos a questão da grafia de Guileje/Guilege/Guiledje... Ainda recentemente participei num Simpósio Internacional de Guiledje (e não Guileje), em Bissau (1 a 7 de Março de 2008).

Há dias passou na televisão (SIC) e foi publicado num semanário (Visão) uma reportagem sobre Guidage, e a exumação e a identicação de restos mortais de militares portugueses, que lá morreram e ficaram sepultados, em Maio de 1973... Eu costumo seguir a fixação dos topónimos feita, na antiga Guiné portuguesa, pelos nossos magníficos cartógrafos militares. Mas também eles erra(va)m. Consagraram duas grafias para esta obscura povoação no Norte, na zona fronteiriça, junto ao Senegal, povoação onde havia um aquartelamento português no tempo da guerra colonial/guerra do ultramar. Guileje e Guidaje são hoje dois topónimos que fazem parte da história de ambos os países, a Guiné-Bissau e Portugal... Seria bom que nos entendêssemos sobre a sua grafia correcta...

Ver as cartas sobre Guidage/Guidaje, disponíveis em linha, a partir do meu blogue:

Luís Graça & Camaradas da Guiné

Carta da Província da Guiné, 1961 

Carta de Guidaje, 1953

Parabéns pelo vosso magnífico trabalho em prol da língua portuguesa e dos falantes da língua portuguesa (tão pouco falada, infe...

Resposta:

Na transcrição de nomes africanos de origem banta, que pertencem ao grupo Benue-Congo do ramo Níger-Congo da família níger-cordofânia1, a tendência é usar o grafema j antes das letras e e i  para representar uma série de sons vozeados (sonoros), realizados como fricativa pré-palatal [Ʒ] (o j de janela), africada pré-palatal [dƷ] (como em italiano, Giovanni) ou qualquer outro som que soe semelhante ao ouvido português. Assim, em  nomes de lugar de países onde se falam tais línguas, dever-se-ia usar o j para representar tais sons: Malanje e Uíje (em Angola; cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966).

No caso da Guiné-Bissau, não temos línguas bantas; trata-se de línguas da mesma família e do mesmo ramo, mas de grupos diferentes: o mandinga e o soninqué são membros do grupo mande, e as restantes, do grupo atlântico2. Também neste caso me parece de aconselhar o j para transcrever os sons que, nestas línguas da Guiné-Bissau, soarem como fricativa, africada ou som semelhante. Recomendo, portanto, que se escreva Guidaje e Guileje, pelo menos, em português europeu.

Dito isto, sabemos que a norma brasileira aceita o dígrafo dj em variação com j (ver Dicionário Houaiss); por exemplo: djila/jila («mascate que circula entre a Guiné-Bissau (África) e os países vizinhos»). Surge aqui uma alternativa à disposição dos países africanos em que o português é língua oficial: sabendo que esta...

Pergunta:

A palavra vestuário é um nome colectivo, ou comum? E a palavra lenha?

Resposta:

Em primeiro lugar, é preciso frisar que os substantivos comuns podem ser  substantivos colectivos: boi é um substantivo comum que designa normalmente o indivíduo de uma espécie; e manada é também um substantivo comum, neste caso, designativo de um conjunto de animais. Deste modo, o nome (ou substantivo) colectivo refere-se, no singular, a uma realidade plural: conjunto de seres ou objectos que pertencem a uma espécie ou grupo.

Os casos em questão não são exemplos claros de nomes ou substantivos colectivos. A palavra vestuário abrange um conjunto de peças de roupa e, por isso, é considerada substantivo colectivo (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa); mas não é adequado classificá-la assim, se remeter para um modo de vestir (cf. idem).

Pela sua parte, lenha pode ser constituída por um conjunto de raízes, troncos, ramos e desperdícios de madeira e, como tal, seria susceptível de ser vista como colectivo. No entanto, como na significação da palavra o que se salienta é a definição de um tipo de madeira (a que será queimada), a sua classificação como colectivo é de evitar.

Pergunta:

Solicito informação sobre a origem do apelido Falhas, existente em famílias de Meda e Pinhel, pouco numerosas em Portugal. Julgo semelhante ao apelido Fallas (de Espanha).

Obrigado.

Resposta:

Apenas encontramos Falha, registado como topónimo brasileiro no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. E o nosso consultor F. V. P. da Fonseca sugere como étimo do apelido o substantivo falha. Por último, confirmamos que existe o  apelido espanhol Fallas. Mas não temos fontes que expliquem claramente a origem do nome português.

Pergunta:

A palavra dado(a), na seguinte frase, é adjetivo ou advérbio?
«Pensava que, dado ou dada (?) a sua juventude e por trajar saia e blusa branca, a tomariam por colegial.»

Resposta:

É adjectivo, mas numa construção particular, em que «costuma introduzir oração reduzida de particípio com valor causal: dada a ira do povo, a tropa recuou» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Seguido da conjunção que, forma uma locução conjuntiva que introduz três tipos de oração subordinada (ibidem):

a) oração subordinada adverbial causal com valor de «já que»: «Dado que tinha frio, vestiu o casaco»;

b) oração subordinada adverbial condicional, com valor de «se»: «Dado que você vai, eu fico»;

b) oração subordinada adverbial concessiva, com valor de «embora»: «dado que estivesse triste, não chorou.»