Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou em dúvida. Seria somente a pontuação?
O autor do texto abaixo conhece um tipo de exercício cuja estrutura lembra propriedades de um círculo vicioso e tenta reproduzi-lo. No entanto, não é bem-sucedido.
(...) gera-se, assim, o círculo vicioso do pessimismo. As coisas não andam porque ninguém confia no governo. E porque ninguém confia no governo as coisas não andam.
a) Reescreva o trecho de maneira que ele passe a ter estrutura de um verdadeiro círculo vicioso.
b) Comparando o que você fez e o que fez o autor, explique em que ele se equivocou.

Resposta:

Para ilustrarem um círculo vicioso, as duas últimas frases da passagem em questão deveriam ter a seguinte formulação:

«As coisas não andam porque ninguém confia no governo. E ninguém confia no governo porque as coisas não andam.»

Na formulação inicial, o que há é a simples repetição da oração «porque ninguém confia no governo», sem conseguir sugerir uma relação de mútua causalidade entre «as coisas não andam» e «ninguém confia no governo».

Note-se que os conceitos de círculo (ou ciclo) virtuoso e círculo (ou ciclo) vicioso são usados frequentemente em economia.

Primeiro exemplo

Se os empresários subirem os preços dos seus produtos para obterem mais lucro, limitam o poder de compra dos consumidores. Se estes consumirem menos, as empresas venderão menos. Se venderem menos, terão de reduzir o pessoal, e o consumo volta a baixar. Assim se cria um círculo vicioso.

Segundo exemplo

Os empresários melhoram as tecnologias de produção e desenvolvem a produtividade das suas empresas. Vendem os produtos ao preço corrente ou baixam os preços para atraírem os clientes. Com os lucros obtidos, fazem investimentos no mesmo ramo ou em novos produtos. São admitidos novos empregados que se tornam novos consumidores. Os seus consumos dinamizam o mundo dos negócios. Assim, se desenvolve um círculo virtuoso.

Nas frases apresentadas «As coisas não andam porque ninguém confia no governo» e «porque ninguém ninguém confia no governo, as coisas não andam», estamos perante uma informação que se repete. Sabemos apenas que não há nenhum movimento.

Pergunta:

Qual o correto?

1 — Regulamento Oficial dos Campeonatos Municipal de Futebol

Obs. «Campeonatos» porque abrange várias categorias.

2 — Regulamento Oficial dos Campeonatos Municipais de Futebol

3 — Regulamento Oficial do Campeonato Municipal de Futebol — todas as categorias.

Contexto: A dúvida surgiu com a emissão do referido regulamento, sendo que algumas pessoas entendem que:

1 — seria "Campeonatos Municipal" — porque refere-se ao Campeonato e suas várias categorias, sendo "municipal" o município;

2 — seria "Campeonatos Municipais" — por questão de concordância, sendo que «municipais» refere-se as atividades desenvolvidas pelo município e não ao próprio município.



Resposta:

O adjectivo municipal significa «relativo a município». Quando associado a um substantivo, concorda em número, e diz-se, por exemplo, «campeonatos municipais».

Quanto à concordância de género, trata-se de um adjectivo uniforme, isto é, não há diferença entre forma masculina e feminina:

«campeonato/iniciativa municipal».

Deste modo, as designações «campeonatos municipal» em 1 e 3 estão obviamente incorrectas, porque violam a regra de concordância no plural.

As expressões correctas são, portanto, «Regulamento Oficial do Campeonato Municipal de Futebol» (se se tratar do mesmo tipo de iniciativa com edições realizadas ciclicamente) e «Regulamento Oficial dos Campeonatos Municipais de Futebol» (se existirem diferentes tipos de campeonato).

 

Pergunta:

Perna-vermelha designa o nome de uma ave limícola da família dos maçaricos, com o nome científico Tringa totanus.

Os observadores de aves referem-se a esta espécie no masculino: «o perna-vermelha», «um perna-vermelha», havendo também referências bibliográficas antigas (de 1930) que utilizam o género masculino quando se referem a esta espécie.

Contudo, em todos os dicionários que consultei, o termo perna-vermelha é registado como sendo um substantivo do género feminino.

Penso que esta é uma daquelas situações em que os dicionários registam uma forma, e as pessoas que mais utilizam o termo preferem outro género.

Gostaria que me esclarecessem sobre o género correcto da palavra perna-vermelha. A mesma dúvida se aplica à ave perna-verde (a qual, contudo, não encontrei nos dicionários).

Resposta:

É frequente haver discrepâncias entre os dicionários gerais e o uso de certos termos menos correntes ou mais especializados. Em princípio, perna-vermelha é um composto que deveria ser do género feminino, porque é feminina a palavra perna, que é núcleo da expressão sintática que lhe deu origem, e porque se lhe associa a palavra ave, também feminina. Mas se considerarmos que ave tem um sinónimo masculino que é pássaro, então compreende-se que se atribua a perna-vermelha o género masculino. De qualquer modo, considero que a conjugação dos argumentos morfológico e semântico confere mais força à classificação de perna-vermelha como substantivo feminino.

Pergunta:

Voltando à questão, já abordada, de termos como «Estado-membro», grafados com ou sem hífen, um dos consultores do Ciberdúvidas afirma a dada altura, nos seus esclarecimentos: «... é a mesma regra (sem hífen), quando nos referimos a clube membro, empresa associada, sócio gerente, administrador delegado, etc., etc.».

No entanto, a minha dúvida tem que ver com a questão daquilo a que, à falta de melhor, chamarei de «simultaneidade» da situação do sujeito. Explico-me: «sócio-gerente» não deverá grafar-se com hífen, precisamente por a pessoa ter a qualidade de ser simultaneamente «sócio» e «gerente» da empresa? A palavra «gerente», pelo que vi no dicionário, tanto pode ser um adjectivo, e, neste caso, sim, estaria apenas a qualificar o sócio (portanto não se justificaria a utilização do hífen), mas pode também ser, ela própria, um substantivo, e, nesse caso, estaremos perante um composto de dois substantivos, onde suponho que se justifica a utilização do hífen (como, por exemplo, em «capitão-tenente»).

Será possível darem mais uma pequena achega a este assunto, por favor?

Resposta:

À luz das regras ortográficas que vigoram ainda neste momento em Portugal, ou seja, as do Acordo Ortográfico de 1945, se as palavras que formam um composto são dois substantivos, tende-se a empregar hífen para as ligar: comboio-fantasma e cirurgião-dentista.

Digo «tende-se», porque considero que o texto de 1945 não define claramente os critérios para a atribuição de hífen; ora vejamos (sublinhados meus):

«Emprega-se o hífen nos compostos em que entram, foneticamente distintos (e, portanto, com acentos gráficos, se os têm à parte), dois ou mais substantivos, ligados ou não por preposição ou outro elemento, um substantivo e um adjectivo, um adjectivo e um substantivo, dois adjectivos ou um adjectivo e um substantivo com valor adjectivo, uma forma verbal e um substantivo, duas formas verbais, ou ainda outras combinações de palavras, e em que o conjunto dos elementos, mantida a noção da composição, forma um sentido único ou uma aderência de sentidos.»

Quanto a mim, a passagem «... forma sentido único ou uma aderência de sentidos» é vaga, porque  diz que um composto tanto terá um «sentido único» como um sentido que parece ser a «aderência» ou coalescência de outros. Se a um composto pode também estar associada a modulação dos significados originais de duas palavras que formavam uma expressão composicionalmente analisável, então como definir a fronteira entre um composto que tem uma «aderência de sentidos» (ex., cor-de-rosa) e uma expressão cujo significado é ainda composicional (ex., «cor de areia»)? A minha resposta é: muito dificilmente, por falta de critérios objectivos.

Deste modo se compreende que não haja claro consenso quanto à representação gráfica de um composto, como se constata na resposta em causa.

Pergunta:

Qual a origem da expressão «estar pela hora da morte»?

Resposta:

Não encontrámos fontes que nos dessem explicação sobre a origem da expressão em apreço, que significa «ser muito caro». Adivinha-se que se trate de uma metáfora: o muito dinheiro gasto num artigo caro é como se nos custasse a vida.