Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estimados consultores, bem sei que já responderam a esta questão anteriormente, mas, como continuo com dúvidas, não posso deixar de vos convidar a responder novamente. Trata-se da expressão «massa crítica». Tenho ouvido esta expressão amiúde ultimamente, nos mais variados contextos do quotidiano (frequentemente em reuniões de negócios). Ninguém parece saber o que a expressão significa ao certo e parece bastante «plástica». Ora significa «conteúdo sobre o qual pensar» ora é usada, por exemplo, como sinónimo de «dimensão». Estas «novidades» não são novas, mas esta tem algum fundamento?

Obrigada e continuação de bom trabalho!

Resposta:

Numa resposta, Maria Regina Rocha define massa crítica aproximadamente como «pessoas que desenvolvem um pensamento próprio». No entanto, no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, massa crítica é um termo da física nuclear que significa «a menor massa de um material físsil [= susceptível de fissão nuclear] capaz de manter uma reação nuclear em cadeia».

O Dicionário de Anglicismos e de Palavras Inglesas Correntes em Português (Rio de Janeiro, Elsevier, 2006), de Agenor Soares dos Santos, é mais esclarecedor, porque indica que massa crítica se trata da adaptação do inglês critical mass, cuja formação é explicada deste modo (foram desenvolvidas as abreviaturas do texto original):

«Expressão da Física que entrou para a língua comum, em sentido figurado, não dicionarizado no Brasil (também recente em inglês: 1972), bem expresso na seguinte passagem: "A primeira bomba atômica baseava-se no princípio de que, se você juntar quantidades suficientes de urânio-235, produzir-se-á uma reação em cadeia que levará à fissão nuclear e à explosão. Chama-se a isto massa crítica. Agora: junta as duas Alemanhas, elas formam uma massa crítica? E que tipo de reação será desencadeada?" (M. Scliar, Zero Hora, 1990). É um tamanho, número ou quantidade suficientemente grande para produzir o efeito desejado ou esperado, ou para que algo aconteça ou possa continuar [...]. A utilidade da expressão não deve levar ao exagero do economês em frases como a seguinte, em que ela pouco ou nada diz para o leitor comum: "O ministro do Planejamento negou a falta de transparência nos gastos (...), e enunciou que (...), `quando tivermos massa crítica´, será possível avaliar padrões de despesa (Folha de São Paulo, 2005; aspas do jornal).»

Por...

Pergunta:

Gostaria de saber a origem dos sobrenomes Pereira e Pinto.

Obrigada.

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico, de José Pedro Machado, não adianta muito sobre a origem do apelido Pinto, considerando-o uma antiga alcunha, derivada do substantivo masculino pinto, «cria de galinha». Observe-se, no entanto, que, no mesmo dicionário, Pinto é também nome de povoação em Portugal, na Galiza e na zona de Toledo (Espanha). Machado não estabelece qualquer relação ente o topónimo e o apelido.

Pereira será uma antiga alcunha que se tornou apelido. Como alcunha, indicava a naturalidade ou a proveniência do lugar chamado Pereira, que é topónimo frequente em Portugal e na Galiza.

Pergunta:

Como justifico a análise morfológica da palavra inativo? Algumas gramáticas apontam [IN]prefixo[AT] radical[IVO]sufixo e outras[IN]prefixo[ATIV]radical [O]vogal temática. Concordo com a primeira análise ao levar em conta o sufixo de formação de adjetivo a partir de substantivo, porém não encontro a etimologia do radical [AT].

Resposta:

A palavra inactivo deriva de activo, adjectivo que tem origem latina:

«lat. act—vus,a,um 'ativo, que age, que tem significação ativa'; ver ag-; f.hist. sXV actiuo, sXV auctiuo, sXV autiuo» (Dicionário Houaiss)

É propriamente em latim que se pode dizer que -ivus é um sufixo, mas a abundância de nomes que têm origem em formas latinas terminadas com este sufixo permite depreender o sufixo também em português. Eu diria então que o sufixo passou ao português e, como tal, é produtivo:

[[in]prefixo [[act]radical [iv]sufixo [o]índice temático]

Pergunta:

Tenho uma dúvida que anda tirando o meu sono. Há alguns dias, prestei uma prova para um concurso, o mesmo trazia a seguinte questão:

«Em 2206 foram reportados acidentes em 68 países — e sete áreas não reconhecidas como nações independentes — em todos os continentes.»

Dentre algumas afirmações, a resposta correta dizia que os travessões poderiam ser trocados por vírgulas. Minha dúvida é quanto ao uso da vírgula, ou dos travessões, pois acredito que o e colocado após o travessão, possa ser uma conjunção aditiva, sendo, portanto, desnecessário ou irregular a expressão citada acima vir isolada entre vírgulas ou travessões, logo a questão formulada estaria errada. Estou certo ou equivocado? Se for possível responderem-me aguardo resposta e parabéns por este espaço.

Resposta:

Usam-se os travessões para destacar informação. Na frase em apreço, temos uma estrutura de coordenação: «foram reportados acidentes em 68 países» e «foram reportados acidentes em sete áreas não reconhecidas como nações». O que esta sequência significa é que os acidentes ocorreram em países e áreas que não têm independência política; estas áreas podem ou não estar incluídas pelas fronteiras políticas dos países em causa. Mas os travessões nada indicam quanto à relação entre «países» e «áreas». Por conseguinte, sem constituir nitidamente um erro, também não se compreende a necessidade dos travessões, quando na frase bastava usar a coordenação da expressão «sete áreas não reconhecidas como nações» com a conjunção e.

É possível ainda supor que os travessões ocorrem para evitar o adverbial «em todos os continentes» e sejam apenas modificador de «sete áreas não reconhecidas como nações». Se é essa a intenção, poder-se-ia, em alternativa aos travessões, aplicar uma vírgula:

«Em 2206 foram reportados acidentes em 68 países e sete áreas não reconhecidas como nações independentes, em todos os continentes.»

Mas se o perigo é ambiguidade (o que é que fica em todos os continentes? 68 países? sete áreas? ambos?), então melhor será deslocar o constituinte «em todos os continentes» na frase; por exemplo:

«Em 2206, em todos os continentes, foram reportados acidentes em 68 países e sete áreas não reconhecidas como nações independentes.»

Pergunta:

Uma das minhas actividades é a revisão de textos e tenho-me deparado com uma dificuldade em particular para a qual não encontrei ainda respostas satisfatórias.

Gostaria de saber se existe alguma norma para a grafia de certos termos compostos utilizados nos vários ramos das ciências. Refiro-me, nomeadamente, a exemplos como os seguintes: "sócio-económico" ou "sócio-político", que tenho visto como "socioeconómico" ou "sociopolítico" respectivamente. Mas, se a estes acrescentarmos mais uma palavra, como por vezes acontece, teremos "sócio-político-económico", "sociopolítico-económico", "sociopolíticoeconómico" ou alguma outra variante? É que a eliminação dos hífens e a pura justaposição das palavras torna-se progressivamente mais difícil de ler.

Por outro lado, a prática, ao que parece generalizada, de eliminar os hífens traduz-se por vezes em resultados um tanto ou quanto insólitos, como por exemplo "imunohemoterapia" ou, pior ainda, "parathormona". Aliás, a respeito destes dois últimos exemplos, gostaria de saber se os campos da medicina e da farmacologia ou da química, para citar apenas estes, estão isentos, na sua terminologia específica, de terem de se submeter às regras linguísticas.

Pergunto isto, por já ter visto termos como "dehidrohepiandrosterona" ou "hidroxietilcelulose" (sem qualquer hífen) ou como o incrível "cloridrato de trans-4-[(2-amino-3,5-dibromobenzil)amino]-ciclohexanol" — com os hífens e os parênteses exactamente como indico aqui.

Onde poderei então encontrar indicações fiáveis (?!) relativamente à utilização ou não dos hífens?

Obrigado!

Resposta:

Antes de comentar cada um dos casos referidos pelo consulente, importa saber que o consulente foca dois casos diferentes de composição: um é o percurso de sócio- ou socio- como elemento antepositivo de composição erudita; outra é a questão geral da grafia dos compostos eruditos. Em ambas as situações as normas gráficas aplicadas têm sido, em Portugal, as do Acordo Ortográfico de 1945 (Base XXIX). As normas a introduzir com o novo Acordo Ortográfico são as que constam da Base XVI do mesmo.

1. Pedimos o parecer de D'Silvas Filho sobre a grafia de palavras que incluam o elemento sócio-:

«Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, recomenda: "Nos compostos em que entram, morfològicamente individualizados, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva", deve-se usar o hífen. Exemplos da obra: "africano-árabe", "físico-químico-naturais". Nesta ideia e considerando sócio um adjectivo, na alternativa aceite pelo Dicionário Houaiss, eu escreveria: sócio-político, e sócio-político-económico.

Note, porém, que o léxico já regista sociopolítico e socioeconómico. As justificações de Rebelo Gonçalves são difíceis de sustentar presentemente, pois pouca gente consegue descortinar hoje a origem grega ou latina dos agrupamentos de letras para poder escolher convenientemente, e, além disso, o uso muitas vezes ignorou essas regras.

Por outro lado, não posso recomendar a fusão dos três elementos, para se ter uma unidade mórfica, como se teria em sócio-político-económico...