Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na consulta do Corpus do Português [de Mark Davies e Michael J. Ferreira] encontrei a expressão «boa sombra».

Não compreendo precisamente o significado da locução.

Imagino que em João de Barros («Céu, Terra, Lua e Estrelas, a quem adoram e nele fazem sua boa sombra») quer dizer «proteção»; que em Gaspar Frutuoso («e do rosto de Filomesta, cheio de uma tão boa sombra»), é «graça», «bom semblante».

Não entendo muito bem o significado no Auto da Festa, de Gil Vicente: «Rascão Olhai-me esta boa sombra este lírio esmaltado que vos parece senhora?».

Em História da Vida do Padre S. Francisco Xavier («a mesma cor e boa sombra do rosto, as mesmas mostras mais de vida que de morte»), talvez seja também «graça». E em Menina e Moça, «hum pouco ficou como que vira cousa desacostumada, e eu que tambem assi estava, nam de medo, que a sua boa sombra logo mo nam consentio»; «Nam esteve ella muito, que parece que conhecendo tambem de mi como estava, com hua boa sombra»), e em Francisco Manuel de Melo, poderia ser «elegância», «bons modos».

Peço desculpa pela extensão da pergunta e agradeço-lhes a amabilidade.

Resposta:

Uma consulta do Dicionário Houaiss mostrará que a palavra sombra pode ser usada como arcaísmo na acepção de «expressão fisionômica; aspecto, semblante, ar. Ex.: a agradável sombra do anfitrião deixava todos à vontade». O Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, também regista sombra com o sentido figurado de «aparência, aspecto, semblante». Deste modo, a expressão «boa sombra» é compatível com os contextos e os significados enumerados pela consulente.

Pergunta:

A minha pergunta talvez seja absurda e por isso peço-vos desde já desculpa por isso.

Tenho o hábito de escrever e por vezes consulto o dicionário, mas, sempre que procuro alguma palavra no dicionário fico sempre a pensar qual das que me aconselha o dicionário devo usar. Claro que (espero não estar a dizer uma asneira) muitas das vezes devemos usar aquela que nos soa melhor, que dá mais ritmo ao texto, etc., mas a minha dúvida é sempre esta: em textos que não quero que sejam ambíguos, que critério devo usar na escolha da palavra? Isto é, há palavras que têm vários significados, e muitas delas querem dizer o mesmo; por conseguinte, como posso saber qual delas é a que se refere melhor àquilo que eu quero dizer, isto é, a mais genuína, se é que me faço entender?

Resposta:

Antes de mais, não considero a sua pergunta absurda e confesso que me identifico — como creio que muitos leitores se identificarão — com essa busca permanente e por vezes frustrada pelo melhor termo, de entre vários sinónimos. Em jeito de resposta, diria que tudo depende de cada frase e de cada palavra em particular. Numas vezes, a escolha mais adequada prende-se com aspectos prosódicos (de ritmo, de sonoridade), noutras haverá subtis diferenças de sentido entre os termos que levam a concluir que um deles é mais rigoroso ou inequívoco do que os outros.

 

Pergunta:

Solicito me esclareçam se no citado nome próprio a grafia correta é "Herlander" ou "Erlander".

 

Resposta:

A grafia correcta do nome próprio em apreço é Herlânder. Segundo José Pedro Machado, «a origem dever ser germânica, de heri-, "exército", e land, "terra, território"; o suf. -er deu-lhe o sentido de «aquele que possui ou vive em terra onde está ou onde esteve um exército».

Pergunta:

No momento estou fazendo estágio com uma turma do 1.º ano do ensino médio em uma escola pública de minha cidade. Um aluno me perguntou porque a palavra honra se escreve apenas com um r. Não soube o que responder e ainda não encontrei a resposta. Será que vocês podem me ajudar?

Obrigada.

Resposta:

Do ponto de vista gráfico (pelo menos), o <r> é simples porque, apesar de forte, se encontra não entre vogais mas depois de uma consoante, que no caso é <n>. Trata-se de uma situação semelhante às de melro e Israel, cujos erres se pronunciam fortes, porque iniciam uma nova sílaba. Note-se, portanto, que, em interior de palavra, só depois de <n>, <l> e <s> é que o <r> simples se pronuncia como o de carro ou rato. Noutros casos, o som da letra é como o de caro: prata, briga, tropa, droga, cravo, grato, fraco, livro.

Pergunta:

Porque é que história em português tem acento e em espanhol não tem?

 

Resposta:

Por diferentes convenções ortográficas. Em português, considera-se que, para efeitos de representação gráfica, um i seguido de vogal é sempre um hiato, isto é, o i e a vogal são núcleos de sílabas diferentes. Quando tal sequência se encontra em final de palavra, sem receber acento tónico, a sílaba que precede a que tem o i por núcleo, isto é a terceira sílaba a contar do fim, torna-se tónica; sendo assim, aplica-se o acento gráfico a essa antepenúltima sílaba, à semelhança de todas as palavra esdrúxulas (ou proparoxítona): história = his-tó-ri-a

No castelhano, o princípio é diferente, porque i + vogal é normalmente ditongo. Sendo assim, em final de palavra, se a sílaba que precede a que contém o ditongo receber acento tónico, não é preciso acento gráfico, visto tratar-se da penúltima sílaba: historia = his-to-ria.