Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se escreve e se pronuncia este nome: "Raí"? "Rái"? "Rai"? "Rāi"? (com acento mácron no a).

E por que razão o nome Luís/Luiz se escreve de duas formas?

Quais os critérios subjacentes para que uma pessoa possa escrever o seu nome terminado em s e outras vezes em z?

E por que razão o i leva acento agudo?

Que característica fonética tão peculiar se encontra no nome para o mesmo poder ser escrito de duas formas?

Muito obrigado.

Resposta:

Confesso que não conhecia o nome, que só poderá ter as seguintes formas:

a) "Raí", pronunciado com duas sílabas ("ra-i") e com acento agudo na última letra para indicar que o i não forma ditongo com a vogal precedente (representada por <a>);

b) "Rai", pronunciado com uma única sílaba ("rai") e sem necessitar de acento gráfico.

Note-se que a forma com mácron — Rāi — só poderá ser estrangeira; e, em a), a vogal representada pela letra a pode ser aberta (como o a de fato) ou fechada (como o a de amo).

Quanto a Luís/Luiz, trata-se de uma falsa alternância, uma vez que o acordo ortográfico que ainda vigora em Portugal legitima apenas a grafia Luís (o mesmo acontecerá quando se puser em prática o novo acordo) A forma com z é uma grafia antiga que algumas pessoas mantêm, contrariando as regras estabelecidas. Em relação ao acento gráfico, é uma maneira de o nome ser pronunciado como dissílabo ("lu-is") e não como monossílabo ("luis", com ditongo "ui").

Pergunta:

Como é a forma correcta no plural de hospital-empresa? "Hospitais-empresa"?

Muito obrigado.

Resposta:

Há duas possibilidades para o plural de hospital-empresa:

a) hospitais-empresa, se a palavra se referir a um tipo de hospital, por oposição a hospitais que não são geridos como uma empresa;

b) hospitais-empresas, se a intenção for definir um estabelecimento que é simultaneamente um hospital e uma empresa.

Confesso que a diferença entre as definições a) e b) me parece mínima, porque nada obsta (pelo menos actualmente) a que se encarem muitos estabelecimentos e instituições também como empresas, uma vez que esta realidade se confunde com um modelo de gestão que visa o lucro. Deste modo, qualquer unidade que dispensa cuidados de saúde e que é gerida como uma empresa torna-se ela mesma uma empresa e, por consequência, a possibilidade b), hospitais-empresas, faz jus a tal funcionamento.

Como já deixei adivinhar, só tem sentido falar da maior correcção de um plural em relação ao outro, se com isso quisermos dizer que um é mais adequado à realidade que nomeia do que o outro. Suspeito, por isso, de que a opção por um dos plurais acabe por também revelar diferentes concepções sobre o grau de empresarialização dos hospitais referidos. Eu diria, portanto, que hospitais-empresa não dá tanto relevo às características empresariais como hospitais-empresas.

Pergunta:

A palavra ai!, que se classifica morfologicamente como interjeição, poderá também ser considerada uma onomatopeia?

Resposta:

Não é uma onomatopeia, porque lhe falta a intenção de imitar um som do mundo físico ou animal não humano. É uma interjeição, porque exprime um estado emocional, geralmente de dor, conforme explica o Dicionário Houaiss:

«[existem interjeições] que apresentam sons articulados, com fonemas que fazem parte do sistema da língua (ai, eba, ei, epa, oba, opa, ui, xi etc.) e cujo caráter vocabular é mais definido, tendo uso bastante generalizado e convencionado, embora algumas guardem espontaneidade e expressividade bastante marcadas, como ai e ui (gritos de dor, excitação); este tipo de interj. incorpora-se, de certo modo, ao repertório comunicativo da língua, passando a fazer parte do vocabulário desta.»

Compreende-se, contudo, que a fronteira entre onomatopeia e certas interjeições não seja suficientemente clara, como aponta o Dicionário Houaiss:

«[há interjeições] que praticamente não apresentam caráter vocabular, já por serem constituídas de sons inarticulados, ou que não fazem parte dos fonemas da língua, já por serem formadas por seqüências de fonemas que não ocorrem em outras palavras; tais interjeições são, de certo modo, o limite da língua, pois, embora sejam emissões acústicas realizadas com o aparelho fonador e tenham função expressiva e comunicativa, estão fora do sistema fonológico, assemelhando-se mais, a este respeito, a elementos não lingüísticos ou supralingüísticos como os gestos, a entonação etc. (algumas dessas interjeições chegam a ter uso relativamente convencional; além disso, podem ou não receber representação gráfica mais ou menos padronizada): ó (vocativo); oh (espanto etc.); x/ch (som do ch, para pedir silêncio); hm ou hm-hm ou ham-ham

Pergunta:

Como se divide silabicamente o vocábulo maisena. No Michaelis, encontra-se ma.i.se.na. Porém, no Luft, encontra-se mai.se.na. Qual a divisão correta?

Resposta:

Maisena é «substância farinácea constituída por amido de milho» e tem origem no nome comercial inglês Maizena, formado a partir da palavra amerínida mahis (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora).

No Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, a divisão das sílabas gráficas é como a de Luft: mai-se-na. E a transcrição fonética do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e a do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, indicam o ditongo [aj] na sequência escrita <mai->, pelo que se deduz que esta representa uma única sílaba.

Cabe, no entanto, citar o que o Dicionário Unesp diz sobre a palavra em questão:

«O esp. maíz "milho" deu o port. maís, daí maisena com s, como registra o VOLP [= Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras]. Mas a marca registrada é maizena e, por isso, as duas formas concorrem.»

Maisena é, portanto, a adaptação de um nome de marca que foi criado em língua inglesa. Como adaptação que é, parece dever o s à palavra maís.

Ora, se este termo tem não um ditongo mas um hiato, porque se pronuncia "ma-ís" (transcrição fonética [mɐ´iʃ], em português europeu), então seria de toda a coerência analisá-lo como um derivado, à maneira do Dicionário Michaelis: maís + -ena.

Isto significa manter o hiato na adaptação do nome inglês e fazer a seguinte divisão: ma-i-se-na. Deste ponto de vista, é, po...

Pergunta:

A fauna pertencente ao grupo dos mamíferos é designada por mastofauna, ou mamofauna?
Já agora, deve-se escrever mamalogia, ou mamologia (ciência que estuda os mamíferos)?
Obrigada.

Resposta:

O ramo da zoologia que estuda os mamíferos é a mastozoologia (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Quanto a mastofauna e mamofauna, são termos que ainda não se encontram registados nos dicionários gerais mas cuja formação é possível.

Observe-se que mastofauna é um composto híbrido, porque é constituído por um elemento de origem grega, masto-, «mama, seio», e por outro de origem latina, fauna (derivado do nome próprio latino Fauna, ae, «irmã e mulher de Fauno, protector dos rebanhos e dos pastores»; cf. idem). Por seu turno, mamofauna é mais coerente, já que mamo- é elemento latino como fauna; por essa razão, podem os gramáticos e dicionaristas dar-lhe preferência, se entretanto o uso não impuser o composto híbrido mastofauna.