Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Recordo ter ouvido a uma pessoa de uma freguesia de Lamego utilizar a palavra "biasco" referindo-se ao bacio ou vaso de noite. Das pesquisas feitas em dicionários, só me deparei com o seu registo no Dicionário de Calão, de Albino Lapa (Editorial Presença, Porto, 1974, com o significado de "caneco de polícia").

Será que me poderão fornecer mais informação sobre a existência desta palavra bem como possíveis significados e etimologia?

Muito obrigado.

Resposta:

José Pedro Machado regista no seu Grande Dicionário da Língua Portuguesa a palavra viasco como provincianismo com os significados de «penico», «bispote», «bacio». No Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, ocorre viasca nessa acepção.

Note-se que consulente diz que ouviu a palavra a um falante de uma freguesia de Lamego. Sabendo que esta região se inclui na área dos dialectos portugueses setentrionais, nos quais se neutraliza o contraste entre os sons [b] e [v] (a chamada «troca do v pelo b»), o mais certo é que "biasco" seja simplesmente viasco, pronunciado à moda do Norte de Portugal.

Sobre a etimologia deste termo, não há informação nos dicionários consultados, nem mesmo nos etimológicos.

O nome português tradicional da capital do estado indiano de Maharashtra é Bombaim. É a forma registada por Rebelo Gonçalves no Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado em 1966 e ainda hoje a principal referência para a fixação da grafia de cada palavra dentro das regras e princípios do Acordo Ortográfico de 1945. Mas a história deste topónimo é mais antiga e, como se procurará aqui mostrar, parece estar estre...

Pergunta:

Apesar de reconhecer que, neste site, é extensa a exposição sobre as palavras compostas, no entanto, não me sinto suficientemente elucidado pelos exemplos verificados.

Qual o plural das palavras nado-morto/nado-vivo?

É corrente o uso de pluralizar o segundo termo ("nado-vivos"), porém, no site da Presidência da República, encontrei esse plural nos dois termos ("nados-vivos")!...

Grato pela vossa ajuda.

Resposta:

Nos compostos, não é verdade que se pluralize apenas o segundo termo. Se o composto for formado por substantivo e adjectivo, segue-se a regra geral da concordância do atributo com o substantivo a que se refere; é por isso que o plural de amor-perfeito é amores-perfeitos.

É este o caso de nado-morto e nado-vivo, cujos plurais são, respectivamente, nados-mortos e nados-vivos (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Mordebe). As formas do género feminino são nada-morta/nadas-mortas e nada-viva/nadas-vivas.

Pergunta:

Numa ficha, um professor pediu-me que fizesse a análise semântica das palavras mobília/cómoda e pés/dedos. Gostava de saber qual a resposta mais correcta.

Obrigada.

Resposta:

As relações que se estabelecem entre as palavras em questão são de hierarquia.

Assim, o significado da palavra mobília é mais geral que o de cómoda, ficando este incluído naquele: diz-se que mobília é um hiperónimo e cómoda um hipónimo. Quanto a dedos e pés, a relação é entre parte e todo: ao termo que designa parte do significado ou do referente do outro, neste caso, dedos, chama-se merónimo; ao significado do termo que se refere ao todo, ou seja, pés, dá-se o nome de holónimo.

Por último, refira-se que os termos aplicáveis a todas estas relações são: hiperonímia, hiponímia, meronímia, holonímia.

Pergunta:

"Louzal" [em Grândola] escreveu-se durante a primeira metade do século XX com Z. A partir de 1946/1947 passou-se a escrever com S. Qual é a razão da mudança da ortografia. Qual é hoje a forma correcta de escrever, ou admite-se as duas notações?

Resposta:

A mudança ocorreu por razões etimológicas. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, faz Lousal derivar do substantivo comum lousa. Podemos até supor que o topónimo deriva de uma forma não dicionarizada, lousal, que se poderá  interpretar como «lugar onde há lousas/conjunto de lousas», o que faz sentido se pensarmos que o lugar assim chamado é conhecido por ter minas. Se há uma relação entre o topónimo e lousa, então a grafia mais correcta, em harmonia quer com o Acordo Ortográfico de 1945 quer com o novo Acordo, é realmente com s, Lousal.

Assinala-se, porém, que Machado encontra este nome atestado com z num documento datado de 1212. Não tenho pormenores sobre este documento medieval a não ser a indicação de que está incluído nas Leges et Consuetudines dos Portugaliae Monumenta Historica (PMH)1, publicados pela Academia das Ciências de Lisboa. Como não tenho acesso a esta colecção de documentos, não posso por enquanto dizer nada acerca das características do contexto de ocorrência de Louzal: nem sobre se esta forma se refere ao Lousal de Grândola; nem se sugere outra origem; nem se é simplesmente indicativa da confusão entre s e z no pergaminho original ou na leitura que dele foi feita nos PMH.

1 Portugaliae Monumenta Historica é o nome de «uma colectânea de documentos, portugueses e estrangeiros, referentes a Portugal ou ao território que viria a formar o Reino, [...] abarcando o período entre os séculos VIII e XV» (