DÚVIDAS

«Associação dos/de Estudantes», «Concelho da/de Chamusca»

Antes de mais, parabéns pelo excelente trabalho aqui feito.

Gostaria de tirar dúvidas em relação ao uso da preposição de conjuntamente com os artigos definidos a, o, as, os.

Em documentos antigos dos anos 60 e 70 vê-se na maior parte das vezes termos como: «Associação dos Estudantes», «Junta da Freguesia», «Concelho da Chamusca»; hoje em dia apenas se vê «Associação de Estudantes», «Junta de Freguesia», «Concelho de Chamusca», etc., etc., etc. O que se terá passado?

Resposta

Sem mais contexto a acompanhar as expressões em causa, é difícil explicar exactamente o que se passou. Mas calculo que, relativamente a «associação dos estudantes» e «junta da freguesia», deve ter mudado um pouco a perspectiva em que se encaravam os estudantes e a freguesia: antes tratava-se de indicar que esses estudantes e essa freguesia já estavam identificados e eram conhecidos — são uns certos estudantes e uma certa freguesia. O uso veio a impor a omissão do artigo nas referidas expressões, tornando-as mais genéricas e dando-lhes uma função muito semelhante à de um adjectivo: «associação de estudantes» = «associação estudantil».1

A alternância entre «concelho da Chamusca» e «concelho de Chamusca» é de outra ordem, porque se prende com o uso de artigo definido com topónimos. O uso de artigo indica normalmente que o nome de lugar tem origem num substantivo comum. José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, considera que Chamusca tem origem no substantivo comum chamusca, o que explicaria o artigo definido associado. Regista ainda Chamusco, também um substantivo comum convertido em topónimo, e atesta o seu uso com artigo definido (Monte do Chamusco).2 Assim, concluo que Chamusca se tem usado com artigo definido («a Chamusca»).

Mas arrisco uma explicação para a perda de artigo em «concelho de Chamusca», que não considero melhor que «concelho da Chamusca». Penso que a supressão do artigo é, para muitos falantes, sinal de prestígio, uma vez que muitos nomes de cidades e vilas se usam sem artigo por não terem origem em nomes comuns (Lisboa é um bom exemplo, apesar de «o Porto» ser um bom contra-exemplo: tem artigo e nem por isso deixar de ter prestígio). Sugiro, pois, que a expressão «concelho de Chamusca» seja encarada como o resultado de uma estratégia tendente a dignificar, supostamente, a sede do concelho, podendo o uso ter-se espalhado por entre os seus habitantes.

1 Não existe adjectivo que signifique «relativo a freguesia».
2 Machado não explica as condições em que condições chamusca e chamusco se tornaram nomes de lugar. Ambas as palavras podem significar «acto de chamuscar», mas chamusca é sinónimo de chamusco, que pode referir outras realidades, a saber (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado): «cheiro de coisa chamuscada»; «suspeita de perigo»; «tiroteio de forças em combate»; «molho de palha que se faz arder sobre o corpo de um animal, normalmente um porco»; «espécie de urze»; «planície elevada, chapada». Os dois últimos significados, por nomearem aspectos da paisagem natural, podem bem ter favorecido a conversão dos substantivos em causa em topónimos. Mais haverá a dizer, mas tal será prosseguir uma investigação que não é aqui pedida.

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