Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Encontrei por acaso uma referência às "catrinettes". Assim eram designadas em França as mulheres que chegavam ainda solteiras aos 25 anos, e que celebravam a festa de Sta. Catarina. Será esta a origem da "nau catrineta", significando catrineta em gíria náutica antiga uma nau em viagem solitária?

Agradeço o vosso esclarecimento.

Resposta:

A sua hipótese é plausível, mas não encontro fontes que permitam confirmá-la. O mais que pude saber vem no Dicionário Onomástico Etimológica da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado:

«Dimin. de Cat(a)rina? Do fr. Catherine, hipocorístico de Catherine? É o nome do romance, ou xácara, port., talvez o mais célebre em Portugal e no Brasil, baseado, segundo Garrett, no naufrágio da nau Santo António (1565), relatado na História Trágico-Marítima. Alguns historiadores situam a origem do romance no séc. XVII. O seu elemento sobrenatural contribui para tornar esse romance símbolo da navegação e da aventura, considerado Os Lusíadas da poesia popular.»

Na Grande Enciclopédia Luso-Brasileira, regista-se catrina com três acepções: «espécie de roldana, o mesmo que catarina»; «seio de mulher»; e, em náutica, definido de forma pouco clara mas sugestiva como «moitão de ferro manilhado ao chicote duma ostaga singela, onde labora pelo seio um amante de corrente a cujos chicotes manilham os cadernais das betas da ostaga, podendo assim içar-se a vêrga por um ou outro bordo a-pesar-de a ostaga ser singela» (mantive a grafia original).

Pergunta:

De momento encontro-me a traduzir um manual do professor sobre Unidos pelos Direitos Humanos para que possamos levar os direitos humanos às escolas secundárias e universidades.

No meio do manual encontrei a palavra double jeopardy, que não sei como traduzir ou explicar. Em inglês, a palavra double jeopardy significa «taking somebody to court twice for the same crime, or punishing somebody twice for the same reason».*

Grata pela vossa ajuda.

* N. E. — Tradução: «levar alguém a tribunal duas vezes pelo mesmo crime, ou castigar alguém duas vezes pela mesma razão».

Resposta:

Segundo a base de dados terminológica interinstitucional da União Europeia (Inter-Active Terminology for Europe – IATE)1, trata-se de um princípio conhecido pela expressão latina «non bis in idem» ou pelas expressões portuguesas «dupla pena» e «direito a não ser julgado duas vezes pelo mesmo facto». São da mesma fonte as seguintes definições:

Princípio «ne bis in idem» ou «non bis in idem»

«A fórmula latina "non bis in idem", cuja tradução literal pode ser "não duas vezes sobre a mesma coisa", exprime o princípio jurídico segundo o qual uma pessoa que já tenha sido julgada por um facto delituoso não pode ser perseguida de novo pelo mesmo facto.»

Dupla pena

«(I) [O PE] considera que a expulsão, praticada por certos Estados-membros, de residentes extracomunitários condenados por processo criminal e que cumpriram a pena constitui uma «pena dupla»; (II) [princípio] segundo o qual quem já foi objecto de uma decisão em relação a determinados factos e normas legais não pode ser objecto de outras decisões sobre a mesma matéria.»2

Direito a não ser julgado duas vezes pelo mesmo facto

A expressão «direito a não ser julgado duas vezes pelo mesmo facto» não tem definição, o que sugere é uma variante perifrástica de dupla pena.

1 Agradeço ao dr. Garry Mullender (

Pergunta:

Gostava de saber qual a razão de a famosa nau naufragada em Malaca se chamar, no séc. XVI, Flor de la Mar (ou Frol de la Mar) e não Flor do Mar. Era um nome em castelhano, ou, na altura, não só ainda usávamos o artigo definido la como mar era uma palavra feminina? Se sim, quando se deu a alteração?

Resposta:

Não consegui apurar a origem factual do nome Flor de la Mar. A expressão é castelhana e não portuguesa, mas tal não nos deve surpreender, porque sabemos que o castelhano era língua corrente no Portugal do século XVI, a par do português, falando-se até de bilinguismo na corte portuguesa e noutros meios; por exemplo, Gil Vicente escreveu em castelhano, e mais tarde Camões fez o mesmo.

Por isso, convém dizer que:

– o artigo la não é um arcaísmo português, é simplesmente a forma que essa palavra tinha e tem em castelhano (ou espanhol);

– a palavra mar era e é usada nos dois géneros em castelhano: normalmente é um substantivo masculino, como em português, mas em certos meios (pescadores, marinheiros) e contextos (poesia) prefere-se o feminino («la mar», «mar calma», «mar gruesa», «alta mar»; cf. Diccionario Panhispánico de Dudas da Real Academia Española — RAE);

– quanto a frol, trata-se de um arcaísmo português: a forma Frol de la Mar parece, portanto, um nome híbrido, a ilustrar bem a situação de contacto entre português e castelhano em Portugal, no século XVI.

Pergunta:

Será que se pode dizer «frutas secas»? Porquê?

Resposta:

Poder, pode, porque é uma expressão possível da língua portuguesa.1 Não está é consagrada como designação de um certo tipo de frutos.

Talvez queira é perguntar se «frutas secas» é o mesmo que frutos secos. Há duas respostas: por um lado, é verdade que um fruto é um exemplar de um tipo de fruta, e, se os frutos estão secos, então também são «fruta seca» (fruta, na acepção de tipo de comida) ou «frutas secas» (frutas, na acepção de tipos de fruta); por outro, a expressão que se fixou, pelo menos em português europeu, para designar nozes, amêndoas, avelãs, figos secos, uvas passas, etc., é mesmo frutos secos.

1 Há quem ponha em causa a possibilidade de usar fruta no plural. Mário Vilela, no seu Dicionário do Português Básico (Porto, Edições ASA, 1991), parece prever o uso apenas no singular, uma vez que define fruta como «nome colectivo e não-contável, considerado abstracto, na medida em que designa um conjunto ou variedade de frutos sem especificar quais»; o lexicógrafo acrescenta que «[a] fruta é o CONJUNTO DOS FRUTOS COMESTíVEIS. A maçã, a banana, a pêra, o pêssego, o figo, a laranja, a tangerina, o ananás, etc., são várias espécies de fruta. Há fruta NATURAL, SECA e CRISTALIZADA.»

No entanto, é curioso verificar que noutros autores não se encontram restrições ao uso do plural de fruta. Por exemplo, Napoleão Mendes de Almeida (Dicionário de Questões Vernáculas, São Paulo, Editora Ática, 2001, s.v. Fruta) afirma que fruta é «coletivo, quando ligadas ao mesmo pedúnculo: ...

Pergunta:

Arborícola e arborização são da família de árvore?

Resposta:

São, porque se relacionam etimológica, morfológica e semanticamente com árvore: em arborícola e arborização figura o radical arbor-, que se encontra no latim arbore-, que é o étimo de árvore.