Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma expressão correspondente a «Catch the wheel that breaks a butterfly» em português. A expressão inglesa refere-se a dedicar um esforço extremo ou exagerado a algo insignificante ou inútil. Wheel, nesta expressão, refere-se à antiga forma de tortura onde se partiam os ossos da vítima com um ferro, com esta amarrada a uma roda.

Resposta:

A expressão em causa faz parte da letra da peça intitulada Falling Down, escrita por Noel Gallagher, membro do grupo musical Oasis. A frase faz alusão a uma outra, «who breaks a butterfly upon a wheel?», da autoria do poeta inglês Alexander Pope (1688-1744) e que significa literalmente «quem parte uma borboleta sobre a roda de tortura?». Esta expressão aplica-se realmente a uma situação em que os meios, o esforço ou o empenho redundaram num resultado pouco importante. 

Não vejo o exacto equivalente desta expressão em português, mas sugiro a frase «a montanha pariu um rato», que é uma elaboração de «parto da montanha», expressão registada e comentada por Guilherme Augusto Simões, no seu Dicionário de Expressões Populares Portuguesas (Lisboa, Edições D. Quixote, 1993):1

«Parto da montanha – Tudo quanto motiva uma decepção no resultado final quando se aguardam grandes êxitos (relativo à célebre frase latina "parturiunt montes; nascetur ridicul[u]s mus" – a montanha pariu um rato; mas a frase latina mais conhecida sobre o mesmo assunto é "mons parturiens".»

Esta não é certamente a melhor tradução da expressão inglesa. Deixo, portanto, ao consulente a criativa e espinhosa tarefa de encontrar a expressão portuguesa que melhor se adapte à mensagem do poema.

1 Um consulente (José Afonso, Angra do Heroísmo, Açores) sugere outra express...

Pergunta:

Em Mafra usam este termo (que não sei bem como se escreve) significando uma prendinha, um agrado. Ex.: «Este bifinho é um requeijanote para o meu marido.»

Será que existe este termo popular?

Muito obrigada, desde já, pela vossa ajuda.

Resposta:

Existe, porque, como diz, é usado. Certamente está a perguntar se a palavra se encontra dicionarizada: não está. Trata-se, portanto, de um regionalismo da zona de Mafra (Portugal), que aqui fica atestado, não sei se pela primeira vez.

Pergunta:

O a da palavra patético é aberto?

Resposta:

É, mesmo no português europeu (PE).

Se consultar o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, verá que a transcrição fonética da palavra tem a aberto, apesar de este se encontrar em sílaba átona: [pa`tɛtiku]. Isto não impede que alguns falantes de PE, justamente porque se trata de um a átono, o pronunciem fechado (como os aa de para), sem que se possa considerar isto uma incorrecção: [pɐ`tɛtiku].

Pergunta:

Tenho visto o nome de um fruto aparecer em inglês, no descritivo da composição de diversos produtos, mesmo nos descritivos feitos em outras línguas, incluindo em português. Por esta razão eu gostaria de saber qual a tradução para língua portuguesa do termo inglês cranberry.

Resposta:

Trata-se do oxicoco ou mirtilo vermelho americano. Segundo o Dicionário Inglês-Português da Porto Editora e o Dicionário Oxford Inglês-Português da Editorial Verbo, a palavra inglesa é o mesmo que mirtilo, arando ou uva-do-monte. No entanto, o vulgar mirtilo é de um azul muito escuro, enquanto o fruto que se chama cranberry em inglês é vermelho, como se constata numa página da Internet, na qual se usa o termo oxicoco. Esta palavra é desconhecida no português europeu, mas está atestada no português do Brasil, conforme se verifica no Dicionário Houaiss [«arbusto (Vaccinium oxycoccos) da fam. das ericáceas, nativo de regiões temperadas do hemisfério norte, de folhas revolutas e frutos vermelhos, comestíveis e um pouco ácidos»]. Numa página da Internet, usa-se o termo mirtilo vermelho americano como equivalente de cranberry.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "esmiuça" é acentuada graficamente.

Intuitivamente diria que não, por ser grave. No entanto, admito que possa o acento servir para criar um hiato... Qual é a regra? Aplica-se a dos verbos terminados em -guar, como apaziguar? Ou a de verbos como adequar? Que formas verbais são acentuadas?

Grata pela atenção.

Resposta:

É mesmo esmiúça.

A regra a aplicar, encontra-a, por exemplo, em Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pág. 71):

«Põe-se acento agudo no i e no u tónicos que não formam ditongo com a vogal anterior; , balaústre, cafeína, caís, contraí-la, distribuí-lo, egoísta, faísca, heroína, juízo, país, peúga, saía, saúde, timboúva, viúvo, etc.

Observações:

1.ª Não se coloca o acento agudo no i e no u quando, precedidos de vogal que com eles não forma ditongo, são seguidos de l, m, n, r ou z que não iniciam sílabas e, ainda, nh: adail, contribuinte, demiurgo, juiz, paul, retribuirdes, ruim, ventoinha, etc.

2.ª Também não se assinala com acento agudo a base dos ditongos tónicos iu ou ui quando precedidos de vogal: atraiu, contribuiu, pauis, etc.

Por outras palavras, acentua-se esmiúça da mesma maneira que acentua miúdo ou graúdo, para indicar hiato entre o u tónico e uma vogal precedente. Não tem, portanto, que ver com o acento colocado sobre o u antes de e ou i na flexão de verbos terminados em -guar (apaziguar, averiguar) e -quar (adequar).