Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha dúvida é sobre a pronúncia do nome próprio Gui. Deverá ser lido como diminutivo de Guilherme, ou de forma idêntica a Rui?

Obrigada.

Resposta:

Pelo que sei, Gui é normalmente uma maneira de truncar carinhosamente (hipocorístico) o nome Guilherme, cuja primeira sílaba se pronuncia [gi] como o gui de guita. Por conseguinte, rima com distingui e não com Rui.

Isto não quer dizer que Gui não possa ser lido como palavra que rima com Rui, com ditongo (transcrição fonética: [guj]. Pode, porque na ortografia não há, pelo menos, com monossílabos, maneira de distinguir na ortografia a duas pronúncias. Os nomes carinhosos e as circunstâncias que lhes dão origem dão lugar a muita criatividade; por exemplo, Rui pode transformar-se em Gui, com ditongo, apenas porque a pessoa assim chamada fazia soar [R] inicial como [g] (um pouco como se em vez de Bragança se dissesse "Bgagança").

Pergunta:

Gostaria muito de elucidar uma dúvida minha: porque a palavra anjo é com j, e angelical é com G?

Desde já agradeço a atenção.

Resposta:

Anjo tem jota porque é essa a única maneira de representar o som "j" (símbolo fonético: [Ʒ]) antes de a, o e u. Angelical tem g antes de e, por razões etimológicas: a palavra deriva por sufixação de angélico, por sua vez, originário do latim angelĭcus, adje{#c|}tivo derivado de angĕlus, «anjo». Um g ante de i ou e lê-se "j"; exemplos: gigante; gente.

Pergunta:

Já vi que já aqui responderam a uma questão sobre a grafia da palavra nanómetro. Contudo, li que nanómetro (ou nanômetro) é um instrumento, e não uma unidade de medida. E que esta se escreverá, portanto, como nanometro. Isto é, não se aplicaria a excepção que se abre para o caso de quilómetro, hectómetro, decâmetro, decímetro, centímetro e milímetro. Assim, escrever-se-ia "picometro"... Há algum fundamento nesta ideia?

Resposta:

O Dicionário Houaiss tem entrada só para a forma nanômetro, termo definido apenas como unidade de medida. No entanto, no artigo respeitante ao prefixo nano-, surge como variante de nanômetro a forma nanometro, que é palavra grave (paroxítona). Noutros dicionários, como seja o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, nanómetro/nanômetro é definido somente como unidade de medida.

Em princípio, o elemento de formação de palavras -metro é átono, facto que explica a acentuação de nanômetro. Se também é aceitável nanometro, só posso conjecturar que se trata de analogia com a acentuação paroxítona de palavras como nanograma e nanolitro (cf. ibidem), nas quais os elementos -grama e -litro não são átonos e aceitam o acento tónico em compostos morfológicos: miligrama, mililitro.

Seja como for, não posso, a partir dos dicionários consultados, confirmar que exista contraste semântico entre nanómetro e nanometro.

Pergunta:

Desejo o vosso esclarecimento sobre o modo correto de escrever na atual grafia portuguesa os seguintes prenomes: Alcíone/Alcione (paroxítona), Aloísio/Aluísio, Boaventura, Deocleciano/Diocleciano, Dourival/Dorival, Eloísa/Heloísa, Lourival/Lorival, Sólon/Solon (agudo).

Resposta:

Um esclarecimento prévio: apoio-me no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, que fixa a grafia das palavras em consonância com o Acordo Ortográfico de 1945, porque verifico que os vocabulários ortográficos da língua portuguesa da Academia Brasileira de Letras não incluem nomes próprios. Deste modo, as formas correctas, pelo menos, em Portugal, são:

Alcíone
Aloísio
Boaventura
Diocleciano
Heloísa
Sólon

Sobre os nomes Dourival/Dorival e Lourival/Lorival não há registo na fonte consultada, porque são pouco ou nada frequentes na tradição onomástica de Portugal. Consultei obras brasileiras que, no entanto, não têm o aval da Academia Brasileira de Letras. Sendo assim, é difícil saber exactamente qual a etimologia destes antropónimos. O Vocabulário Ortográfico de Nomes Próprios, de Artur de Almeida Tôrres e Zélio dos Santos Jota (Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura, 1961), regista apenas as formas com o: Dorival e Lorival. Já o Dicionário Etimológico de Nomes e Sobrenomes, de Rosário Farâni Mansur Guérios (São Paulo, Editora Ave Maria, 1973), deixa por determinar a origem destes antropónimos, da qual dependeria a respectiva ortografia, e aceita as duas variantes Dorival/Dourival, enquanto consigna só a forma Lourival.1

Em conclusão, nenhum dos nomes apresentados se vê alterado pelo Acordo Ortográfico de 1990. Calculo, portanto, que o consulente, quando diz «atual grafia portuguesa», se refira aos códigos ortográficos que prevaleceram, a partir da década de 40, nos territórios onde se fala (e escreve) português, ou seja, o Formulári...

Pergunta:

Deve dizer-se estar «de férias», ou estar «em férias»?

 

Resposta:

Com os verbos estar, ir, entrar, é mais corrente usar-se a locução «de férias» (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, s. v. férias, e Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa). Isto não quer dizer que a expressão «em férias» esteja incorrecta: na realidade, em certos contextos, pode permutar com «de férias» sem que haja erro ou diferença de significado assinalável («encontrei-o de férias/em férias no Algarve»).