Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Fazia uma pesquisa sobre características da linguagem jornalística e do jornalista, e surgiu um sítio indicando os treze mandamentos do jornalista. Aí surge a expressão a «editar o VT». Já procurei, mas não consegui identificar o significado da sigla. Poderiam elucidar-me?

Resposta:

Trata-se provavelmente de uma forma abreviada de videotape ou videoteipe. No Dicionário Aurélio XXI, regista-se vt, com minúsculas e descrita como «sigla de videoteipe».1 Sucede que no exemplo da consulente, temos uma variante, VT, com maiúsculas, que me parece preferível.

Observo que, no dicionário consultado, sigla é definida como «reunião das letras iniciais dos vocábulos fundamentais de uma denominação ou título, sem articulação prosódica, constituindo meras abreviaturas  (ex:: E. F. C. B. = Estrada de Ferro Central do Brasil).» Acontece que as siglas surgem normalmente em maiúsculas, como o próprio Aurélio XXI exemplifica, enquanto as minúsculas, seguidas de um ponto, são geralmente reservadas para as abreviaturas. Sendo assim, embora a abreviação de videotape/videoteipe não se refira a palavras que constituem uma expressão,2 mas sim a elementos que compõem uma palavra (VT > V= vídeo e T="tape" ou teipe), o que importa é se faça recurso das letras iniciais desses elementos nesse caso. Trata-se, portanto, de uma sigla, que deverá escrever-se VT, com maiúsculas.

1 Tal como se escreve pág. para representar página ou sr., para senhor, teríamos assim vt. e não "vt", forma consignada no Aurélio XXI.

2 As siglas costumam abreviar expressões:

Pergunta:

Que relação poderia haver entre os vocábulos cabra e caprino; vida e vital, e noite e noturno, segundo Mattoso Câmara Jr.?

Resposta:

A relação existente entre essas palavras é etimológica, isto é, remontam directa ou indirectamente ao mesmo étimo latino. Contudo, deve notar-se que, enquanto uns são termos populares que se sujeitaram a grandes mudanças fonéticas, os outros são termos eruditos ou semieruditos que poucas mudanças apresentam (cf. J. Mattoso Câmara Jr., História e Estrutura da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, Padrão, 1985, 194/195).

Identifiquemos uns e outros entre os exemplos em questão:

Termos populares

cabra: evoluiu de capra, «cabra»

vida: evoluiu de vita, «vida»

noite: evoluiu de nocte, «noite»

Termos eruditos

caprino: adaptado do latim caprinus, derivado de capra, caprae, «cabra»

vital: adaptado do latim vitalis, derivado de vita, vitae, «vida»

noturno: adaptado do latim nocturnus, derivado de nox, noctis, «noite»

Pergunta:

Gostaria de saber porque temos de utilizar de quando dizemos «um milhão de carros foram ao evento» e não utilizamos o de quando dizemos «um milhão e um carros foram ao evento».

Pode me ajudar neste caso?

Obrigado.

Resposta:

Segundo o Dicionário Houaiss, «por sua natureza substantiva, este numeral [milhão] é empr[egado] precedido de outros numerais, artigos, pronomes demonstrativos, indefinidos etc., e o substantivo que o segue é precedido de preposição (p. ex., uma população de mais de 1 milhão de pessoas habita esta cidade; aqueles outros 5 m. de dólares somados com estes 4 não resolvem o problema do financiamento das obras)».

Em «um milhão e um carros», não ocorre preposição porque o numeral um, que faz parte da expressão numeral «um milhão e um», não rege preposição.

Pergunta:

Estou a traduzir um livro sobre os Direitos Humanos para a Juventude e, de momento, deparei-me com algo que diz: «advice column». Estas colunas são aquelas para as quais uma pessoa envia uma pergunta sobre um qualquer problema que tenha e que lhe é respondido na revista sobre o seu problema. Este tipo de colunas pode ser encontrado nas revistas Ana, Maria, TV 7 Dias entre outras, mas eu estou a ter o problema de lhes saber dar um nome. Será que me poderiam ajudar com isso? Obrigada.

Resposta:

Não há uma designação genérica. A essa coluna pode chamar-se «consultório/correio sentimental» ou «correio do coração».

Pergunta:

Como espanhol, luto com a pronúncia portuguesa quase quotidianamente, mas é com grande prazer! Gostaria de uma explicação sobre a percepção de certos fenómenos fonéticos do Norte de Portugal: o acréscimo /j/ em palavras do tipo gajo, fecho, hoje. Acho que para os nortenhos essa é a única pronuncia correcta para uma pessoa que não quer fingir ser de Lisboa (ao contrário de outros fenómenos do Norte estigmatizados como incorrectos pelos próprios nortenhos – como pronunicar /vjerde/, /pworto/, ou trocar os /b/ por /v/). Qual é a percepção destes fenómenos por um falante do Centro do país? Além disso, a pronúncia ditongada de "ou" em sou /sou/ parece-me ser a única "normal" do Norte, mas como se percebe o "ou" pronunciado como /ɔu/?

Obrigado pela sua resposta que com certeza trará clareza na escuridão que representa a fonética portuguesa para um pobre pentavogalista espanhol como eu...

Parabéns pelo seu trabalho.

Resposta:

Quase todos os aspectos que refere são normalmente considerados típicos dos dialectos setentrionais pelos falantes de Lisboa e pelos de outros dialectos centro-meridionais. Só no caso de fecho é que se nota que os lisboetas (nados e criados ou radicados em Lisboa) se aproximam dos nortenhos quando pronunciam ditongo ("fâicho"); mas há um grupo considerável que monotonga e diz "fâcho".

Quanto ao ditongo de sou, convém esclarecer que as pronúncias mais frequentes nos dialectos setentrionais são "âu" e "ou" (em transcrição fonética, [ɐw] e [ow] respectivamente). O ditongo "óu" (com ó aberto: [ɔw]) não costuma verificar-se em português europeu, ao contrário do que acontece no português brasileiro, onde ocorre foneticamente, por vocalização de [l] em final de sílaba: sol = "sóu" ([sɔw]).