Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como classificar os seguintes nomes, indicando se são uniformes ou biformes quanto ao género e ao número: Lisboa; instrutores; alunos; Outubro?

Resposta:

Creio que há alguma confusão na origem da pergunta. Na terminologia tradicional, pelo menos, na versão fixada pela Nomenclatura Gramatical Portuguesa de 1967, mencionam-se os substantivos uniformes quanto ao género, exemplificados pelas palavras artista e mártir, e quanto ao número, como ourives e lápis. No entanto, não existe o termo «substantivo biforme».

Seja como for, se por «biforme» se entendem os substantivos que têm masculino e feminino com o mesmo radical (exemplo: lobo/loba) ou palavras que têm singular e plural (lobo/lobos), então suponho que instrutores e alunos serão (impropriamente) chamados «biformes», porque, respectivamente, têm, por um lado, os femininos instrutoras e alunas, e, por outro, as formas de singular instrutor e aluno.

Em relação a substantivos próprios como Lisboa ou aos nomes dos meses e dos dias da semana, embora a distinção em causa me pareça irrelevante, pode afirmar-se que são uniformes, uma vez que não lhes corresponde uma forma do género oposto como *Lisboo ou *Outubra. Sobre a categoria de nome, aceita-se em certos contextos o plural («as Lisboas que conheci ao longo da vida»; «os Outubros tornaram-se secos»), e, nessa medida, dir-se-ão biformes.

Em suma, acho que é inútil aplicar os termos uniforme e biforme aos substantivos. Será que a pergunta tinha antes em mente a distinção entre adjectivos uniformes (barrete/casa

Pergunta:

Por gentileza, gostaria de saber se no caso de uma procuração de pessoa jurídica devemos colocar o artigo definido, ou seja... «Por este instrumento particular, a JÚLIO GOLÇAVES ADVOGADOS ASSOCIADOS...»

A minha pergunta é a seguinte: É necessário colocar o artigo a antes do nome da pessoa jurídica, ou não? Por favor, qual é a forma correta?

Desde já, agradeço a atenção.

Resposta:

Não é estritamente necessário, mas a prática notarial indica que, normalmente, ocorre o artigo.

Geralmente, as firmas são referidas com artigo; exemplo (retirados de Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Elucidário De como Elaborar Documentos de Interesse Geral, Coimbra, Livraria Almedina, 2003, pág. 255):

«A PROINF [- Produtos Informáticos], Lda. compromete-se...»

«... será paga adiantadamente pela STP [- Sociedade Transformadora de Papéis, Lda.] à PROINF a quantia de 2000 €...»

Pergunta:

De onde vem a expressão, que até agora só ouvi em Lisboa, «ir ao baeta», enquanto sinónimo de «ir ao barbeiro»?

Obrigado.

Resposta:

A pergunta é sobre baeta, cujo uso como sinónimo de barbeiro tem origem desconhecida. O mais que os dicionários consultados indicam é que «ir ao baeta» é uma locução popular do português europeu, pelo menos, na modalidade falada em Lisboa.

Sobre a origem desta expressão, não tenho quaisquer elementos que a esclareçam. Mesmo assim, deixo duas sugestões:

1. Baeta está por nome próprio, Baeta (cf. Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado), quem sabe se um barbeiro famoso?

2. Talvez baeta tenha que ver com vestuário usado pelos barbeiros ou com alguma peça destinada aos clientes, por exemplo, algum pano que protegesse a roupa de cabelos cortados. Se for este o caso, teremos uma metonímia, porque uma entidade (o barbeiro) passa a ser identificada por outra (por exemplo, um objecto) que lhe está próxima ou associada. Foi isto, por exemplo, que aconteceu a baeta, no sentido de «natural do estado brasileiro de Minas Gerais»: segundo Antenor Nascentes, citado pelo Dicionário Houaiss, «os mineiros têm esse apelido [= alcunha em Portugal] porque antigamente se envolviam em capotes de baeta azul, nas viagens durante o tempo frio, através das estradas montanhosas da província».

Pergunta:

Gostaria de saber se o verbo ligar (entenda-se «ligar telefonicamente/telefonar») se conjuga «Vou ligar com», ou «Vou ligar a/para».

Agradeço a atenção.

Resposta:

No sentido de «telefonar», não se aceita «ligar com», mas aceita-se «ligar a/para». Neste caso, ambas as preposições estão certas, mas dos respectivos usos decorrem significados diferentes. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, diz-se ligar a e ligar para; as abonações sugerem que se usa a preposição a antes de nome que denote pessoa e para antes de designação de lugar:

1) «Ligou para casa do João.»
2) «Ligo-te à noite.»

Destes exemplos e da intuição do emprego do verbo ligar, conclui-se que a preposição a ocorre com substantivo que nomeie pessoa, e para aparece junto de substantivo que designa lugar ou número de telefone («ligar para a casa/para o número do João»)

Note-se, contudo, que certas expressões nominais podem apresentar-se quer como lugares quer como entidades equivalentes a pessoas (por exemplo, instituições, oraganismos, departamentos); por exemplo:

3) «Vou ligar à/para a Santa Casa da Misericórdia.»

Em 3), se ligo à Santa Casa, falo com alguém que a representa ou que aí trabalha; se ligo para a Santa Casa, refiro-me ao lugar que é identificado por um certo número de telefone e que possui este equipamento.

A preposição para também figura ao pé de nomes de pessoa, desde que estes sejam interpretados como elipses, em «ligar para o João» se entende como «ligar para casa/o número do João».

Levantam-se, portanto, restrições a frases como (o ? indica inaceitabilidade):

5) ?«Vou ligar a/à casa do João.»

Pergunta:

Gostaria de saber se a forma optado do verbo optar poderá ser usada como adjectivo. Ou apenas se considera adjectivo opcional.

Obrigada.

Resposta:

É melhor usar opcional do que optado. O verbo optar tem regência, uma vez que selecciona um complemento preposicionado: «optei pela disciplina de Latim» (= «preferi/escolhi a disciplina de Latim»). Como estes verbos com regência mostram geralmente incompatibilidade com voz passiva (não se aceita *«a disciplina de Latim foi optada por mim»), é, no mínimo, estranho que se diga «a disciplina por mim optada» ou «a disciplina optada», dando ao particípio optado um valor adjectival. Por conseguinte, use «disciplina opcional», se se tratar de «disciplina que está à escolha», e «disciplina escolhida», se for «disciplina que se escolheu, se seleccionou ou por que se optou».