Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A propósito de "geropiga"/"jeropiga" ...

1. Ver (...) Bebida

The Laws of the Customs: Consolidated by Direction of the Lords by Great Britain, Felix John Hamel, Great Britain Treasury (1854)

"(2) By TO 28th June, 1853, wines in bond may be fortified bj the admixture of geropiga in the same proportions as to strength and mder the same regulations ..."

2.Ver (...) Medicina

The Medical Times and Gazette (1867)

"Very consolatory this to the people who had previously bought wine in the faith that port is not port without spirit and geropiga. ..."

3. Ver (...) impostos alfandegários

The British Tariff for...: Contains Amended Tables of the Duties Payable on by Edwin Beedell (1858)

"geropiga, the produce of Portugal containing above 33 per cent, of proof spirit may be used for fortifying in bond, wines of that country only..."

Resposta:

Não me parece clara qual a questão levantada pelo consulente, mas calculo que a intenção seja documentar a grafia "geropiga" em textos ingleses do século XIX, talvez de modo a indicar que esta forma é que é legítima e não a que actualmente se consagra, que é com j: jeropiga.

Não podendo determinar com segurança a origem da palavra, fica-se sem saber muito bem se g inicial tem alguma hipótese de ser mais correcto que j inicial. Dois dos dicionários etimológicos consultados (Dicionário Etimológico Resumido, de Antenor Nascentes, e Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, de Silveira Bueno) retomam uma explicação de Cândido Figueiredo que não tem confirmação: segundo este lexicógrafo, a palavra jeropiga relacionava-se com uma palavra supostamente castelhana, jaropiga ou jeropiga, que derivaria do castelhano jarabe, cognato do português xarope, por ambos, vocábulo castelhano e vocábulo português, terem origem no árabe xarāb, «bebida, poção» (Dicionário Houaiss). Sucede, porém, que não encontro jaropiga/jeropiga atestada em espanhol (ver Dicionário da Real Academia Espanhola).

Sei que Camilo Castelo Branco distinguia "geropiga" de jeropiga, mas não encontro outras fontes que apoiem tal distinção.1 Outros lexicógrafos não chegam sequer a arriscar uma hipótese; como já aqui dissemos, José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, diz simplesmente que o termo tem origem obscura.

1 A distinção feita por Camilo encontra-se no texto...

Pergunta:

No trecho: «Benditas crises!... aguçam o poder de revisão, renovação, recriação... Afinal, só não poderia haver crise no poder de superação», poder-se-ia dizer que afinal é um acréscimo na apreciação do autor para ajustar a ideia ao argumento do enunciado anterior, por meio de um advérbio, que pode ser substituído por finalmente, sem alteração de sentido?

Resposta:

No contexto em causa, afinal é um conector frásico e equivale a «em conclusão», «pensando bem» (cf. Francisco S. Borba, Dicionário de Usos do Português do Brasil (São Paulo, Editora Ática, 2003). Pode ser substituído por finalmente, uma vez que esta palavra também pode ser usada como conector e com valor conclusivo.

Outros valores são ainda possíveis (ibidem):

a) «marca o tempo de uma (longa) espera»: «Os olhos estavam cheios de claridade, mas afinal se acomodaram»;

b) «expressa resignação ou melancolia» (valor muito próximo de «pensando bem»): «Ricas e famosas não é um filme tão rico e que possa vir a ser famoso. Afinal já fez melhores direções.»

Pergunta:

Gostaria de esclarecer a minha dúvida sobre qual a forma correcta de dizer «algo ou alguém relativo a Quiaios (freguesia da Figueira da Foz)». Será "quiaense", "quiaiense", ou "quiaiosense"?

Resposta:

Quiaiense ou quiaiosense. A forma quiaiense é depreendida da relação entre topónimos terminados em -os, que sugerem um plural, e os respectivos gentílicos; por exemplo: se Vagos perde a terminação -os, quando é a base da derivação do gentílico vaguense, então Quiaios, que apresenta a mesma terminação, também a perde na formação do gentílico correspondente.

No entanto, verifico que a forma quiaiosense é usada e parece ter-se tornado tradicional, a avaliar pelas páginas de Internet da própria Junta de Freguesia de Quiaios (itálico meu):

«... sabemos que os quiaiosenses, possivelmente a maioria, estavam a desinteressar-se da frequência ao culto numa igreja afastada da povoação...»

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem dos apelidos Relvas e Lourenço.

Grata.

Resposta:

A informação que se segue é a que se disponibiliza em José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

Relvas

Antiga alcunha, talvez derivada do topónimo Relvas, que tem origem no uso do plural de relva como descrição de um lugar onde se encontra relva. Convém lembrar que muitos apelidos remontam a nomes de localidades: Braga, Macedo, Viana, Almeida, etc.

Lourenço

É nome próprio que passou a ser usado como apelido, desde a Idade Média (por exemplo, Pedro Lourenço). O nome Lourenço provém «do lat. Laurentiu-, inicialmente adj., «natural de Laurento».

Pergunta:

«Incentivar a leitura», ou «incentivar à leitura»?

Obrigado.

Resposta:

As duas maneiras são possíveis. Segundo o Dicionário Houaiss, incentivar é verbo transitivo quer directo quer indirecto:

1. «dar incentivo a; despertar o ânimo, o interesse, o brio de; encorajar, estimular, incitar. Ex.: "i. jovens artistas"; "o sucesso incentivou-os (a trabalhar)"»

2. «empenhar-se para que (algo) seja criado, realizado ou intensificado; impulsionar, promover. Ex.: "um governante que sempre incentivou o progresso"»

3. «criar ânimo ou vontade de; decidir-se a. Ex.: "vendo a irmã em apuros, incentivou-se a entrar na briga"; "depois das aulas de literatura, os alunos incentivaram-se a ler Machado de Assis"»

Sendo assim, de acordo com a acepção 2, pode dizer «incentivar a leitura», e, conforme a acepção 1, pode também dizer «incentivar (alguém) a ler» ou, usando o substantivo que se relaciona com o verbo ler, «incentivar (alguém) à leitura».