Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem do apelido Poças e que ramificações tem em Portugal. Obrigado.

Resposta:

O apelido Poças parece ter origem no aproveitamento como alcunha do substantivo feminino poça, cujo plural é poças (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Este nome também surge como topónimo, em Portugal e na Galiza (aqui sob a forma Pozas), com base no substantivo comum poça, no plural (ibidem). É, portanto, possível que certas famílias usem este apelido porque tiveram um antepassado proveniente de um lugar chamado Poças («o fulano que é de Poças», «o Poças»). No entanto, noutros casos, não é de descartar outra hipótese, como mostram Francisco Martins Ramos e Carlos Alberto da Silva, no Tratado das Alcunhas Alentejanas (Lisboa, Edições Colibri, 2003), com a história de um homem alcunhado «o Poças»:

«Poças [..] Um dia, o alcunhado estava bêbado e caiu dentro de uma poça de água (Nisa).»

Pergunta:

1. Como fica, a partir das bases do novo Acordo Ortográfico (2009, em vigor para os países lusófonos, o status de palavra como pé-de-moleque até então uma palavra composta por justaposição. Vista agora como locução ou, ao que me parece, como uma unidade fraseológica, deve ser classificada como fraseologia e não composto?

2. Observei que a maioria das palavras com (pé-de-cabra, pé-de-moleque, pé-de-burro etc.) são datadas do final do século XIX (1889). O que estaria por trás dessa incidência de palavras nesse período?

3. Onde estaria a motivação para a criação lexical de pé-de-moleque? Na cor torrada do pé de moleque (garoto)? Na forma de pé que aparece nas formas de fazer este doce? Qual a motivação lexical para o surgimento da referida palavra? O que se pode especular à luz da etimologia?

Resposta:

1. A palavra que se escrevia pé-de-moleque passa a escrever-se sem hífen, pé de moleque, segundo a Base XVI do Acordo Ortográfico de 1990, como aliás se pode verificar pela respectiva entrada, não hifenizada, da 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras. A perda do hífen não significa que pé de moleque deixe de ser um composto, porque o facto de lhe ser atribuída entrada no VOLP significa que a forma é reconhecida como unidade vocabular autónoma.

2. Se a datação provém de um dicionário (a do Dicionário Houaiss é a mesma referida pelo consulente), não podemos daí inferir que a palavra tenha sido formada à roda dessa data. Pode muito bem acontecer que a datação seja aproximativa ou que o termo fosse corrente no discurso oral muito tempo antes de ter sido recolhido. Ou seja, é difícil determinar tendências históricas com base nas datações propostas por dicionários gerais. É, pois, necessário investigar mais aprofundadamente.

3. Tendo em conta as acepções do termo (Dicionário Houaiss), é de presumir uma criação metafórica, talvez, como é sugerido, por causa da forma do doce em causa:

«1 doce consistente feito de açúcar ou rapadura com amendoim torrado; 2 Rubrica: culinária. Regionalismo: Nordeste do Brasil. bolo feito de mandioca, fubá, coco e açúcar; 3 Rubrica: culinária. Regionalismo: Angola. amendoim torrado, descascado e triturado posto em ...

Pergunta:

Junto a Palmela há uma quinta com o nome de Quinta das Façalvas. Como a boda do casamento da minha filha vai ser lá, gostaria de saber a origem do nome Façalvas e o seu significado.

Agradeço qualquer esclarecimento que me possa ser dado.

Resposta:

Lamentamos, mas não encontramos fonte que nos esclareça sobre a origem do topónimo Façalvas. O mais que encontramos é uma forma aproximada, Facalva, nome de um lugar na região de Ourique (Portugal), segundo regist{#|r}o de José Pedro Machado no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa. No entanto, mesmo que Façalvas se relacione com Facalva ou vice-versa, Machado também não vai mais além da conjectura:

«Facalva, top[ónimo] Ourique (Monte da Facalva). De alc[unha] ou apel[ativo]? Será aglutinação de faca (= égua) alva? Se assim for, porquê esta denominação?»

Quase o mesmo é o que perguntamos em relação a Façalvas: de «faces alvas»? Por causa de um proprietário ou uma proprietária de «faces alvas»? Ou será que houve alguma deturpação de Facalva? Por enquanto, não sabemos responder.

Pergunta:

O Concílio de Niceia divide a história do Cristianismo em dois períodos — um antes e outro depois. O período anterior é "anteniceno", ou "antiniceno"?

O período posterior é "pós-niceno", ou "posniceno"?

Tenho encontrado todas essas grafias nos livros que consulto. Qual a correta?

Resposta:

Estamos perante termos que não se encontram dicionarizados e que são itens pouco usados. De qualquer modo, as formas que se afiguram mais correctas são anteniceno e pós-niceno, tendo em conta que:

a) niceno é palavra atestada no Dicionário Houaiss, com o significado de «habitante de Niceia, cidade da Bitínia (Ásia Menor, actual Turquia);

b) ante- liga-se sem hífen à base da prefixação, desde que esta não se escreva com h inicial (ante-histórico), daí anteniceno;

c) pós- usa-se sempre com hífen1, daí pós-niceno.

Em alternativa a anteniceno, pode também empregar pré-niceno.

1 Ao contrário de pos-, que ocorre aglutinado à base da prefixação, constituindo palavras há muito integradas no léxico do português ou que resultam de um processo de prefixação ocorrido no latim (por exemplo, pospor, posfácio).

Pergunta:

O gentílico de Nanquim (China), por favor.

Muito obrigado.

Resposta:

Segundo Luiz Autuori e Oswaldo Proença Gomes (Nos Garimpos da Linguagem, Rio de Janeiro, Livraria São José, 4.ª edição), os gentílicos relativos a Nanquim são nanquinense, nanquinês e nanquino.