Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estava lendo um artigo do site Origem da Palavra, que indica que tataravô, como pai do trisavô, está errado... Eles dizem que, embora muitos a usem, o correto é tetravô mesmo!

Pois muito bem, qual a origem/de onde vem tataravô? É gramaticalmente incorreto e esteticamente feio utilizar tetravô? Por quê no caso? E, caso não seja, existe também "tatataravô" (que seria o «pai do tetravô»)?

A propósito: meus parabéns por sempre se empenharem em escrever no mais correto português… Muitos dos livros que leio são recheados de erros de digitação, idioma e informação! Bem triste, não é verdade isso?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

 A forma mais correta é de facto tetravô, ou seja, «quatro vezes avô», de acordo com o significado do elemento tetra-, que vem do grego téttares, es, a («quatro») e ocorre também em tetraneto.

Contudo, não se pode dizer que tataravô seja forma errónea, porque, perante tetravô/tetravó e tetraneto, pode defender-se que o elemento tetra- resulta da interferência erudita sobre a forma tata(r)-, que terá origem não grega, mas, sim, latina ou românica. Com efeito, a forma tata(r) pode remontar a trás, no sentido de «anterior». Cita-se o comentário do Dicionário Houaiss a respeito da entrada tataraneto:

«[Tataraneto tem] origem controversa; [é] geralmente considerado alteração de tetraneto; segundo [Antenor] Nascentes, do português antigo trasneto (m.q. bisneto) fez-se *traneto e ao seu filho chamou-se *tratraneto, e daí, por dissimilação *tatraneto, por suarabácti [inserção de vogal] "tataraneto"; a forma tetraneto é, segundo ele, criação erudita moderna; o elemento tatar(a)- passa a ser usado, por analogia, em tataravô e outros vocábulos [...].»

Note-se que os vocábulos castelhanos homólogos são tatarabuelo, «tetravô», e tataranieto, «tetraneto», os quais são explicados por Joan Coromines e José Antonio Pascual (Diccionario Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, versao em CD-ROM, 2012), como formas que ex...

Pergunta:

Qual é a origem do topónimo Mealhada, pertencente ao distrito de Aveiro visto que o primeiro registo remonta ao séc. XIII com a designação de "Mealhada Má".

De ressalvar a mesma existência de topónimo no concelho de Loures, e de uma fonte em Castelo de Vide.

Resposta:

Não foi possível reunir dados concretos nem decisivos sobre a etimologia de "Mealhada" para esta resposta.

Trata-se, como bem diz o consulente, de um topónimo que ocorre, pelo menos, três vezes no território Portugal1. A atestação mais antiga deste topónimo, referente à cidade da região da Bairrada, remonta a 1288, de acordo com o estudo de J. Branquinho de Carvalho, "A antiguidade da Mealhada" (Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. XVI, 1950, pp. 213-226). Como também se assinala na pergunta, a forma realmente documentada é um composto: Mealhada Má.

Quanto à análise etimológica do topónimo, diga-se que a mais comum é a de se tratar de um derivado de mealha, que seria a denominação de uma medalha de cobre. Mas falta informação que permita esclarecer:

a) se as três Mealhadas identificadas têm realmente a mesma origem;

b) a congruência do significado de mealhada com o espaço e a paisagem onde se encontra a Mealhada bairradina.

Há uma proposta alternativa, a de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, 1999), que relaciona Mealhada com malhada, que, entre várias aceções, se usa ou usava no sentido de «redil, local onde se reúne o gado», hipótese que se conjuga com o topónimo Vacariça, nome alusivo à criação de gado bovino e que designa a povoação que foi sede de concelho, à qual se subordinou a Mealhada até à década de 30 do século XIX.

O problema da hipótese de Almeida Fernandes é o de não esclarecer a relação entre Mealhada e...

Pergunta:

Gostava de saber se o verbo docere (latim) pode assumir o significado de «conduzir» e se o termo docente pode ser considerado «aquele que conduz».

Resposta:

A palavra docente vem do particípio presente docens, docentis, «que ensina», do verbo latino docēre, «ensinar», mas este não tem etimologicamente relação com conduzir.

Com efeito, conduzir vem do latim conducĕre, que encerra a raiz duc-, que parece remontar à raiz indo-europeia *deuk-, «puxar, arrastar, conduzir»1. A raiz de docēre provém de outra raiz, também indo-europeia, *dek-, «tomar, aceitar»2. Apesar da semelhança formal das raízes indo-europeias mencionadas, não parece haver relação direta entre elas, pois a verdade é que não se consegue recuar mais no tempo para achar entre elas eventual relação.

Note-se, porém, que em educar e, portanto, educação, educativo e educador, existe a raiz latina duc-, com a qual se relaciona diretamente conduzir e palavras conexas como condução e condutor.

Em suma, no campo lexical do ensino-aprendizagem, há palavras que se relacionam com a noção de «conduzir, liderar», mas não através da palavra docente, que remonta a uma raiz com outro significado.

1 Consultou-se o Online Etymology Dictionary, que inclui a raiz *deuk.

2 Ver *dek- no Online Etymology Dictionary.

Pergunta:

Ouve-se e lê-se muitas vezes «o que gosto».

Segundo percebo por respostas anteriores, o verbo gostar pede o de.

No entanto, hesito numa frase como «O que gosto é de jogar futebol». Numa frase como esta, não devemos duplicar o de e escrever «Aquilo de que gosto é de jogar futebol»? Ou «O que gosto» basta?

Obrigado.

Resposta:

O par pronominal o que1 funciona globalmente como um pronome relativo. Deste modo, tal como se diz e escreve:

(1) «De quem gosto é de ti.» = «A pessoa de quem gosto és tu.»

também diz e escreve:

(2) «Do que gosto é de futebol.» = «Aquilo de que gosto é de futebol.»

Por outras palavras, junta-se a preposição diretamente aos pronomes relativos quem e o que, que podem introduzir orações relativas sem antecedente.

Nada disto contraria o facto de «Aquilo de que gosto é de jogar futebol» constituir uma frase correta.

 

1 O que é classificado mais recentemente como locução pronominal relativa – cf. Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020, pp. 2085-2089.

Pergunta:

De que origem é a palavra clítico?

Resposta:

O aparecimento e uso do termo clítico foi motivado pelo inglês clitic, forma truncada de enclitic e proclitic. Estes termos começaram por se usar em estudos de linguística em inglês e francês, a partir do grego klísis, eós, «ação de inclinar, pôr do sol, flexão, declinação, aumento (no início, no meio, no fim)», nome derivado do verbo também grego klínó, «inclinar».

O termo clítico tem, portanto, a sua origem mais recuada num verbo grego que significa «inclinar», o que vai ao encontro da descrição das palavras clíticas, que não têm acento próprio e se apoiam (daí a metáfora de se "inclinarem") sobre outras palavras com maior autonomia.