Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quando falamos de processos de formação de palavras, confunde-se muito derivação por prefixação e sufixação e parassíntese. Trata-se de um mesmo processo, ou são dois processos distintos? Há quem afirme que parassíntese é um processo que só ocorre na formação de verbos, no entanto no DT classifica-se parassíntese como o processo em que se junta um prefixo e um sufixo em simultâneo a uma forma de base. Em que ficamos?...

Resposta:

1. São processos diferentes, porque a parassíntese se opera da forma que descreve (cf. Dicionário Terminológico – DT).

2. Que a parassíntese ocorra sobretudo em verbos não é observação que se oponha à descrição da parassíntese como «processo em que se junta um prefixo e um sufixo em simultâneo a uma forma de base». Segundo Alina Villalva (in M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 952):

«a derivação parassintética, que pode ser exemplificada por formas como enfraquecer ou esbracejar, é particularmente frequente na formação de verbos deadjectivais e denominais, embora também se  verifiquem alguns casos de adjectivalização: [...] en [son] RN ado/a »1

1 RN = radical nominal.

Pergunta:

Por que motivo não temos por hábito dizer «calçar umas calças»? Ou será que é correcto dizê-lo?

Obrigada.

Resposta:

Sobretudo porque a tradição não fixou esse uso. Calçam-se sapatos, meias e mesmo luvas, mas no caso de calças usam-se mesmo só os verbos despir e vestir, pelo menos, em português europeu.

Pergunta:

Qual o gentílico de Sumatra, ou Samatra, uma das principais ilhas da Indonésia?

Gratíssimo.

Resposta:

Não encontro atestado o gentílico de Samatra (melhor que Sumatra), pelo que suponho que a forma que ele deve tomar ainda não estabilizou. Tendo em conta que javanês é o gentílico da vizinha ilha de Java1, "samatrês" afigura-se-me como opção plausível, mas, repito, tudo depende de usos e registos dicionarísticos que não acho.

1 O caso de javanês mostra como muitas vezes a fixação de um gentílico é um processo sinuoso, uma vez que o termo foi transmitido, por via do francês javanais, do inglês javanese, este aparentemente formado por analogia com japanese (cf. Dicionário Houaiss). Em português existe também jau, menos usado, mas mais antigo, porque colhido directamente do malaio jāu, nome da ilha de Java, provavelmente no período da expansão portuguesa no Sueste asiático (idem).

Pergunta:

A frase «A entrada do Fidalgo na barca do Paraíso tinha sido negada pelo Anjo» assume a forma negativa, ou afirmativa? Muito obrigado pelo esclarecimento.

Resposta:

Os termos «forma negativa» e «forma afirmativa», referidos a frase, usaram-se durante algum tempo nas gramáticas escolares portuguesas, mas actualmente o Dicionário Terminológico (DT) apresenta o termo polaridade, que corresponde a dois valores, afirmativo e negativo. Casos como o do verbo negar, em que a negação se integra na semântica da unidade lexical, não estão explicitamente contemplados no DT, quando aqui se identificam os meios de expressão da polaridade negativa (geralmente marcados pelo advérbio de negação não e de outras palavras e expressões de valor negativo, como ninguém, nada, nunca, — «sei lá!»).

Pergunta-se então: um enunciado em que ocorre um verbo de valor negativo tem polaridade negativa? A resposta é não, conforme se lê em M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 783:

«[...] os verbos de sentido negativo não determinam polaridade negativa nas frases.»

Este fenómeno é evidenciado por frases coordenadas com a expressão de polaridade positiva também (idem, pág. 782; exemplos da pág. 783 — o asterisco indica agramaticalidade):

1. «Ele negou o ocorrido, e ela também» (* «ela também não»)

2. «A Ana deixou de ler o livro, e o irmão também» (* «e o irmão também não»)

Este teste pode ser aplicado à frase em questão com os mesmos resultados...

Pergunta:

É correcta a afirmação: «Ela (a empregada de limpeza) vai-me lá a casa duas vezes por semana»? A expressão «vai-me» não me soa bem!

Agradeço o esclarecimento.

Resposta:

É construção correcta, embora mais frequente no registo informal ou familiar. Trata-se do pronome de interesse ou do dativo ético (ver Textos Relacionados), podendo esta construção marcar:

a) uma relação de posse: «ela vai lá à minha casa»;

b) uma relação de interesse na acção referida: o pronome pode sugerir que o sujeito enunciador se sente responsável pela manutenção de determinada casa e, por isso, diligenciou no sentido de alguém aí fazer a limpeza.