Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na palavra contra-revolucionário, contra é, ou não, um prefixo? Eu não o vejo como tal, visto existir, no nosso léxico, a palavra contra, tendo ela uma autonomia de que não gozam os prefixos (Ex.: «Ele manifestou-se contra a posição oficial da Igreja»). Nesta minha perspetiva, a palavra contra-revolucionário seria formada por composição. Ora, à luz do novo Acordo Ortográfico, as palavras compostas onde «não se perdeu a noção de composição» mantêm o hífen, pelo que me parece que se deva grafar contra-revolucionário (contrassenso já não teria hífen, porque se perdeu a noção de composição da palavra).

Agradeço, desde já, a atenção dispensada.

Resposta:

No que toca à formação de palavras, a classificação de contra não tem sido uniforme. Por exemplo, antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, a edição de 2001 do Dicionário Houaiss regista contra- como elemento de composição, mas a edição de 2009 do mesmo dicionário, na qual já se aplicam as novas regras, indica que o mesmo elemento é um prefixo. Penso que esta mudança se deve ao facto de contra se contar numa lista de prefixos na Base XVI, 1.º.: «Nas formações com prefixos (como, por exemplo: ante-, anti-, circum-, co-, contra-, entre-, extra-, hiper-, infra-, intra-, pós-, pré-, pró-, sobre-, sub-, super-, supra-, ultra-, etc.)...»

No entanto, observe-se que duas gramáticas tradicionais, a Moderna Gramática Portuguesa (pág. 366), de Evanildo Bechara, e a Nova Gramática do Português Contemporâneo (pág. 87), de Celso Cunha e Lindley Cintra, já classificavam contra- como prefixo. Além disso, note-se que contra- tem duas acepções, conforme se pode consultar no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: «oposição, em frente de», como em contratorpedeiro, contraveneno; e «grau inferior a outro», como em contra-almirante e contramestre. Dado que estas duas acepções são atribuídas a uma mesma forma, contra-, sem pressuporem o contraste entre duas unidade linguísticas homónimas (contra, preposição, «em frente de» vs. contra- «grau inferior a outro»), conclui-se que co...

Pergunta:

De onde vem o nome oxi usado para descrever uma droga que vem sendo usada nos centros urbanos? Esta palavra é um radical? Deve ser acentuada?

Resposta:

Tal como se encontra escrita, a palavra deverá ser pronunciada como oxítona (ou aguda), isto é, com acento tónico na última sílaba (transcrição fonética [ɔˈksi]). Mas se a intenção é pronunciá-la como o elemento de composição oxi- em oxiemoglobina, com maior proeminência da sílaba o- em relação a -xi, então recomenda-se a forma óxi.

Uma página da Internet permite saber a que se refere a palavra:

«Mais barata e mais agressiva que o crack, o oxi é uma nova droga, feita a partir de cocaína e que começa a se espalhar na cidade.»

Pergunta:

Uma reacção pode ser adaptativa [adj., próprio para se adaptar] (ou seja, promover uma boa adaptação) ou não o ser. Considerando que existem os termos adaptado e inadaptado, adaptação e inadaptação, podemos dizer que uma reacção que promove uma má adaptação é "inadaptativa"?

Obrigada!

Resposta:

A palavra inadaptativo está bem formada, apesar de não se encontrar dicionarizada. Tendo em conta, no entanto, que os dicionários registam adaptativo, «que propicia ou facilita a adaptação» (Aulete Digital; cf. tamabém Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), além de consignarem inadaptável como derivado de adaptável, nada obsta à formação de inadaptativo, no sentido de «que não propicia ou não facilita a adaptação».

Pergunta:

Em uma resposta intitulada A forma por extenso de 2000.º (e de outros ordinais), de 22/11/2005, o consultor Carlos Rocha faz menção da forma dois milésimo preconizada pelo meu patrício, o gramático Evanildo Bechara, em sua Gramática Moderna do Português, 2002, sendo outrossim adotada pelo Manual de Língua Portuguesa, da autoria de Paul Teyssier, francês e estudioso do nosso idioma.

A princípio dois milésimo me causou estranheza, pois me parecia erro de concordância, mas, depois, comparando-o com outros ordinais, como seiscentésimo e oitocentésimo (respectivamente, variantes ou formas paralelas de sexcentésimo e octingentésimo), creio ter entendido por que milésimo neste caso não se pluraliza. É que o número dois funcionaria como uma espécie de prefixo numérico, o qual, ao ser aplicado a um número ordinal, não o levaria ao plural, mas apenas determinaria quantas vezes ele vale. Se o meu raciocínio estiver certo, então, dois milésimo significaria «duas vezes milésimo», assim como seiscentésimo e oitocentésimo querem dizer, respectivamente, «seis vezes centésimo» e «oito vezes centésimo».

Se o que suponho estiver correto, então, talvez o erro da nossa ortografia seria o de deixar de unir dois com milésimo, dando na escrita "doismilésimo" ou ainda "dois-milésimo".

Por outro lado, surge um dúvida: se o número dois funciona realmente como se fosse prefixo, por que, então, ele se flexiona quanto ao gênero: “duas milésima trecentésima quadragésima quinta”?

Pelo visto, se deduz que, depend...

Resposta:

Muito do que se discute acerca de uma língua tem que ver com a fixação de determinados usos. Se não existe a necessidade de nomear determinada realidade, é natural que não haja designação disponível ou a que existe tenha uso muito escasso. Pode ainda acontecer que a designação dessa realidade seja criada repetida vezes, com a mesma forma, com formas semelhantes ou com formas díspares, pontualmente, em função da necessidade de nomear. O caso dos numerais cardinais é ilustrativo de um cenário destes, porque, quando correspondentes a números elevados, são raramente usados, certamente pela dificuldade de serem constituídas por palavras eruditas, de origem latina, que não alcançaram uso corrente. Nada que se assemelhe, portanto, à flexibilidade dos ordinais que se encontra nas línguas germânicas.

Em relação a dois milésimo, pouco tenho a acrescentar ao que já disse e ao que o consulente considera: na verdade, é forma de estrutura discutível, porque mostra certa inconsistência ao associar um numeral cardinal (dois) com um numeral ordinal (milésimo). Não admira, portanto, que existam propostas tendentes à criação de um termo mais coerente. Por outras palavras, "bimilésimo" perfila-se como bom candidato a tornar-se o ordinal correspondente ao cardinal dois mil;1 e "bimilionésimo" poderia ser a forma do ordinal relativa a dois milhões. Mas, repito, embora estas se afigurem como palavras bem formadas e passíveis de uso com o significado apontado, não as encontro sequer nos vocabulários ortográficos actualmente disponíveis — o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o

Pergunta:

Gostaria de uma análise da regência do termo prevenção. Quais as preposições que podem acompanhá-lo?

Resposta:

De acordo com o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (São Paulo, Editora Globo, 1995), de Francisco Fernandes, o substantivo constrói regência com as seguintes preposições (abonações retiradas da mesma fonte):

1. a: «Sua presença (do mulato) arrrepiou melindres de branquidão. Cochichos de prevenção às filhas. — Não dance com aquele moleque!» (Mário Sete, Os Azevedos do Poço, 33)*;

2. com: «estar de prevenção com uma pessoa ou coisa, ter razões para estar contra ela antecipadamente» (Dicionário de Caldas Aulete);

3. contra: «A falar verdade, o único defeito que Mendonça lhe achou foi a cor dos olhos, não porque a cor fosse feia, mas porque ele tinha prevenção contra os olhos verdes» (M. de Assis, Contos Fluminenses, 12);

4. de: «E que estes poucos dias que me podem restar de vida os aplique totalmente à prevenção da jornada» (Padre António Vieira, citado no Dicionário de Caldas Aulete);

5. «Prevenção para remediar algum mal».

* Note-se que a preposição indicada em 1 pode não fazer parte de regência, se for analisada como uma construção elíptica correspondente a «houve cochichos de prevenção destinados às filhas». Nesse caso, o constituinte «às filhas» é antes um complemento indirecto.<...