Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nos baralhos de cartas de jogar espanhóis/latinos há uma marca na moldura do desenho que indica o naipe, permitindo saber-se o naipe da carta não a vendo na totalidade, quando em leque. A esta marca em espanhol chama-se pinta (e pelo que pude saber pinta pode ter o mesmo significado em português) daí pergunto se a expressão «tirar (ver?) a pinta a alguém (ou algo?)» tem relação com a espanhola «le conocí por la pinta», ambas significando inferir a totalidade por um detalhe, pela aparência.

Já agora deixo aqui também a dúvida se «ser um pintas ou pintarolas» terá essa mesma origem.

 

Resposta:

É difícil afirmar que o português pinta derive do castelhano pinta, porque ambas as palavras estão atestadas nessas línguas desde a Idade Média. No caso do português, classificada como derivado regressivo de pintar e com o significado de «mancha» (permitindo o desenvolvimento das aceções de «marca» e «aparência», por extensão semântica),1 documenta-se a palavra desde 1103 (Dicionário Houaiss, com base no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado). Em castelhano, o vocábulo é também descrito como derivado de pintar, na aceção de «mancha», e datado de 1374 (J. Corominas, Breve Diccionario Etimológico de la Lengua Castellana).

Deste modo, parece-me de concluir que pinta em português e pinta em espanhol podem muito bem fazer parte de um património lexical comum às duas línguas. Do mesmo modo, a locução «pela pinta» («pela aparência»), que corresponde ao espanhol «por la pinta» (ver dicionário da Real Academia Espanhola), pode também remontar à época medieval, em que a fronteira entre dialetos galego-portugueses, leoneses e castelhanos não era tão nítida como hoje.

1 A palavra pinta é usada na aceção de «aparência» em «ele tem pinta de atleta» (Aulete Digital) e na expressão «ter boa pinta» (idem). 

Pergunta:

Qual é, ou quais são, na vossa opinião, as formas de tratamento aceitáveis de um aluno em relação a um prof.?

Será que no 3.º ciclo e ensino secundário, em alguma situação, um aluno se pode dirigir a um Professor, tratando-o por você?

Resposta:

Em Portugal, atendendo aos preceitos de gramáticas tradicionais, considera-se desadequada a forma de tratamento você na situação em que um aluno se dirige ao professor.

CfPronomes de Tratamento + Protocolo: Tu, Você, Senhor... + Pronomes de tratamento + Quão cortês é você? O pronome de tratamento vocês em Português Europeu + 98 pronomes de tratamento + Emprego dos pronomes de tratamento + Formas de Tratamento e Endereçamento

Pergunta:

Sou professora de Português e surgiu-me uma dúvida. Estou a trabalhar com o processo de formação de palavras e não estou suficientemente certa de como classificar luso: é um radical, ou uma palavra?

No dicionário da Porto Editora, surgem duas entradas: «luso, adj., n. m. lusitano; português; lusíada…» e «luso-, elemento de formação de palavras que exprime a ideia de lusitano, português»...

Em diferentes gramáticas, já vi tratado como radical e como palavra, porém convém ter certezas absolutas, dado que a classificação do processo de formação de lusodescendente e de luso-brasileiro (composto morfológico ou morfossintático) está condicionada pela classificação que fizermos de luso: radical ou palavra.

Resposta:

A forma luso em lusodescendente e luso-brasileiro é um radical, visto ser considerada forma curta de lusitano, na aceção de «relativo a Portugal» (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

a) Gostaria de saber qual a classificação morfológica do o que se aglutina à preposição de em «A mulher é mais tolhida socialmente do que o homem».

b) A expressão «os pronomes substantivo interrogativo» está assim grafada em uma apostila para concurso. É correta essa concordância? Isso se dá pelo fato de «substantivo interrogativo» estar especificando «pronomes»?

Resposta:

a) Não existe classificação especial para designar o o associado a de na conjunção «do que», que é forma alternativa de que, conjunção subordinativa comparativa, em correlação com os advérbios mais ou menos da oração principal (ver Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, 2002, pág. 326):

1. «Ele é mais alto do que ela.»

2. «Ele tem menos dinheiro do que ela.»

A análise sintática tradicional e a descrição linguística recente interpretam sempre sequências como «do que ela» como orações subordinadas adverbiais comparativas com omissão (elipse) do verbo.

b) Pronome substantivo é termo pertencente à Nomenclatura Gramatical Brasileira de 1959.1 Sendo assim, no plural dever escrever-se «pronomes substantivos», que podem ser «interrogativos», «possessivos», «demonstrativos», etc. Diga-se, portanto, «pronomes substantivos interrogativos», que é o plural de «pronome substantivo interrogativo».

1 O Dicionário Houaiss define pronome substantivo assim: «o pronome que nunca se usa junto a um nome, e, sim, sempre substituindo-o, podendo ser demonstrativo, ind...

Pergunta:

Tenho uma dúvida e, se possível, gostaria que me ajudassem. Sei que, em passivas pronominais (como «vendem-se casas»), o verbo deve aparecer flexionado para concordar com o sujeito paciente plural. No entanto, deparei-me com duas frases que me deixaram em dúvida:

«Confeccionam-se: roupinhas de tricô para cachorros.» 

As duas frases estariam de acordo com a gramática tradicional? A presença dos dois-pontos modifica alguma coisa?

Resposta:

Não vejo que os dois-pontos modifiquem alguma coisa na relação entre a passiva pronominal e a expressão nominal que tem a função de sujeito. Por isso, dirá e escreverá «confecionam-se» e «vendem-se», se interpretar se como partícula apassivante ou apassivadora.

Recordo que, atualmente, as gramáticas aceitam também que se seja um sujeito indeterminado (cf. sujeito, subdomínio B.4.2. Funções sintáticas, do Dicionário Terminológico, em vigor em Portugal). Nesse caso, os verbos não têm de concordar com as expressões nominais a que se referem: «confeciona-se: roupinhas...»; «vende-se: pão de queijo, café...»