Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Está correto dizer «um par de óculos» quando nos referimos a uma unidade? Em inglês, o correto é dizer «a pair of glasses», porque existem duas hastes e dois olhos.

Agradeço.

Resposta:

Está correto, porque óculos pressupõe historicamente o singular óculo, que não significa «olho», mas que é usado na aceção de «luneta», «lente». Sendo assim, e dado que se trata de duas lentes presas por uma armação, faz todo o sentido falar num «par de óculos». Refira-se, aliás, que «par de óculos» está dicionarizado, por exemplo, como subentrada de óculos no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. O que é erro é o uso de «um óculos», conforme se comenta no Dicionário Houaiss (s.v. óculo, onde também se considera correta a expressão «um par de óculos»): «[é] erro a discordância de número (um óculos) que se tem vulgarizado no português coloquial do Brasil (formas corretas: uns óculos, meus óculos, um par de óculos) »

Acrescente-se que o vocábulo óculos faz parte de uma classe de palavras sempre usadas no plural (daí serem também conhecidas como pluralia tantum, isto é, «apenas no plural», segundo a mesma fonte), «que semanticamente podem denotar uma única unidade; trata-se sempre de referentes formados de partes simetricamente duplicadas (p. ex.: tesouras, cuecas, calças, óculos, ceroulas, tenazes)» (idem).

Pergunta:

Qual o termo correcto: reenfoque, ou re-enfoque?

Resposta:

Escreve-se reenfoque, sem hífen, como reexame.

Embora o Acordo Ortográfico de 1990 seja omisso quanto à grafia do prefixo re-, que é hoje especialmente produtivo quando denota a noção de «repetição», o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras, o VOLP da Porto Editora e o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP) do Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) propõem seguir a tradição ortográfica anterior e declaram adotar o critério de escrever re- sempre sem hífen, justaposto à base da derivação. Devem ainda ter-se em conta os seguintes procedimentos, que vêm também das normas ortográficas anteriores: quando a base a que se justapõe o prefixo começa por h, suprime-se esta letra: reabilitar, reabitar; r ou s iniciais são dobrados: rerratificar, ressaborear. O Vocabulário Ortográfico Atualizado da Língua Portuguesa (VOALP) da Academia das Ciências de Lisboa está em sintonia com os mesmos critérios quanto à ortografia de re-, embora não os explicite em texto introdutório ou explicativo.

Pergunta:

Gostaria de saber qual o plural das palavras cachorro-quente e nego-bom

Obrigada.

Resposta:

Nos compostos em questão, todos os elementos constituintes passam para o plural; portanto, diz-se e escreve-se assim: cachorros-quentes e negos-bons. Sobre cachorro-quente, já se sabe que se trata de «sanduíche de salsicha, geralmente feita num pão alongado» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa); quanto a nego-bom, define-se esta palavra como regionalismo do Nordeste do Brasil, que significa «doce de banana a retalho»1 (Dicionário Houaiss).

1 Ou como também se costuma dizer no Brasil, «a varejo».

Pergunta:

Agradeço que me informem qual a opção correta: belga-suíço, ou belgo-suíço?

Resposta:

Diz-se e escreve-se belgo-suíço. Em relação a belga, gentílico de Bélgica, belgo- é a forma usada como primeiro elemento em compostos que combinam nomes e adjetivos pátrios (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Se se tratar do segundo elemento do composto, mantém-se a forma belga; p. ex., luso-belga.

Pergunta:

O que significa «a descer todos os santos ajudam»?

Resposta:

O que o provérbio diz é que qualquer descida requer supostamente menos esforço que uma subida e se faz facilmente, ou seja, toda a descida pode ser "santa", no sentido de «fácil» (cf. «foi um santo dia», interpretável como «dia bom, agradável», como que favorecido pelos santos). O dito pode ainda aplicar-se a qualquer situação que seja encarada como o fim, ou a fase descendente, de um processo que se apresentava inicialmente árduo (o que metaforicamente é construído como uma subida). Mas, como todos os provérbios, há que saber interpretá-lo sem perder de vista o princípio de realidade, porque há certamente muitos caminhos em declive e escadarias que podem ter uma descida difícil, pela perícia que exigem para não serem ocasião de queda.