Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Queria saber se nevoeiro pertence à família de palavras de neve.

Obrigada.

Resposta:

Não pertencem à mesma família de palavras, nem semântica nem etimologicamente. Nevoeiro é um derivado de névoa, que tem origem no latim nebŭla, ae, «névoa, nevoeiro, cerração, vapor; nuvem» (Dicionário Houaiss). Neve tem origem no latim nix, nivis, «neve».

No latim, não se encontra relação etimológica entre nebŭlanix (cf. Alfred Ernout e Alfred Meillet, Dictionnaire Etymologique de la Langue Latine, Paris, Librairie C. Klincksieck, 1951).

Pergunta:

Tenho ouvido pronunciar a palavra Cister de maneiras diferentes. A sílaba tónica ora é a última, ora a penúltima. Gostaria que me esclarecessem se é uma palavra aguda ou grave e porquê.

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A palavra em apreço ocorre normalmente na expressão «ordem de Cister». A sílaba tónica de Cister é a última: "cistér", com é aberto na sílaba final (cf. s. v. Cister, Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966). Para a sílaba tónica deste nome ser a penúltima, teria esta de ter na escrita um acento agudo. Não havendo acento gráfico, a palavra, que termina em -r, é interpretada como aguda, tal como os substantivos colher ou mulher.

Este nome deriva do antigo topónimo francês Cistel, hoje Cîteaux, na região da Borgonha, em França (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Na Idade Média, documenta-se em português a forma Cistel (ou Çistel), mas Fernão Lopes (século XV) já usava a forma Cister (idem). Registe-se que o nome também passou para o espanhol, que hoje em dia apresenta Císter, com acento tónico na penúltima sílaba (cf. cisterciense no dicionário da Real Academia Española).

Acrescente-se ainda que Cister é o nome de uma ordem religiosa, «[f]undada no sXI, na Borgonha, [que se expandiu] pelo resto da França e por quase toda a Europa, no sXII, com São Bernardo de Claraval» (Dicionário Houaiss). Em Cister, ou seja, na atual localidade de Cîteaux, localiza-se a abadia que deu origem a esta ordem. O adjetivo cisterciense, derivado de Cistersium, forma latina de Cister/Cîteaux, é o mesmo que «relativo a ou membro dessa ordem», mas t...

Pergunta:

Gostaria de saber a forma correta de enunciar:

«Freguesia dos Milagres», ou «Freguesia de Milagres»?

Qual a forma correta e quais os motivos para tal?

Muito obrigado.

Resposta:

Em princípio, deveria usar-se Milagres com artigo, uma vez que este topónimo tem origem no plural de um substantivo comum, milagre. Porém, em designações oficiais de órgãos autárquicos, e talvez no intuito de prestigiar a localidade, visto que muitas cidades não têm artigo definido (Faro, Évora, Lisboa, Coimbra, Braga; mas, como contraexemplo, temos «o Porto»), acontece que se assiste a uma tendência para suprimir o artigo nesse tipo de topónimos. Assim se explica que, apesar de eventualmente poder dizer «vou aos Milagres», apareça depois na escrita, em documentos oficiais, em letreiros e outras inscrições, o mesmo topónimo sem artigo: «Junta de Freguesia de Milagres.» Mas, se, para dar o exemplo de uma grande urbe, na própria cidade do Porto se diz e escreve «Câmara Municipal do Porto», não compreendo porque se há de omitir o artigo definido neste tipo de topónimos, historicamente derivados de susbtantivos comuns.

Pergunta:

Qual é a construção (mais) correcta: «fazer de conta que», ou «fazer de conta de que»?

Obrigada!

Resposta:

«Fazer de conta que» é a construção correta.

O Dicionário Houaiss atesta o uso da locução «fazer de conta» apenas com a conjunção completiva que:

«fazer de c[onta]

1     fingir, simular; fazer conta que

Ex.: "ela fez de c[onta] que não me viu"

2     fantasiar, imaginar; fazer as vezes de; fazer conta que

[...] Ex.: "as crianças gostam de fazer de c[onta] que são outra pessoa".»

Pergunta:

Devemos escrever «o package», ou «a package»?

Resposta:

Se package se traduz hoje por pacote, que é substantivo do género masculino, então é de concluir que se deve dizer «o package», atribuindo o mesmo género do vocábulo português.

Observe-se, contudo, que, em português, já existem palavras que substituem com vantagem o anglicismo: em função do contexto, além de pacote, embrulho, embalagem e até fardo (cf. The Oxford Portuguese Dictionary Portuguese-English English-Portuguese, Dicionário Verbo-Oxford Português-Inglês e Dicionário Inglês-Português da Porto Editora, disponível na Infopédia).