Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estive a ler a resposta n.º 32 215, sobre o prefixo meta-. O dr. Carlos Rocha (que muito prezo) diz, mais ou menos a meio do texto: «No contexto do anterior acordo, o de 1945 (AO 45), o prefixo em referência aglutina-se sempre ao elemento seguinte, conforme prevê Rebelo Gonçalves, no Tratado da Ortografia Portuguesa (1947, pág. 76).»

Se meta aglutinava sempre, escrevia-se "metaistória"? Não tenho 100% de certeza, mas parece-me que se escrevia, como na era AO90, "meta-história"…

Obrigado.

Resposta:

Agradecendo a observação feita, gostaria, no entanto, de lembrar que Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947, p. 252-254), inclui meta- entre os prefixos que não são seguidos de hífen e que se unem aos elementos imediatos, a saber: com origem grega, anfi-, apo-, endo-, epi-, exo-, hemi-, hipo-, meta-, para-, peri-, tele-; com origem latina, ambi-, bi-, cis-, des-, intro-, intus-, re-, retro-, so-, suso-, tri-.

Sobre a união ao elemento seguinte, o referido autor acrescenta em nota (ibidem, n.º 8) o seguinte:

«Com esta união, ou os elementos posteriores aos prefixos ficam intactos, ou se dão alterações interiores: supressão de h, duplicação de r ou s, etc. [...].»

É, portanto, legítimo concluir que a forma mais adequada à luz do AO 45 seria metaistória, muito embora no período de plena vigência do referido acordo possa ter-se escrito em muitas publicações a forma meta-história.

No contexto do Acordo Ortográfico de 1990, recorde-se, deve escrever-se meta-história.

Pergunta:

Qual é diferença entre lazer e ócio, que ambos significam «tempo livre»?

Obrigada.

Resposta:

Não há diferença apreciável, podendo por vezes as palavras em referência ocorrer até nos mesmos contextos:

(i) «Momentos de lazer/ócio.»

No entanto, há contextos em que não é possível ocorrer uma palavra pela outra (o ? indica fraca aceitabilidade):

(ii) «Espaços de lazer.»

(iii) ? «Espaços de ócio.»

Além disso, enquanto lazer tem conotação positiva, com ócio pode vincar-se a associação à preguiça:

(iv) «Ele entregou-se a uma vida de ócio.»
(v) ? «Ele entregou-se a uma vida de lazer.»

É de notar ainda que ócio tem derivados em que a noção de preguiça e desperdício de tempo é bem saliente (cf. Dicionário Houaiss): ocioso («vida ociosa» = «vida improdutiva»; «é ocioso» = «é inútil»); ociosidade, «preguiça, indolência, moleza». Em contrapartida, é curioso constatar que lazer não parece ter derivados.1 Acrescente-se ainda que a conotação de ócio com a preguiça ou inclusivamente o desleixo fica realçada, quando comparamos os eventuais sinónimos da palavra com os que são atribuíveis a lazer (exemplos J. I. Roquete e J. Fonseca, Dicionário dos Sinónimos, Lello Editores, 1974): «lazer – vagar, ócio, passatempo»; «ócio – desocupação, inação, ociosidade, folga, quietação, férias, desleixo.»

1 Não têm origem em lazer as palavras lazeirar, «estar faminto», e lazeira, «fome, miseria», «lepra» e «preguiça» (cf. Dicionário Houaiss): este é um derivado regressivo daquele; quanto a lazeirar, tem origem obscura, embora se sugira que é alteração de lacerar, do «latim lac...

Pergunta:

A. Na Abertura de 12/11/2013 diz-se: «Palavras como história, área ou vário, que têm encontros vocálicos átonos em posição final, têm um acento gráfico que as torna aparentemente esdrúxulas (ou proparoxítonas), mas a verdade é que são graves (ou paroxítonas), e daí chamar-se-lhes "falsas esdrúxulas".»
B. Na resposta a que alude a Abertura, pode ler-se: «Remédio é, de facto, uma palavra esdrúxula (ou proparoxítona), pois a sílaba tónica recai na antepenúltima sílaba: re-mé-di-o (cf. Dicionário da Divisão Silábica, do Portal da Língua Portuguesa).»
Fiquei com as ideias ligeiramente baralhadas. Então, a palavra história pode ser designada das três formas: grave, esdrúxula e esdrúxula aparente?
Embora se trate de um caso especial, parece-me razoável e muito mais simples chamar-lhe apenas esdrúxula. Sempre foi essa a perspetiva que adotei nas minhas aulas.
Abraço à equipa do Ciberdúvidas.

Resposta:

A perspetiva que adotou na suas aulas é legítima, pois justifica-se por razões pedagógicas e didáticas.

No entanto, convém lembrar que já no Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) não ficava absolutamente claro o estatuto dos encontros vocálicos pós-tónicos.

Com efeito, na Base XIX do AO 45, em referência ao uso de acento cicunflexo nas proparoxítonas, incluem-se como exemplos palavras que apresentam encontros vocálicos pós-tónicos, deixando inferir que estes são tratados como hiatos e as palavras onde figuram são proparoxítonas ou esdrúxulas:

«As vogais tónicas a, e e o de vocábulos proparoxítonos levam acento circunflexo, quando são seguidas de sílaba iniciada por consoante nasal e soam invariavelmente fechadas nas pronúncias normais de Portugal e do Brasil: câmara, pânico, pirâmide; fêmea, sêmea, sêmola; cômoro. Mas levam, diversamente, acento agudo, que nesse caso serve apenas para indicar a tonicidade, sempre que, encontrando-se na mesma posição, não soam, todavia, com timbre invariável: Dánae, endémico, género, proémio; fenómeno, macedónio, trinómio

No entanto, verifica-se que na Base XIII se diz que tais encontros vocálicos podem ser ditongos:

«3.° Além dos ditongos orais propriamente ditos, os quais são todos decrescentes, admite-se, como é sabido, a existência de ditongos crescentes. Podem considerar-se no número deles os encontros vocálicos postónicos, tais os que se representam graficamente por ea, eo, ia,

Pergunta:

Numa noticia intitulada «Mais de metade da população portuguesa recebe uma prestação social», ocorre a frase «O ministro Pedro Mota Soares revelou, esta segunda-feira, que mais de metade da população portuguesa recebe uma qualquer prestação social, defendendo que o Rendimento Social de Inserção é uma prestação em contraciclo.»

Tentei obter o significado de contraciclo, em vários dicionários, mas sem sucesso. Poderiam dizer que dizer contraciclo?

Antecipadamente obrigado pela resposta.

Resposta:

A palavra contraciclo já se encontra dicionarizada. Encontramo-la registada, por exemplo, no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia):

«fenómeno que contraria o sentido dos acontecimentos ou a direção de um processo;  em contraciclo: contrariando a situação geral; a/em contraciclo com: no sentido contrário a/de.»

Veja-se também no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Qual a classe e subclasse a que pertence a expressão «ou seja»?

Resposta:

Não tem classe de palavras especial, antes devendo ficar incluída entre os marcadores de discurso, mais especificamente, entre os reformuladores com função de explicação ou retificação (cf. Dicionário Terminológico, C 1.1.1 Comunicação e interação discursivas).